Capítulo 4 Fase Supercrítica: Unicidade do Aglomerado Infinito
A ergodicidade da medida produto tem como conseqüência que, quase certamente, existe um aglomerado infinito quando .
De fato, o evento de que existe um aglomerado infinito () é invariante por translação e portanto trivial sob . (O que decorre também deste evento ser caudal e da Lei 0-1 de Kolmogorov.)
Neste capítulo, a ergodicidade será explorada para estabelecer um dos aspectos mais interessantes desta fase, o fato de que o aglomerado infinito é único (quase certamente).
Vamos definir por a variável aleatória que conta o número de aglomerados infinitos distintos de uma configuração de . é invariante por translação (pois translações das configurações de não alteram o número de aglomerados infinitos delas) e as medidas são ergódicas, por serem produto. Portanto, por uma conhecida lei 0-1, é constante quase certamente. Em princípio, pode assumir qualquer valor inteiro, desde até . O resultado principal deste capítulo exclui .
Teorema 4.1
Qualquer que seja ,
ou
O Teorema 4.1 é provado por meio das seguintes proposições, devidas respectivamente a Newman e Schulman [15] e Aizenman, Kesten e Newman [6]. A primeira, exclui . A segunda exclui . (Infelizmente, não se pode incluir na primeira ou na segunda.)
Proposição 4.1
Qualquer que seja ,
ou
ou
Prova
Seja a constante tal que . Suponha que . Vamos mostrar que disto se segue que , o que implica pela trivialidade de que .
De fato, denotando por o cubo de lado centrado na origem., considere o evento
Note que depende da configuração de elos apenas da fronteira de para fora. Como ,
Seja tal que e considere o evento
Note que depende apenas dos elos interiores a e logo é independente de .
Finalmente, o evento de que contem . Concluimos da discussão acima que
Proposição 4.2
Qualquer que seja ,
Deste resultado apresentaremos uma prova diferente da original de Aizenman, Kesten e Newman, mais simples e geral, devida a Burton e Keane [16]. Ela se vale do argumento geométrico esboçado a seguir.
A ocorrência de três aglomerados infinitos disjuntos (e a ergodicidade de ) tem como conseqüência a existência de uma densidade de pontos triplos especiais, isto é, sítios ligados por elos disjuntos a três aglomerados infinitos, que seriam disjuntos ao se remover os elos incidentes àqueles sítios. Mas um lema sobre grafos (que será enunciado abaixo como exercício) mostra que dentro de um cubo podem existir um número de pontos triplos especiais apenas da ordem da área da fronteira do cubo. Da contradição segue o resultado da proposição.
Agora enunciamos o lema sobre grafos, em forma de exercício para o leitor.
Exercício
Seja G um grafo conexo com conjunto de sítios S e conjunto de elos E. Um sítio em S será chamado um ponto triplo para G se
-
i)
existirem apenas três elos de E tocando e
-
ii)
o grafo G{}, em que é removido de S e os três elos tocando em são removidos de E, tem exatamente três componentes conexos. (Denotaremos os conjuntos de sítios destes três componentes e os chamaremos de ramos. Veja Figura 4.1.)
a. Suponha que G seja um grafo conexo e que sejam pontos triplos distintos para G. Mostre que para algum i dois dos três ramos em , digamos e não contêm nenhum dos outros pontos triplos ().[Sugestão: indução em n]
b. Considere o grafo obtido de G e do item anterior removendo-se todos os sítios de e todos os elos tocando estes sítios. Mostre que são pontos triplos para .
c. Suponha que G seja um grafo conexo e que sejam pontos triplos distintos de G. Entre os 3n ramos,
mostre que se pode achar pelo menos n+2 ramos disjuntos.
Prova da Proposição 4.2
Suponha que . Vamos procurar uma contradição.
Seja o evento
Note que quando , logo existe tal que . Dados três pontos distintos no interior das faces de , seja o evento
Como , temos que
para algum . Dados estes , seja um ponto do interior de com a propriedade de que há três caminhos de elos disjuntos no interior 22 2 mais os elos com uma extremidade em ligando a respectivamente. Defina agora o evento
Logo
onde a igualdade segue da independência dos eventos (o primeiro depende apenas de elos exteriores a ; o segundo, apenas de elos interiores).
