1.2 Primeiros Resultados
Em auxílio à prova do Teorema 1.1.1, vamos discutir propriedades de monotonicidade da função . Para isto, construiremos um modelo probabilístico em que os modelos de percolação com os diversos valores de possíveis estão acoplados. Esta construção, a que chamaremos de modelo padrão, será útil também em outros casos.
Seja uma família de v.a.’s i.i.d. com distribuição comum uniforme em . denotará a probabilidade neste modelo.
Um elo da rede será dito -aberto se
e -fechado caso contrário. Podemos então construir o modelo de percolação com parâmetro usando elos -abertos e -fechados deste modelo, da mesma forma como na seção anterior.
Lema 1.2.1
é não-decrescente em .
Prova
Seja o aglomerado da origem no modelo acima (com a conectividade através de elos -abertos). Temos que
Por outro lado,
quando , pois neste caso um elo -aberto está necessariamente -aberto. Concluimos que
Para o próximo resultado, monotonicidade na dimensão, notemos que podemos construir o modelo de percolação em dimensões num hiperplano -dimensional da rede -dimensional contendo a origem, declarando fechados os elos ligando o hiperplano ao restante do espaço e usando para os demais elos. Denotando por o aglomerado da origem neste modelo, temos claramente que e logo
Isto prova o seguinte.
Lema 1.2.2
é não-decrescente em .
Pelos dois lemas acima, torna-se suficiente, para provarmos o Teorema 1.1.1, mostrarmos os seguintes resultados.
Proposição 1.2.1
Para e suficientemente próximo de
Proposição 1.2.2
Para e suficientemente próximo de
Como veremos nas demonstrações destes resultados, abaixo, é suficiente no primeiro tomarmos e no segundo .
Prova da Proposição 1.2.1
É suficiente mostrar que para próximo de 0.
Podemos escrever
onde é a função indicadora, isto é,
e logo
Podemos reescrever a probabilidade acima como onde a união é sobre caminhos conectando a . Temos então de (1.2.1) e a subaditividade que
onde a segunda soma é sobre os caminhos conectando a . A dupla soma pode ser então reordenada em
onde a segunda soma é sobre os caminhos partindo da origem e de comprimento (isto é, caminhos em que ). A probabilidade acima vale independentemente de . Portanto temos que
onde denota o número de caminhos partindo da origem e de comprimento .
Um argumento combinatório simples revela que, para ,
De fato, o primeiro passo do caminho tem possíveis sítios de destino, enquanto que a partir do segundo até o final, cada passo tem no máximo possíveis sítios de destino (devido à ausência de loops). Temos
e para a série ser convergente, basta termos
Prova da Proposição 1.2.2 Consideremos a rede bidimensional dual de ,
é um deslocamento de por unidade em cada direção coordenada. Volumes finitos superpostos de e são ilustrados abaixo, o de em linhas cheias, linhas tracejadas para .
Notemos que há uma relação 1 a 1 entre os sítios e elos de e aqueles de . Seja a relação (1 a 1) entre elos de e que associa a cada elo da primeira rede o elo secante da rede dual, como na figura a seguir.
Definiremos um modelo de percolação em induzido pelo modelo em declarando aberto ou fechado conforme esteja aberto ou fechado, respectivamente.
No que se segue, um circuito será um caminho tal que , isto é, um caminho que se fecha sobre si mesmo.
A ocorrência de um aglomerado da origem finito em está associada à existência de um circuito fechado (isto é, um circuito de elos fechados) na rede dual ao redor da origem. Isto se deve ao fato de que se o aglomerado da origem for finito, os elos da fronteira do aglomerado (isto é, elos ligando sítios do aglomerado a sítios fora do aglomerado), obviamente fechados, estão sempre dispostos de tal forma que os elos correspondentes do dual formam um circuito, que será então fechado. A figura a seguir ilustra este fato geométrico elementar, bastante intuitivo (o aglomerado da origem aparece em linhas cheias, sua fronteira em linhas pontilhadas e o circuito no dual em linhas tracejadas) e, como a prova é longa e tediosa (vide [10] página 386 e a Proposição 5.1 na página 5.1 destas notas), não a apresentaremos neste texto.
Seguimos com a demonstração da Proposição 1.2.2.
Vamos mostrar que a probabilidade de o aglomerado da origem ser finito é estritamente menor do que 1 para suficientemente próximo de 1. Para isto, em vista do fato geométrico acima, bastará argumentar que a probabilidade de haver algum circuito fechado na rede dual ao redor da origem é estritamente menor do que 1 para suficientemente próximo de 1. O argumento é semelhante ao argumento de Peierls para demonstrar a ocorrência de magnetização no modelo de Ising.
onde a soma é sobre todos os circuitos ao redor da origem. Ela pode ser reordenada da seguinte maneira
onde a segunda soma é sobre circuitos ao redor da origem de comprimento .
Está claro que a probabilidade no interior das somas depende apenas de e vale . Portanto, a expressão acima fica
onde denota o número de circuitos na rede dual ao redor da origem de comprimento .
O seguinte argumento produz uma cota superior útil para . Qualquer circuito de comprimento da rede dual ao redor da origem deve cruzar um elo da rede original da forma , para algum . A partir deste elo secante, cada um dos elos subseqüentes pode ser colocado de no máximo maneiras diferentes. Por isto
Substituindo na soma acima, temos
que é uma função contínua e decrescente em quando , anulando-se quando . Segue-se que existe tal que a expressão acima é estritamente menor do que 1 para .
Uma melhoria do argumento acima que mostra que a probabilidade de o aglomerado da origem ser infinito () é estritamente positiva para é o seguinte.
Denotemos por o quadrado centrado na origem e de lado . Seja o evento que todos os elos de estejam abertos e o evento de haver um circuito fechado na rede dual completamente fora de .
Repetindo o argumento da demonstração acima, temos
Dado , esta expressão pode ser tornada estritamente menor do que 1 escolhendo-se suficientemente grande, digamos . Portanto
Agora, na intersecção dos eventos e , o aglomerado da origem é infinito. Além disso, e são independentes, pois dependem de conjuntos disjuntos de elos. Logo, de (1.2.3) concluimos que
pois (ainda que próximo de 0). O argumento está completo.
A probabilidade crítica depende da dimensão e podemos denotá-la . As proposições acima mostram que
Kesten [11] mostrou que
para dimensões grandes.
O Teorema 1.1.1 não diz nada sobre o que acontece em . Como veremos no Capítulo 4, é uma função contínua, exceto possivelmente em . Se , então será contínua e seu gráfico se parecerá com o da figura à esquerda a seguir. Caso contrário, o gráfico será mais parecido com o da figura à direita.
Qual caso vale é uma questão em aberto para genérico, mas se acredita que seja contínua. Isto está de fato provado em 2 dimensões e em dimensões grandes. Veremos o caso bidimensional no Capítulo 5 e discutiremos um método de ataque ao problema em mais dimensões no Capítulo 6.