1.3 Sistemas λ\lambda-π\pi

Uma importante ferramenta para provar fatos teóricos sobre probabilidades é o Teorema de Dynkin que apresentaremos nessa seção. Ele trata de classes de eventos que não são necessariamente σ\sigma-álgebras, mas sistemas λ\lambda ou π\pi como definidos abaixo.

{definition}

Dizemos que uma classe 𝒜𝒫(Ω)\mathcal{A}\subseteq\mathcal{P}(\Omega) é um π\pi-sistema se for fechado por interseções finitas, isto é: para todos A,B𝒜A,B\in\mathcal{A} temos AB𝒜A\cap B\in\mathcal{A}.

{definition}

Dizemos que 𝒜𝒫(Ω)\mathcal{A}\subseteq\mathcal{P}(\Omega) é um λ\lambda-sistema, se

  1.  a)

    Ω𝒜\Omega\in\mathcal{A},

  2.  b)

    Sempre que A𝒜A\in\mathcal{A} temos Ac𝒜A^{c}\in\mathcal{A}.

  3.  c)

    Para A1,A2,𝒜A_{1},A_{2},\dots\in\mathcal{A} disjuntos dois a dois, temos iAi𝒜\cup_{i}A_{i}\in\mathcal{A}.

{exercise}

Dê um exemplo de λ\lambda-sistema que não seja uma σ\sigma-álgebra.

Definimos para 𝒜𝒫(Ω)\mathcal{A}\subseteq\mathcal{P}(\Omega), o menor λ\lambda-sistema contendo 𝒜\mathcal{A}, ou seja,

λ(𝒜)= λ-sistema𝒜.\lambda(\mathcal{A})=\bigcap_{\begin{subarray}{c}\text{$\mathcal{B}$ $\lambda$% -sistema}\\ \mathcal{A}\subseteq\mathcal{B}\end{subarray}}\mathcal{B}. (1.16)

É fácil ver que λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}) é sempre um λ\lambda-sistema.

{theorem}

[Dynkin] Se 𝒜\mathcal{A} é um π\pi-sistema, então λ(𝒜)=σ(𝒜)\lambda(\mathcal{A})=\sigma(\mathcal{A}).

Note pelo Exercício 1.3 que a hipótese de que 𝒜\mathcal{A} é um π\pi-sistema é necessária em geral.

Demonstração.

Obviamente, basta mostrar é que λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}) é fechado por uniões não necessariamente disjuntas. Na verdade, vamos ver que é suficiente provar que

λ(𝒜) é um π-sistema.\lambda(\mathcal{A})\text{ \'{e} um $\pi$-sistema}. (1.17)

De fato, caso isso seja provado teremos que λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}) é fechado por diferenças (pois AB=ABcA\setminus B=A\cap B^{c}). Assim, podemos mostrar que λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}) é fechado por uniões enumeráveis, pois se A1,A2,λ(𝒜)A_{1},A_{2},\dots\in\lambda(\mathcal{A}), definimos Bn=i=1nAi=(i=1nAic)cλ(𝒜)B_{n}=\cup_{i=1}^{n}A_{i}=(\cap_{i=1}^{n}A_{i}^{c})^{c}\in\lambda(\mathcal{A}) e escrevemos

\mcupn=1An=\mcupn=1(AnBn1),\mcup_{n=1}^{\infty}A_{n}=\mcup_{n=1}^{\infty}\big{(}A_{n}\setminus B_{n-1}% \big{)}, (1.18)

que é uma união disjunta de termos em λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}), logo está em λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}). Isso mostra que λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}) é uma σ\sigma-álgebra e que de fato é suficiente demonstrar (1.17).

Vamos primeiramente mostrar que λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}) é fechado por interseções com 𝒜\mathcal{A}. Para tanto, definimos ={Bλ(𝒜);BAλ(𝒜) para todo A𝒜)}\mathcal{B}=\big{\{}B\in\lambda(\mathcal{A});\text{$B\cap A\in\lambda(\mathcal% {A})$ para todo $A\in\mathcal{A}$})\big{\}} e veremos que

B=λ(𝒜).B=\lambda(\mathcal{A}). (1.19)

Obviamente, 𝒜\mathcal{A}\subseteq\mathcal{B}, pois 𝒜\mathcal{A} é um π\pi-sistema. Então basta mostrar que \mathcal{B} é um λ\lambda-sistema.

  1.  a)

    Ω\Omega obviamente pertence a \mathcal{B}.

  2.  b)

    Se BB\in\mathcal{B} e A𝒜A\in\mathcal{A}, então BcA=A(BA)=(Ac(BA))cB^{c}\cap A=A\setminus(B\cap A)=(A^{c}\cup(B\cap A))^{c}. Mas como BB\in\mathcal{B}, (BA)λ(𝒜)(B\cap A)\in\lambda(\mathcal{A}) e usando o fato que λ\lambda-sistemas são fechados por complementos e uniões disjuntas, BcAλ(𝒜)B^{c}\cap A\in\lambda(\mathcal{A}). Como isso vale para todo A𝒜A\in\mathcal{A}, temos BcB^{c}\in\mathcal{B} por definição.

  3.  c)

    Se B1,B2,B_{1},B_{2},\dots\in\mathcal{B} são disjuntos e A𝒜A\in\mathcal{A}, então

    (\mcupn=1Bn)A=\mcupn=1(BnA)λ(𝒜),\big{(}\mcup\nolimits_{n=1}^{\infty}B_{n}\big{)}\cap A=\mcup_{n=1}^{\infty}% \big{(}B_{n}\cup A\big{)}\in\lambda(\mathcal{A}), (1.20)

    pois a união acima é disjunta. Logo \mcupn=1Bn\mcup_{n=1}^{\infty}B_{n}\in\mathcal{B}.

