Capítulo 6 Continuidade no Ponto Crítico: Renormalização

Neste último capítulo trataremos de forma pincelada de um método de ataque ao problema de se provar a continuidade de θ(p)\theta(p) em pcp_{c} em mais dimensões do que duas. Neste caso, não temos nem a auto-dualidade da rede hipercúbica nem conhecemos (ou esperamos algum dia conhecer) o valor exato de pcp_{c}. Ambos conhecimentos foram úteis em d=2d=2 (Capítulo 5).

A idéia será relacionar a ocorrência de percolação a um evento em volume finito, cuja probabilidade, sendo contínua (pois as probabilidades de todos tais eventos são polinômios em pp), nos permitirá concluir que, se há percolação para pp, então há também para pϵp-\epsilon com ϵ>0\epsilon>0 suficientemente pequeno.

O método é chamado de renormalização. A versão a ser esboçada, que chamaremos renormalização estática, não foi ainda realizada com rigor em modelos de percolação (uma prova para a Proposição 6.2 abaixo ainda não foi feita), mas técnicas de renormalização dinâmica muito similares foram aplicadas com sucesso para percolação em semi-espaços de d\mathbb{Z}^{d}, d3d\geq 3 [7]. O problema da continuidade no ponto crítico em d\mathbb{Z}^{d} inteiro permanece aberto para valores intermediários de dd entre 22 e d0d_{0}, este último o menor valor para o qual Hara e Slade [17] podem aplicar sua expansão em laços e obter a continuidade a partir daí, entre outros resultados (d0d_{0} estava em 19 segundo as últimas notícias, mas não se espera que possa vir abaixo de 7).

Para 0KL0\leq K\leq L, considere a partição de d\mathbb{Z}^{d} em cubos concêntricos de lado 2K2K e 2L2L como na figura abaixo e seja AK,LA_{K,L} o evento em que existe um caminho aberto dentro dos dois cubos grandes conectando a superfície dos dois cubos menores (vide Figura 6.1).

O evento
Figura 6.1: O evento AK,LA_{K,L}

Para garantir interconexão, precisamos intersectar AK,LA_{K,L} com outro evento

BK,L=BK,L1BK,L2,B_{K,L}=B_{K,L}^{1}\cap B_{K,L}^{2},

em que BK,LiB_{K,L}^{i}, i=1,2i=1,2, é o evento de que todos os sítios do cubo menor ii, que estiverem ligados por caminhos abertos à fronteira do cubo grande respectivo, estarão conectados entre si por caminhos abertos dentro do cubo grande.

Seja A~K,L=AK,LBK,L\tilde{A}_{K,L}=A_{K,L}\cap B_{K,L}.

Proposição 6.1

Seja RK,L=Pp(A~K,L).R_{K,L}=P_{p}(\tilde{A}_{K,L}). Existe λ(0,1)\lambda^{\ast}\in(0,1) tal que se (para algum 0KL0\leq K\leq L e 0<p<10<p<1) RK,L(p)>λR_{K,L}(p)>\lambda^{\ast}, então θ(p)>0\theta(p)>0.

Um argumento para a validade deste resultado será esboçado adiante.

Proposição 6.2 (Conjectura)

Se, para algum p(0,1)p^{\prime}\in(0,1), θ(p)>0\theta(p^{\prime})>0, então

supKlim infLPp(AK,L)=1.\sup_{K}\liminf_{L\to\infty}P_{p^{\prime}}(A_{K,L})=1. (6.1)
Teorema 6.1

Se a Proposição 6.2 conjecturada for verdadeira, então

θ(pc)=0.\theta(p_{c})=0.

Prova do teorema.

Primeiro mostraremos que a Proposição 6.2 conjecturada implica que se θ(p)>0\theta(p^{\prime})>0, então

supKlim infLRK,L(p)=1\sup_{K}\liminf_{L\to\infty}R_{K,L}(p^{\prime})=1 (6.2)

(portanto RK,L(p)>λR_{K,L}(p^{\prime})>\lambda^{\ast} para algum KK e LL).

De fato, para cada KK fixo,

limLPp(BK,Li)=1\lim_{L\to\infty}P_{p^{\prime}}(B_{K,L}^{i})=1

para i=1,2i=1,2, pois de outra forma haveria probabilidade positiva de que 2 sítios do cubo menor estivessem em aglomerados infinitos disjuntos. Logo

limLPp(BK,L)=1\lim_{L\to\infty}P_{p^{\prime}}(B_{K,L})=1

do que se conclui que

limLPp(A~K,L)=limLPp(AK,L)=1.\lim_{L\to\infty}P_{p^{\prime}}(\tilde{A}_{K,L})=\lim_{L\to\infty}P_{p^{\prime% }}(A_{K,L})=1.

Agora suponha que, para algum pp^{\prime}, θ(p)>0\theta(p^{\prime})>0. Pelo argumento acima podemos escolher K0K_{0} e L0L_{0} tais que RK0,L0(p)>λR_{K_{0},L_{0}}(p^{\prime})>\lambda^{\ast}. Mas RK0,L0(p)R_{K_{0},L_{0}}(p) é um polinômio em pp. Logo

RK0,L0(pϵ)>λR_{K_{0},L_{0}}(p^{\prime}-\epsilon)>\lambda^{\ast}

para algum ϵ\epsilon positivo. Pela Proposição 6.1

θ(pϵ)>0.\theta(p^{\prime}-\epsilon)>0.

Temos portanto que θ(p)>0\theta(p^{\prime})>0 implica que θ(pϵ)>0\theta(p^{\prime}-\epsilon)>0 para algum ϵ>0\epsilon>0. Logo θ(pc)\theta(p_{c}) não pode ser positivo, pois isto implicaria em θ(p)\theta(p) positivo para algum p<pcp<p_{c}, o que contradiz a definição de pcp_{c}. \quad\triangle

(Esboço de) Prova da Proposição 6.1 (em d=3d=3).

Considere uma rede renormalizada isomórfica a 2\mathbb{Z}^{2} na qual cada sítio corresponde a um cubo 2L×2L×2L2L\times 2L\times 2L em 3\mathbb{Z}^{3}, como na Figura 6.2. Declare um elo renormalizado aberto se A~K,L(e)\tilde{A}_{K,L}(e) ocorrer.

Parte da rede
Figura 6.2: Parte da rede 2\mathbb{Z}^{2} renormalizada.

Teremos então um modelo de percolação dependente na rede renormalizada com uma medida de probabilidade P~p\tilde{P}_{p} tal que

P~p(e está aberto)=RK,L.\tilde{P}_{p}(\mbox{$e$ está aberto})=R_{K,L}.

Precisamos mostrar que existe λ(0,1)\lambda^{\ast}\in(0,1) tal que se RK,LR_{K,L} for maior do que λ\lambda^{\ast}, então percolação dependente ocorre na rede renormalizada. Se isto ocorrer, obviamente percolação independente ocorrerá na rede original.

A prova de que percolação dependente ocorre em 2\mathbb{Z}^{2} renormalizada pode ser feita pelo mesmo argumento de Peierls na prova da Proposição 1.2.2 (a partir dos circuitos nos elos duais de 2\mathbb{Z}^{2}) com a única pequena modificação de que a medida nos elos não é mais independente, mas apenas localmente dependente. Deixamos os detalhes para o leitor. \quad\triangle