Vamos dizer agora que um ponto triplo (segundo a definição no exercício acima) é um ponto triplo especial se seus ramos são infinitos. Note que
De toda discussão acima, concluimos que, se , então
A probabilidade acima não depende de , pela invariância por translação de . Vamos denotá-la por . Segue-se que
logo
para todo (pois, para toda variável aleatória integrável X,
Por outro lado, é uma conseqüência do exercício acima que o número de pontos triplos especiais em é inferior a para toda configuração de e todo , o que contradiz (4.14) para suficientemente grande. Da contradição segue o resultado.
Vamos agora argumentar a afirmação no começo do parágrafo anterior. Cada ramo de cada ponto triplo especial (pte) toca um (ou mais) sítios em alguma face de ( é o total de sítios em ).
Considere os componentes conexos dos pte’s usando apenas elos no interior de . Digamos que cada componente contenha pte’s cada (isto é, o -ésimo componente contem pte’s). Logo
dá o total de pte’s em . Usando a linguagem do exercício acima, cada componente contem pontos triplos. Daquele resultado sabemos que podemos achar pelo menos ramos distintos dentre as possibilidades. Portanto, podemos achar
ramos distintos de todos os pontos triplos. Como cada um toca pelo menos um ponto das faces de , será necessário que
como queríamos mostrar.
A seguir, apresentamos alguns corolários do Teorema 4.1. Lembramos que é a função de conectividade dos sítios e , isto é,
Corolário 4.1
O resultado acima tem como conseqüência que, na fase supercrítica, a função de conectividade entre dois pontos não decai quando a distância entre eles cresce.
Prova
onde a primeira igualdade deve-se ao Teorema 4.1 e a última desigualdade é FKG.
Corolário 4.2
é contínua à esquerda em .
Prova
Vamos construir modelos de percolação para todo acoplados usando uma família de variáveis i.i.d. Uniformes em declarando um elo -aberto se (como na prova da monotonicidade de ). Seja o aglomerado da origem com elos -abertos.
Se então e
Queremos mostrar que a última probabilidade acima vale . Consideremos então
para . Para concluirmos que a última expressão é nula, basta argumentarmos que se e o aglomerado infinito -aberto for único, então para algum .
De fato, nestas condições, tome satisfazendo . Então, quase certamente existe um aglomerado infinito -aberto, , que precisa satisfazer (pois do contrário haveria dois aglomerados infinitos de elos -abertos!).
Logo, existe um caminho finito de elos -abertos ligando a origem a . Como é finito e cada elo nele tem , então
Se for tal que e , então e são -abertos. Portanto .
O resultado acima, junto com o seguinte (que não é corolário da unicidade do aglomerado infinito) nos diz que é contínua em .
Proposição 4.3
é contínua à direita.
Prova
Seja o evento de que a origem está ligada à fronteira de por um caminho aberto. é uma seqüência decrescente e
quando . é contínua em (pois é um polinômio) e, usando o modelo padrão do Capítulo 1, é fácil ver também que é crescente nesta variável. Logo, é o limite decrescente de funções contínuas crescentes. Um resultado de análise sobre funções semi-contínuas inferiores (ou um argumento direto) nos dá o resultado.
Observação 4.1
Como conseqüência dos dois últimos resultados, temos que será contínua em se e somente se .
Para o próximo corolário, vamos dizer que ocorre um cruzamento da esquerda para a direita no cubo se houver um caminho de elos abertos contidos em ligando a face esquerda de a sua face direita. Denotemos por o evento de que tal cruzamento ocorre. poderia ser visto como uma versão a volume finito do evento de que há percolação. É uma decorrência do decaimento exponencial do raio de na fase subcrítica que quando neste caso (verifique). O caso supercrítico será tratado no próximo resultado.
Corolário 4.3
Se , então
quando .
Veremos no próximo capítulo que em um evento similar a tem probabilidade que não converge nem para 0 nem para 1 quando .
Prova
Seja o evento de que algum sítio de está num aglomerado infinito. Dado , escolha grande o suficiente para que
(isto é possível pela discussão nos primeiros parágrafos do capítulo).
Temos que, para
onde são as faces de .
Logo
(4.23) | |||||
onde e a última desigualdade segue de FKG pelo fato de que os eventos na intersecção são decrescentes e também do fato que estes eventos têm a mesma probabilidade (vide prova do Lema 5.1 na página 5.1).
Sejam e as faces esquerda e direita de respectivamente. Por FKG e (4.24),
Seja agora o evento de que há 2 sítios em em 2 aglomerados abertos disjuntos, ambos tocando . Temos que e quando , onde é o evento de que há 2 aglomerados abertos infinitos disjuntos tocando .
Em conclusão
quando e portanto, de
que decorre de
temos
e o resultado segue de ser arbitrário.