Isso mostra que \mathcal{B} é um λ\lambda-sistema com 𝒜λ(𝒜)\mathcal{A}\subseteq\mathcal{B}\subseteq\lambda(\mathcal{A}), mostrando (1.19).

No próximo passo, definimos ¯={Aλ(A);BAλ(A),Bλ(A)}\bar{\mathcal{B}}=\{A\in\lambda(A);\text{$B\cap A\in\lambda(A),\;\forall B\in% \lambda(A)$}\} e mostraremos que

¯=λ(𝒜),\bar{\mathcal{B}}=\lambda(\mathcal{A}), (1.21)

que vai na direção de provar (1.17).

Primeiramente, observe que 𝒜¯\mathcal{A}\subseteq\bar{\mathcal{B}} pois =λ(𝒜)\mathcal{B}=\lambda(\mathcal{A}) (veja a definição de \mathcal{B}). Mostraremos agora que

¯ é um λ-sistema.\text{$\bar{\mathcal{B}}$ \'{e} um $\lambda$-sistema}. (1.22)

Para tanto, verificaremos

  1.  a)

    Ω¯\Omega\in\bar{\mathcal{B}}, que é claro.

  2.  b)

    Tomando A¯A\in\bar{\mathcal{B}} e Bλ(𝒜)B\in\lambda(\mathcal{A}), AcB=B(AB)=(Bc(AB))cλ(𝒜)A^{c}\cap B=B\setminus(A\cap B)=\big{(}B^{c}\cup(A\cap B)\big{)}^{c}\in\lambda% (\mathcal{A}), por um argumento análogo ao apresentado para \mathcal{B}. Logo Ac¯A^{c}\in\bar{\mathcal{B}}.

  3.  c)

    Também o caso de uniões disjuntas é bastante análogo ao feito para \mathcal{B}.

Isso mostra que ¯\bar{\mathcal{B}} é um λ\lambda-sistema com 𝒜¯λ(𝒜)\mathcal{A}\subseteq\bar{\mathcal{B}}\subseteq\lambda(\mathcal{A}), estabelecendo (1.22).

Finalmente mostraremos que λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}) é um π\pi-sistema. De fato, dado Aλ(𝒜)A\in\lambda(\mathcal{A}), segue da igualdade ¯=λ(𝒜)\bar{\mathcal{B}}=\lambda(\mathcal{A}) que ABλ(𝒜)A\cap B\in\lambda(\mathcal{A}), para todo Bλ(𝒜)B\in\lambda(\mathcal{A}). Logo estabelecemos (1.17), terminando a prova do teorema. ∎

1.3.1 Igualdade de probabilidades

{proposition}

Se P1P_{1} e P2P_{2} são probabilidades em (Ω,)(\Omega,\mathcal{F}), tais que P1(A)=P2(A)P_{1}(A)=P_{2}(A) para todo A𝒜A\in\mathcal{A} e 𝒜\mathcal{A} é um π\pi-sistema, então P1(B)=P2(B)P_{1}(B)=P_{2}(B) para todo Bσ(𝒜)B\in\sigma(\mathcal{A}).

Demonstração.

Seja ={A;P1(A)=P2(A)}\mathcal{B}=\{A\in\mathcal{F};P_{1}(A)=P_{2}(A)\}. É fácil ver que \mathcal{B} é um λ\lambda-sistema. Logo \mathcal{B} contém λ(𝒜)\lambda(\mathcal{A}) que é igual a σ(𝒜)\sigma(\mathcal{A}) por Dynkin. ∎

{corollary}

Se P1P_{1} e P2P_{2} são probabilidades em (Ω1×Ω2,12)(\Omega_{1}\times\Omega_{2},\mathcal{F}_{1}\otimes\mathcal{F}_{2}), tais que

P1(A1×A2)=P2(A1×A2), para todos A11A22,P_{1}(A_{1}\times A_{2})=P_{2}(A_{1}\times A_{2}),\text{ para todos $A_{1}\in% \mathcal{F}_{1}$, $A_{2}\in\mathcal{F}_{2}$,} (1.23)

então P1=P2P_{1}=P_{2}.

Demonstração.

Obviamente as caixas do tipo A1×A2A_{1}\times A_{2} formam um π\pi-sistema que gera 12\mathcal{F}_{1}\otimes\mathcal{F}_{2} (por definição). ∎

{example}

Observe portanto que é importante que 𝒜\mathcal{A} seja um π\pi-sistema na Proposição 1.3.1. Imagine por exemplo que Ω={0,1}2\Omega=\{0,1\}^{2} e P1=14xΩδxP_{1}=\tfrac{1}{4}\sum_{x\in\Omega}\delta_{x} e P2=12(δ(0,0)+δ(1,1))P_{2}=\tfrac{1}{2}(\delta_{(0,0)}+\delta_{(1,1)}). Nesse caso

P1(A)=P2(A)=1/2=P1(B)=P2(B),P_{1}(A)=P_{2}(A)=1/2=P_{1}(B)=P_{2}(B), (1.24)

com A={(0,0),(0,1)}A=\{(0,0),(0,1)\} e B={(0,0),(1,0)}B=\{(0,0),(1,0)\}. Contudo, P1P2P_{1}\neq P_{2}, mesmo tendo 𝒫(Ω)=σ({A,B})\mathcal{P}(\Omega)=\sigma(\{A,B\}).