4.3. Funcionais Lineares e o Espaço Dual

Seja (E,)(E,\|\cdot\|) um espaço vetorial normado sobre 𝕂\mathds{K}. Por um funcional linear em EE nós entendemos uma aplicação linear α:E𝕂\alpha:E\to\mathds{K} cujo contra-domínio é o corpo de escalares 𝕂\mathds{K}. Um funcional linear α:E𝕂\alpha:E\to\mathds{K} é dito limitado quando a aplicação linear α:E𝕂\alpha:E\to\mathds{K} for limitada. O conjunto:

E={α:α é um funcional linear limitado em E}=Lin(E,𝕂)E^{*}=\big{\{}\alpha:\text{$\alpha$ é um funcional linear limitado em $E$}\big% {\}}=\mathrm{Lin}(E,\mathds{K})

é chamado o espaço dual de EE. Como caso particular da Definição 4.2.3, nós temos:

α=sup{|α(x)|:xE e x1}.\|\alpha\|=\sup\big{\{}|\alpha(x)|:\text{$x\in E$ e $\|x\|\leq 1$}\big{\}}.
4.3.1 Proposição.

Se (E,)(E,\|\cdot\|) é um espaço vetorial normado sobre 𝕂\mathds{K} então seu dual EE^{*} é um espaço de Banach.

Demonstração.

Segue da Proposição 4.2.5, já que o corpo de escalares 𝕂\mathds{K} é completo. ∎

Observamos que em álgebra linear normalmente define-se o dual (também chamado de dual algébrico) de um espaço vetorial EE como sendo o espaço de todos os funcionais lineares em EE. Por isso, o espaço dual que nós definimos acima é muitas vezes chamado o dual topológico de EE. Nós não teremos nenhum uso para a noção de dual algébrico e portanto usamos “dual” como sinônimo de “dual topológico”.

4.3.2 Exemplo.

Seja (E,,)(E,\langle\cdot,\cdot\rangle) um espaço pré-Hilbertiano sobre 𝕂\mathds{K}. Para todo vEv\in E, a aplicação:

αv:Exx,v𝕂\alpha_{v}:E\ni x\longmapsto\langle x,v\rangle\in\mathds{K}

é um funcional linear em EE. Segue da desigualdade de Cauchy–Schwarz (Lema 4.1.5) que:

|αv(x)|vx,\big{|}\alpha_{v}(x)\big{|}\leq\|v\|\|x\|,

donde vemos que αv\alpha_{v} é limitado e αvv\|\alpha_{v}\|\leq\|v\|. Afirmamos que:

αv=v,\|\alpha_{v}\|=\|v\|, (4.3.1)

para todo vEv\in E. De fato, se v=0v=0, essa igualdade é trivial; senão, tomamos w=vvw=\frac{v}{\|v\|}, de modo que w=1\|w\|=1 e:

αv|αv(w)|=v,vv=v,\|\alpha_{v}\|\geq\big{|}\alpha_{v}(w)\big{|}=\frac{\langle v,v\rangle}{\|v\|}% =\|v\|,

provando (4.3.1). É fácil ver que:

αv+w=αv+αw,αλv=λ¯αv,\alpha_{v+w}=\alpha_{v}+\alpha_{w},\quad\alpha_{\lambda v}=\bar{\lambda}\alpha% _{v},

para todos v,wEv,w\in E, λ𝕂\lambda\in\mathds{K}, donde segue que a aplicação:

EvαvEE\ni v\longmapsto\alpha_{v}\in E^{*} (4.3.2)

é linear para 𝕂=\mathds{K}=\mathds{R} e linear-conjugada para 𝕂=\mathds{K}=\mathds{C}. A igualdade (4.3.1) nos diz que a aplicação (4.3.2) é uma imersão isométrica linear para 𝕂=\mathds{K}=\mathds{R} e uma imersão isométrica linear-conjugada para 𝕂=\mathds{K}=\mathds{C}. A aplicação (4.3.2) é chamada a aplicação de Riesz do espaço pré-Hilbertiano EE.

Temos o seguinte:

4.3.3 Teorema (de representação de Riesz).

Seja (E,,)(E,\langle\cdot,\cdot\rangle) um espaço de Hilbert sobre 𝕂\mathds{K}. Então a aplicação de Riesz (4.3.2) é uma isometria linear para 𝕂=\mathds{K}=\mathds{R} e uma isometria linear-conjugada para 𝕂=\mathds{K}=\mathds{C}.

