3.4. Apêndice à Seção 3.3: recordação de Cálculo no n{\mathds{R}^{n}}

Seja UmU\subset\mathds{R}^{m} um aberto e ϕ:Un\phi:U\to\mathds{R}^{n} uma função. Recorde que ϕ\phi é dita diferenciável num ponto xUx\in U se existe uma aplicação linear T:mnT:\mathds{R}^{m}\to\mathds{R}^{n} tal que (recorde Notação 3.1.1):

limh0ϕ(x+h)ϕ(x)T(h)h=0;\lim_{h\to 0}\frac{\phi(x+h)-\phi(x)-T(h)}{\|h\|_{\infty}}=0; (3.4.1)

essa aplicação linear é única quando existe e é dada por:

T(v)=limt0ϕ(x+tv)ϕ(x)t=defϕv(x),T(v)=\lim_{t\to 0}\frac{\phi(x+tv)-\phi(x)}{t}\stackrel{{\scriptstyle\text{def% }}}{{=}}\frac{\partial\phi}{\partial v}(x),

para todo vmv\in\mathds{R}^{m}. A aplicação linear TT é chamada a diferencial de ϕ\phi no ponto xx e é denotada por dϕ(x)\mathrm{d}\phi(x). A matriz que representa a diferencial dϕ(x)\mathrm{d}\phi(x) com respeito às bases canônicas é chamada a matriz Jacobiana de ϕ\phi no ponto xx. No que segue, usaremos a mesma notação para a diferencial dϕ(x)\mathrm{d}\phi(x) e para a matriz Jacobiana de ϕ\phi no ponto xx. Temos:

dϕ(x)=(ϕ1x1(x)ϕ1xm(x)ϕnx1(x)ϕnxm(x)),\mathrm{d}\phi(x)=\begin{pmatrix}\frac{\partial\phi_{1}}{\partial x_{1}}(x)&% \cdots&\frac{\partial\phi_{1}}{\partial x_{m}}(x)\\ \vdots&\ddots&\vdots\\ \frac{\partial\phi_{n}}{\partial x_{1}}(x)&\cdots&\frac{\partial\phi_{n}}{% \partial x_{m}}(x)\end{pmatrix},

onde ϕ=(ϕ1,,ϕn)\phi=(\phi_{1},\ldots,\phi_{n}) e ϕixj(x)\frac{\partial\phi_{i}}{\partial x_{j}}(x) denota a derivada parcial no ponto xx da função coordenada ϕi\phi_{i} com respeito à jj-ésima variável. Se uma aplicação ϕ\phi é diferenciável num ponto xx então ϕ\phi é contínua nesse ponto.

Intuitivamente, (3.4.1) diz que T=dϕ(x)T=\mathrm{d}\phi(x) é uma “boa aproximação linear” para ϕ\phi numa vizinhança de xx. Mais explicitamente, quando o ponto xmx\in\mathds{R}^{m} sofre um deslocamento (vetorial) Δx\Delta x então o ponto y=ϕ(x)ny=\phi(x)\in\mathds{R}^{n} sofre um deslocamento (vetorial) Δy=ϕ(x+Δx)ϕ(x)\Delta y=\phi(x+\Delta x)-\phi(x) e a diferenciabilidade de ϕ\phi no ponto xx nos diz que Δy\Delta y é aproximadamente uma função linear de Δx\Delta x; mais precisamente, existe uma aplicação linear dϕ(x)=defT\mathrm{d}\phi(x)\stackrel{{\scriptstyle\text{def}}}{{=}}T, tal que Δy\Delta y difere de T(Δx)T(\Delta x) por uma quantidade que vai a zero mais rápido que Δx\|\Delta x\|_{\infty}, quando Δx0\Delta x\to 0.

Quando uma aplicação ϕ:Un\phi:U\to\mathds{R}^{n} definida num aberto UU de m\mathds{R}^{m} é diferenciável em todos os pontos de UU dizemos simplesmente que ela é diferenciável em UU; dizemos que ϕ\phi é de classe C1C^{1} em UU se ϕ\phi é diferenciável em UU e se a função Uxdϕ(x)U\ni x\mapsto\mathrm{d}\phi(x) é contínua. Sabe-se que uma função ϕ\phi é de classe C1C^{1} num aberto UU se e somente se as derivadas parciais ϕixj(x)\frac{\partial\phi_{i}}{\partial x_{j}}(x), i=1,,ni=1,\ldots,n, j=1,,mj=1,\ldots,m, existem e são contínuas em todos os pontos xUx\in U.

Enunciamos agora alguns teoremas básicos de Cálculo no n\mathds{R}^{n} que usamos na Seção 3.3.

3.4.1 Teorema (regra da cadeia).

Sejam ϕ:Un\phi:U\to\mathds{R}^{n}, ψ:Vp\psi:V\to\mathds{R}^{p} funções tais que ϕ(U)V\phi(U)\subset V, onde UU é um aberto de m\mathds{R}^{m} e VV é um aberto de n\mathds{R}^{n}. Se ϕ\phi é diferenciável num ponto xUx\in U e ψ\psi é diferenciável no ponto ϕ(x)\phi(x) então a função composta ψϕ\psi\circ\phi é diferenciável no ponto xx e sua diferencial é dada por:

d(ψϕ)(x)=dψ(ϕ(x))dϕ(x).\mathrm{d}(\psi\circ\phi)(x)=\mathrm{d}\psi\big{(}\phi(x)\big{)}\circ\mathrm{d% }\phi(x).

