4.1 Esperança condicional
Como já foi dito anteriormente, a estrutura de -álgebra tem um papel muito importante em probabilidade. Durante o curso de Teoria da Medida, muitas vezes o conceito de -álgebra parece uma tecnicalidade que simplesmente dificulta nosso acesso ao conteúdo realmente interessante do curso. Em alguns momentos, chegamos a desejar que tudo fosse mensurável e não tivéssemos que nos preocupar com tais formalidades.
Contudo, no estudo que iniciaremos agora, nos restringiremos a -álgebras menores de maneira proposital. Ficará claro em particular, que o estudo de mensurabilidade não é uma mera tecnicalidade, mas sim uma ferramenta importante.
Esse interesse, vem da necessidade de representar situações de “informação incompleta”, onde podemos apenas observar uma parte da realidade. Isso certamente é de suma importância em diversas aplicações, desde a estatística, física e computação até a teoria de jogos. Vamos começar com um exemplo simples.
Suponha que é dotado da -álgebra de Borel e denotamos por as coordenadas canônicas. Como podemos representar matematicamente a afirmação “uma pessoa somente conhece o valor de e não de ”? Digamos por exemplo que essa pessoa deverá tomar uma decisão (por exemplo escolher um elemento de ) baseando-se apenas nessa informação incompleta. A maneira que modelamos isso matemáticamente é dizendo que a decisão da pessoa deve ser uma função mensurável com respeito a .
Nossa primeira utilização desse conceito será feita agora ao introduzirmos a noção de esperaça condicional, que generaliza o conceito de esperança. Relembrando o cálculo (3.22), nós podemos pensar em como uma boa maneira de aproximar por um número real. Isso por exemplo poderia ser útil se não temos nenhuma informação sobre o que ocorreu, mas ainda sim temos que tentar adivinhar o valor de . Mas vamos agora imaginar uma outra situação, onde temos um pouco de informação sobre o que ocorreu.
Voltando ao exemplo em que , digamos que nós podemos observar o valor de , mas gostaríamos de estimar o valor de . De acordo com o que discutimos acima, nossa estimativa agora não precisa mais ser apenas um número real, podendo ser qualquer função mensurável com respeito a .
Vamos no que segue tornar esse discussão rigorosa, mas antes lembramos um lema básico de Teoria da Medida.
Se são funções mensuráveis tais que
então -quase certamente.
Demonstração.
Aplicando a hipótese para , vemos que
mas no conjunto acima, o integrando é positivo. Portanto, , -quase certamente em . Aplicando o mesmo raciocínio para obtemos que quase certamente. ∎
O lema acima nos diz que se soubermos integrar em todos os eventos , então podemos recuperar a função propriamente dita. O que aconteceria se soubéssemos integrar apenas para eventos em uma sub--álgebra? É isso que estudaremos à partir de agora.
Seja uma variável aleatória e uma sub--álgebra . Dizemos que uma variável aleatória é a esperança condicional de com respeito a (ou a esperança condicional de dada ) se
-
a)
é -mensurável e
-
b)
para todo .
Nesse caso, escrevemos
Observe que faz sentido escrever , pois é uma variável aleatória.
Interpretamos informalmente a definição acima como “ é a melhor aproximação -mensurável de ”. Ou é a melhor aproximação que podermos fazer de se “conhecemos apenas ”.
Se , então (uma variável aleatória constante) é esperança condicional de dado , pois
-
a)
é -mensurável (por ser constante). Além disso
-
b)
e .
Uma propriedade muito importante que segue da Definição 4.1 é dada pela seguinte
Se satisfaz as e em Definição 4.1, então .
Demonstração.
Tomamos e que estão em e estimamos
O que mostra a proposição. ∎
Além caso trivial dado acima pelo Exemplo 4.1, quando podemos esperar que existam esperanças condicionais?
Dada e uma -álgebra, então existe a esperança condicional . Além disso ela é única -quase certamente.
Demonstração.
Vamos primeiro mostrar a unicidade quase certa. Para isso, supomos que existam e satisfazendo as condições da Definição 4.1 (logo em ). Iremos proceder como no Lema 4.1 acima, definindo , donde concluímos que
Mas como em , vemos que quase certamtente. A prova da unicidade pode ser completa trocando os papéis de e acima.
Vamos agora para a prova da existência. Como , podemos introduzir
que define uma medida com sinal em , com variação total finita.
Caso o leitor não se sinta familiarizado com o conceito de medida com sinal, poderá decompor em partes positiva e negativa e proceguir sem problemas.
Um passo importante da prova é observar que também define uma medida no espaço . Estamos portanto propositalmente restringindo nossa -álgebra. Como implica que , temos que e podemos aplicar o Teorema de Radon-Nikodim para obter uma derivada tal que
-
a)
é -mensurável e
-
b)
.
Agora é só observar que as afirmações acima correspondem às condições da Definição 4.1. ∎
Observe que a condição de -mensurabilidade é essencial para a unicidade. De fato, obviamente satisfaz a segunda condição da Definição 4.1, mas não necessariamente a primeira.
Mostre que se , então quase certamente.
Seja a probabilidade uniforme em . Calcule .