1.1 O Modelo

Considere a rede hipercúbica em dd dimensões (d,𝔼d\mathbb{Z}^{d},\mathbb{E}^{d}) (denotada por um abuso de linguagem costumeiro por d\mathbb{Z}^{d}), onde d\mathbb{Z}^{d} é o conjunto de sítios da rede e 𝔼d={(x,y)d×d:xy1=1}\mathbb{E}^{d}=\{(x,y)\in\mathbb{Z}^{d}\times\mathbb{Z}^{d}:||x-y||_{1}=1\} é o seu conjunto de elos (vizinhos mais próximos).

A cada elo de 𝔼d\mathbb{E}^{d} será atribuido aleatoriamente o status aberto ou fechado da seguinte maneira. Seja 𝒳:={Xe,e𝔼d}{\cal X}:=\{X_{e},e\in\mathbb{E}^{d}\} uma família de variáveis aleatórias (v.a.’s) independentes e identicamente distribuidas (i.i.d.) com distribuição comum de Bernoulli com parâmetro pp, isto é,

Pp(Xe=1)=1Pp(Xe=0)=pP_{p}(X_{e}=1)=1-P_{p}(X_{e}=0)=p

para todo e𝔼de\in\mathbb{E}^{d}, onde pp é um número real entre 0 e 11 e PpP_{p} é a probabilidade associada a 𝒳{\cal X} (algumas vezes denotada Pp,dP_{p,d}). A esperança com respeito a esta probabilidade será denotado por EpE_{p}.

Mais formalmente, o espaço amostral do modelo será dado por Ω={0,1}𝔼d\Omega=\{0,1\}^{\mathbb{E}^{d}}. A σ\sigma-álgebra é a usual, denotada por {\cal E}, gerada pelos eventos cilíndricos, isto é, aqueles que dependem de elos em subconjuntos finitos de 𝔼d\mathbb{E}^{d} apenas. A probabilidade PpP_{p} é a probabilidade produto em Ω\Omega atribuindo peso pp a 11’s e 1p1-p a 0’s. XeX_{e} é a projeção na coordenada ee, isto é,

Xe(ω)=ωeX_{e}(\omega)=\omega_{e}

para todo ωΩ\omega\in\Omega.

Xe=1X_{e}=1 indica que o elo ee está aberto e Xe=0X_{e}=0 indica que ee está fechado.

Um conjunto de elos de 𝔼d\mathbb{E}^{d}, {e1,e2,,en},n1\{e_{1},e_{2},\ldots,e_{n}\},\,n\geq 1, onde ei=(xi,yi)e_{i}=(x_{i},y_{i}), i=1,2,,ni=1,2,\ldots,n, será dito um caminho se x1,x2,,xnx_{1},x_{2},\ldots,x_{n} forem distintos e yi=xi+1y_{i}=x_{i+1}, i=1,2,,n1i=1,2,\ldots,n-1 (não há loops). Um caminho será dito aberto se todos os seus elos estiverem abertos (isto é, se Xei=1X_{e_{i}}=1, i=1,2,,ni=1,2,\ldots,n). Diremos que dois sítios da rede, xx e yy, estão conectados (notação: xyx\leftrightarrow y) se existir um caminho aberto {e1,e2,,en}\{e_{1},e_{2},\ldots,e_{n}\} com x1=xx_{1}=x e yn=yy_{n}=y. Vê-se que a conectividade é uma relação de equivalência e às classes de equivalência em que se dividem os sítios chamaremos aglomerados (ou a expressão em inglês clusters). Denotaremos por CxC_{x} o aglomerado do sítio xx e por CC o aglomerado da origem, objeto básico de nosso estudo.

Estaremos interessados inicialmente em |C||C|, o volume (ou cardinalidade) do aglomerado da origem, mais precisamente em sua distribuição (que, note-se, é a mesma que a de |Cx||C_{x}| para todo sítio xx, pela invariância por translação de PpP_{p}). Especificamente, queremos saber se aglomerados infinitos podem ocorrer (com probabilidade positiva).

Em dimensão 1, o problema é trivial, pois, denotando por CC_{-} e C+C_{+} os sítios de CC à esquerda e à direita da origem, respectivamente, temos que |C||C_{-}| e |C+||C_{+}| são v.a.’s i.i.d. com Pp(|C+|k)=pkP_{p}(|C_{+}|\geq k)=p^{k}. Logo, não há aglomerados infinitos quase-certamente em dimensão 1 se p<1p<1. Restringiremo-nos pois a d2d\geq 2.

|C||C| é uma v.a. que pode assumir os valores 1,2,,1,2,\ldots,\infty. Uma quantidade de interesse será

θ(p):=Pp(|C|=).\theta(p):=P_{p}(|C|=\infty).

Podemos então escrever

θ(p)=1k=1Pp(|C|=k).\theta(p)=1-\sum_{k=1}^{\infty}P_{p}(|C|=k).

Expressões para Pp(|C|=k)P_{p}(|C|=k) são relativamente simples de calcular para kk pequeno, mas se tornam combinatorialmente crescentemente complicadas para kk crescente e não há uma forma explícita para kk genérico. O estudo de θ(p)\theta(p) deve seguir uma outra abordagem.

Na próxima seção, provaremos o resultado principal deste capítulo, o primeiro não-trivial da teoria, aquele que estabelece a existência de transição de fase no modelo de percolação em 2 ou mais dimensões, como enunciado em seguida.

Teorema 1.1.1

Para d2d\geq 2, existe um valor crítico do parâmetro pp, denominado pcp_{c}, no intervalo aberto (0,1)(0,1) tal que

θ(p)=0,sep<pc\displaystyle\theta(p)=0,\quad\mbox{se}\quad p<p_{c}
θ(p)>0,sep>pc.\displaystyle\theta(p)>0,\quad\mbox{se}\quad p>p_{c}.

Resultados subseqüentes, de que nos ocuparemos em capítulos seguintes, procuram caracterizar as diversas fases do modelo: a fase subcrítica (p<pcp<p_{c}), a fase supercrítica (p>pcp>p_{c}) e a fase crítica (p=pcp=p_{c}).