Segue diretamente da definição de diferenciabilidade que toda aplicação linear T:mnT:\mathds{R}^{m}\to\mathds{R}^{n} é diferenciável em m\mathds{R}^{m} e dT(x)=T\mathrm{d}T(x)=T, para todo xmx\in\mathds{R}^{m}. Dessa observação e da regra da cadeia obtemos:

3.4.2 Corolário.

Seja ϕ:Un\phi:U\to\mathds{R}^{n} uma função definida num aberto UmU\subset\mathds{R}^{m}, diferenciável num ponto xUx\in U. Se T:npT:\mathds{R}^{n}\to\mathds{R}^{p} é uma aplicação linear então TϕT\circ\phi é diferenciável no ponto xx e sua diferencial é dada por:

d(Tϕ)(x)=Tdϕ(x).\mathrm{d}(T\circ\phi)(x)=T\circ\mathrm{d}\phi(x).

Para o teorema a seguir, o leitor deve recordar a Notação 3.1.1 e a Observação 3.1.7, onde definimos a norma de uma aplicação linear.

3.4.3 Teorema (desigualdade do valor médio).

Seja ϕ:Un\phi:U\to\mathds{R}^{n} uma função definida num aberto UmU\subset\mathds{R}^{m} e sejam fixados dois pontos x,yUx,y\in U. Suponha que a função ϕ\phi é contínua em todos os pontos do segmento de reta fechado:

[x,y]={x+θ(yx):0θ1}[x,y]=\big{\{}x+\theta(y-x):0\leq\theta\leq 1\big{\}}

e é diferenciável em todos os pontos do segmento de reta aberto:

]x,y[={x+θ(yx):0<θ<1}.\left]x,y\right[=\big{\{}x+\theta(y-x):0<\theta<1\big{\}}.

Então existe θ]0,1[\theta\in\left]0,1\right[ tal que vale a desigualdade:

ϕ(y)ϕ(x)dϕ(x+θ(yx))yx.\|\phi(y)-\phi(x)\|_{\infty}\leq\big{\|}\mathrm{d}\phi\big{(}x+\theta(y-x)\big% {)}\big{\|}\|y-x\|_{\infty}.

Recorde que um subconjunto XX de n\mathds{R}^{n} é dito convexo se para todos x,yXx,y\in X o segmento de reta [x,y][x,y] está contido em XX.

3.4.4 Corolário.

Sejam ϕ:Un\phi:U\to\mathds{R}^{n} uma função definida num aberto UmU\subset\mathds{R}^{m} e suponha que ϕ\phi é diferenciável em todos os pontos de um subconjunto convexo XX de UU. Se existe k0k\geq 0 tal que dϕ(x)k\|\mathrm{d}\phi(x)\|\leq k, para todo xXx\in X então a função ϕ|X\phi|_{X} é Lipschitziana com constante de Lipschitz kk.∎

3.4.5 Corolário.

Uma função ϕ:Un\phi:U\to\mathds{R}^{n} de classe C1C^{1} num aberto UmU\subset\mathds{R}^{m} é localmente Lipschitziana.

Demonstração.

Segue do Corolário 3.4.4, observando que a função xdϕ(x)x\mapsto\|\mathrm{d}\phi(x)\| é contínua e portanto limitada numa bola suficientemente pequena centrada num ponto dado xUx\in U. ∎

3.4.6 Definição.

Se UU, VnV\subset\mathds{R}^{n} são abertos então um difeomorfismo de UU para VV é uma bijeção diferenciável ϕ:UV\phi:U\to V cuja inversa ϕ1:VU\phi^{-1}:V\to U também é diferenciável. Dizemos que ϕ:UV\phi:U\to V é um difeomorfismo C1C^{1} se ϕ\phi é bijetora e se ϕ\phi e ϕ1\phi^{-1} são ambas de classe C1C^{1}.

Se ϕ:UV\phi:U\to V é um difeomorfismo então segue da regra da cadeia que para todo xUx\in U a diferencial dϕ(x):nn\mathrm{d}\phi(x):\mathds{R}^{n}\to\mathds{R}^{n} é um isomorfismo de n\mathds{R}^{n} cujo inverso é dado por:

(dϕ(x))1=d(ϕ1)(ϕ(x)).\big{(}\mathrm{d}\phi(x)\big{)}^{-1}=\mathrm{d}(\phi^{-1})\big{(}\phi(x)\big{)}. (3.4.2)

Temos a seguinte recíproca para essa afirmação:

3.4.7 Teorema (da função inversa).

Seja ϕ:Un\phi:U\to\mathds{R}^{n} uma função de classe C1C^{1} definida num aberto UnU\subset\mathds{R}^{n}. Se xUx\in U é tal que a diferencial dϕ(x)\mathrm{d}\phi(x) é um isomorfismo de n\mathds{R}^{n} então existe uma vizinhança aberta U0U_{0} de xx contida em UU tal que ϕ(U0)\phi(U_{0}) é aberto em n\mathds{R}^{n} e ϕ|U0:U0ϕ(U0)\phi|_{U_{0}}:U_{0}\to\phi(U_{0}) é um difeomorfismo C1C^{1}. Além do mais, se dϕ(x)\mathrm{d}\phi(x) é um isomorfismo de n\mathds{R}^{n} para todo xUx\in U então:

  • ϕ\phi é uma aplicação aberta, i.e., ϕ\phi leva subconjuntos abertos de UU em subconjuntos abertos de n\mathds{R}^{n};

  • se U0U_{0} é um aberto qualquer contido em UU tal que ϕ|U0\phi|_{U_{0}} é injetora então ϕ|U0:U0ϕ(U0)\phi|_{U_{0}}:U_{0}\to\phi(U_{0}) é um difeomorfismo C1C^{1}.