3.3. O Teorema de Mudança de Variáveis
Nesta seção nós provaremos o Teorema de Mudança de Variáveis para integais de Lebesgue em . Para um entendimento completo do conteúdo desta seção serão necessários alguns conhecimentos básicos de Cálculo no , sobre os quais fazemos uma rápida revisão na Seção 3.4.
O enunciado do teorema é o seguinte:
3.3.1 Teorema (mudança de variáveis).
Seja uma aplicação injetora de classe definida num subconjunto aberto de ; suponha que a diferencial é um isomorfismo de , para todo . Dados um conjunto mensurável contido em e uma função mensurável então:
-
•
o conjunto é mensurável;
-
•
a função:
(3.3.1)é mensurável;
-
•
a função é quase integrável se e somente se a função (3.3.1) é quase integrável e, nesse caso, vale a igualdade:
(3.3.2)
Note que, pelo Teorema da Função Inversa (Teorema 3.4.7), as hipóteses sobre no enunciado do Teorema 3.3.1 são equivalentes à condição de que seja aberto em e que seja um difeomorfismo . Note também que a mensurabilidade de é garantida pela Proposição 3.1.12, já que é uma função localmente Lipschitziana (veja Corolário 3.4.5).
Para demonstrar o Teorema 3.3.1, precisamos de alguns lemas preparatórios.
3.3.2 Lema.
Seja uma função de classe num aberto e suponha que a diferencial é um isomorfismo de , para todo . Então, para todo subconjunto mensurável de temos que é mensurável; em outras palavras, a função:
é mensurável.
Demonstração.
Pelo Teorema da Função Inversa (Teorema 3.4.7), cada possui uma vizinhança aberta contida em tal que é aberto em e é um difeomorfismo . Daí a função é localmente Lipschitziana (veja Corolário 3.4.5) e portanto, pela Proposição 3.1.12, o conjunto
é mensurável, para todo . A cobertura aberta possui uma subcobertura enumerável e portanto:
donde segue que é mensurável. ∎
3.3.3 Corolário.
Seja uma função de classe num aberto tal que a diferencial é um isomorfismo de , para todo . Dados um subconjunto de , um espaço mensurável e uma função mensurável então a função é mensurável.
Demonstração.
Basta observar que é igual à composta das funções mensuráveis:
3.3.4 Lema.
Seja uma função de classe num aberto e suponha que a diferencial é um isomorfismo de , para um certo . Então, para todo , existe uma vizinhança aberta de contida em tal que para todo conjunto mensurável contido em temos que é mensurável e vale a desigualdade:
Demonstração.
Em primeiro lugar, observe que a mensurabilidade de segue da Proposição 3.1.12, já que é localmente Lipschitziana (veja Corolário 3.4.5). Seja tal que:
Denote por a diferencial de no ponto . Como é igual à aplicação identidade e como a função é contínua, segue que:
para todo em uma vizinhança suficientemente pequena de . Usando também a continuidade da função , vemos que:
para todo em uma vizinhança suficientemente pequena de . Seja uma bola aberta centrada em contida em tal que (3.3.4) e (3.3.5) valem para todo . Seja um subconjunto mensurável de e provemos (3.3.3). Usando o Teorema 3.2.1, obtemos:
Para todo , segue da regra da cadeia (veja Corolário 3.4.2) que:
e portanto, pela desigualdade do valor médio (veja Corolário 3.4.4), a função é Lipschitziana com constante de Lipschitz . Usando a Proposição 3.1.5, obtemos:
De (3.3.5), obtemos:
De (3.3.6), (3.3.7) e (3.3.8), vem:
3.3.5 Lema.
Seja uma função de classe num aberto e suponha que a diferencial é um isomorfismo de , para todo . Então, dado um conjunto mensurável contido em , temos que é mensurável e vale a desigualdade:
Demonstração.
Seja dado . Pelo Lema 3.3.4, todo ponto possui uma vizinhança aberta contida em com a seguinte propriedade: se é um conjunto mensurável contido em então é mensurável e vale a desigualdade (3.3.3). Da cobertura aberta , podemos extrair uma subcobertura enumerável . Para cada , definimos:
de modo que , cada é mensurável (não necessariamente aberto), e os conjuntos são dois a dois disjuntos. Agora, dado um conjunto mensurável arbitrário contido em , temos:
Como é um subconjunto mensurável de , segue que é mensurável e vale a desigualdade:
Vemos então que é mensurável e além disso:
onde na última igualdade usamos o resultado do Exercício 2.14. A conclusão final é obtida agora fazendo . ∎
3.3.6 Corolário.
Seja uma função de classe num aberto e suponha que a diferencial é um isomorfismo de , para todo . Então, dado um conjunto mensurável contido em e uma função mensurável temos que é mensurável, a função (3.3.1) é mensurável e vale a desigualdade:
Demonstração.
Note que a mensurabilidade da função (3.3.1) segue do Corolário 3.3.3. Para provar a desigualdade (3.3.9), suponhamos inicialmente que é simples e mensurável. Então podemos escrever:
onde e é um subconjunto mensurável de , para todo . Seja , de modo que é mensurável (veja Lema 3.3.2) e . Segue do Lema 3.3.5 que:
para e portanto:
Demonstramos então a desigualdade (3.3.9) no caso em que é simples e mensurável. Seja agora uma função mensurável arbitrária. Temos que existe uma seqüência de funções simples e mensuráveis tal que ; daí:
para todo . A desigualdade (3.3.9) é obtida agora fazendo e usando o Teorema da Convergência Monotônica. ∎
Prova do Teorema 3.3.1.
Começamos supondo que é não negativa. A mensurabilidade de e da função (3.3.1) já foram estabelecidas no Corolário 3.3.6. Já temos também a desigualdade (3.3.9). A desigualdade oposta segue da aplicação do próprio Corolário 3.3.6 num contexto diferente. Recorde que, pelo Teorema da Função Inversa (Teorema 3.4.7), é um aberto de e é um difeomorfismo ; aplicamos então o Corolário 3.3.6 ao difeomorfismo inverso , à função definida por:
e ao conjunto mensurável . Obtemos a desigualdade:
Temos (veja (3.4.2)):
onde . Daí (3.3.10) nos dá:
provando (3.3.2). Finalmente, se é uma função mensurável arbitrária então:
(3.3.11) | |||
(3.3.12) |
a conclusão segue subtraindo (3.3.12) de (3.3.11), tendo em mente que as funções:
são respectivamente a parte positiva e a parte negativa da função (3.3.1). ∎