A demonstração do Teorema 4.3.3 usa o seguinte:

4.3.4 Lema.

Seja EE um espaço vetorial sobre 𝕂\mathds{K} e α:E𝕂\alpha:E\to\mathds{K} um funcional linear não nulo. Dado xEx\in E com α(x)0\alpha(x)\neq 0 então Ker(α){x}\mathrm{Ker}(\alpha)\cup\{x\} é um conjunto de geradores para EE.

Demonstração.

Seja yEy\in E; queremos encontrar λ𝕂\lambda\in\mathds{K} e nKer(α)n\in\mathrm{Ker}(\alpha) com y=n+λxy=n+\lambda x. Basta então encontrar λ𝕂\lambda\in\mathds{K} com yλxKer(α)y-\lambda x\in\mathrm{Ker}(\alpha); mas:

α(yλx)=α(y)λα(x),\alpha(y-\lambda x)=\alpha(y)-\lambda\alpha(x),

donde basta tomar λ=α(y)α(x)\lambda=\frac{\alpha(y)}{\alpha(x)}. ∎

4.3.5 Corolário.

Seja EE um espaço vetorial sobre 𝕂\mathds{K}. Dados funcionais lineares α:E𝕂\alpha:E\to\mathds{K}, β:E𝕂\beta:E\to\mathds{K}, se Ker(α)Ker(β)\mathrm{Ker}(\alpha)\subset\mathrm{Ker}(\beta) então existe λ𝕂\lambda\in\mathds{K} com β=λα\beta=\lambda\alpha.

Demonstração.

Se α=0\alpha=0 então Ker(α)=E=Ker(β)\mathrm{Ker}(\alpha)=E=\mathrm{Ker}(\beta), donde β=0\beta=0 e basta tomar λ=0\lambda=0. Se α0\alpha\neq 0, seja xEx\in E com α(x)0\alpha(x)\neq 0 e tome λ=β(x)α(x)\lambda=\frac{\beta(x)}{\alpha(x)}. Temos que os funcionais lineares β\beta e λα\lambda\alpha coincidem em Ker(α){x}\mathrm{Ker}(\alpha)\cup\{x\}; segue então do Lema 4.3.4 que β=λα\beta=\lambda\alpha. ∎

Demonstração do Teorema 4.3.3.

Seja (E,,)(E,\langle\cdot,\cdot\rangle) um espaço de Hilbert sobre 𝕂\mathds{K}. Já sabemos que a aplicação de Riesz (4.3.2) é uma imersão isométrica (linear para 𝕂=\mathds{K}=\mathds{R} e linear-conjugada para 𝕂=\mathds{K}=\mathds{C}), de modo que é suficiente demonstrar que ela é sobrejetora. Seja αE\alpha\in E^{*} um funcional linear limitado em EE. Devemos encontrar vEv\in E com α=αv\alpha=\alpha_{v}. Se α=0\alpha=0, basta tomar v=0v=0. Suponha então que α0\alpha\neq 0. Como α\alpha é contínuo, temos que Ker(α)=α1(0)\mathrm{Ker}(\alpha)=\alpha^{-1}(0) é um subespaço fechado de EE, de modo que E=Ker(α)(Ker(α))E=\mathrm{Ker}(\alpha)\oplus\big{(}\mathrm{Ker}(\alpha)\big{)}^{\perp}, pelo Corolário 4.1.15. Como α0\alpha\neq 0, temos Ker(α)E\mathrm{Ker}(\alpha)\neq E e portanto existe x(Ker(α))x\in\big{(}\mathrm{Ker}(\alpha)\big{)}^{\perp} com x0x\neq 0. Vemos então que o funcional linear αx\alpha_{x} é nulo em Ker(α)\mathrm{Ker}(\alpha) e portanto, pelo Corolário 4.3.5, existe λ𝕂\lambda\in\mathds{K} com αx=λα\alpha_{x}=\lambda\alpha. Como x0x\neq 0, temos que αx0\alpha_{x}\neq 0 e portanto λ0\lambda\neq 0. Concluímos então que:

α=λ1αx=αv,\alpha=\lambda^{-1}\alpha_{x}=\alpha_{v},

onde v=λ¯1xEv=\bar{\lambda}^{-1}x\in E. Isso completa a demonstração. ∎