4.4. Espaços
Seja um espaço de medida. Dados uma função mensurável e , nós definimos:
onde convencionamos que , para qualquer . Note que é uma função mensurável, já que a função:
é contínua e portanto Borel mensurável (veja Lema 2.1.15 e Corolário 2.1.17). Como a função é não negativa, segue que a integral em (4.4.1) sempre existe (sendo possivelmente igual a ). Note que, pelo resultado do Exercício 2.21, temos:
4.4.1 Notação.
Denotamos por o conjunto de todas as funções mensuráveis tais que , onde ou .
Temos o seguinte:
4.4.2 Lema.
Dados um espaço de medida e então é um subespaço do espaço vetorial (sobre ) de todas as funções .
Demonstração.
A função nula obviamente está em . Dados uma função mensurável e então a função é mensurável e:
donde:
Daí sempre que . Para mostrar que é fechado por somas, usamos a desigualdade:
válida para quaisquer números reais não negativos , . Para provar (4.4.4), seja , de modo que e ; temos:
Agora, dadas , então:
de modo que:
e portanto . ∎
Nosso próximo objetivo é estabelecer que é uma semi-norma no espaço vetorial .
4.4.3 Lema (desigualdade de Minkowski).
Seja um espaço de medida e sejam , funções mensuráveis. Dado , então:
4.4.4 Corolário.
Se é um espaço de medida e então é uma semi-norma em .
Demonstração.
A prova da desigualdade de Minkowski tem alguma similaridade com a prova da desigualdade triangular para a norma (4.1.4) associada a um produto interno. Na prova da desigualdade triangular para a norma (4.1.4), utilizamos a desigualdade de Cauchy–Schwarz. Para provar a desigualdade de Minkowski, vamos usar o seguinte:
4.4.5 Lema (desigualdade de Hölder).
Seja um espaço de medida e sejam , funções mensuráveis. Dados tais que então:
Supondo e então a igualdade ocorre em (4.4.6) se e somente se existe tal que:
Vamos por um momento assumir a desigualdade de Hölder e demonstrar a desigualdade de Minkowski.
Demonstração do Lema 4.4.3.
Se então:
Suponha agora que e seja , de modo que . Temos:
Usando a desigualdade de Hölder (Lema 4.4.5), obtemos:
daí:
e:
Se então (4.4.5) segue diretamente de (4.4.10). Se , a desigualdade (4.4.5) é trivial. Finalmente, se é igual a então o Lema 4.4.2 implica que ou , donde a desigualdade (4.4.5) segue. ∎
Passemos à prova da desigualdade de Hölder. Precisamos do seguinte:
4.4.6 Lema (desigualdade entre as médias).
Dados , números reais positivos , …, com e números reais não negativos , …, então:
A igualdade vale em (4.4.11) se e somente se .
Demonstração.
A prova deste lema usa algus fatos simples da teoria de funções convexas, que serão demonstrados na Seção 4.5. A função exponencial possui derivada segunda positiva e portanto é estritamente convexa (Corolário 4.5.14). Dados então números reais positivos , …, com e números reais , …, , temos (Proposição 4.5.16):
onde a igualdade vale se e somente se . Se todos os são positivos, a conclusão é obtida fazendo , . O caso em que algum é igual a zero é trivial, já que o lado esquerdo de (4.4.11) é zero e o lado direito de (4.4.11) é não negativo, sendo igual a zero se e somente se . ∎
4.4.7 Corolário.
Demonstração.
Use o Lema 4.4.6 com , , , e . ∎
Demonstração do Lema 4.4.5.
Se ou então q. s. ou q. s. (veja (4.4.2)) e , donde o resultado segue trivialmente. Suponhamos que e . Se ou então , donde também o resultado é trivial. Podemos supor então que as normas e são positivas e finitas. Sendo e ambas positivas, vemos que a existência de tal que (4.4.7) vale é equivalente à existência de tal que q. s.; integrando essa igualdade dos dois lados, vem:
donde a condição (4.4.7) é na verdade equivalente a:
Sejam:
A desigualdade de Hölder (4.4.6) é equivalente a:
A igualdade (4.4.3) nos dá:
Usando o Corolário 4.4.7, obtemos:
integrando, vem:
provando (4.4.14) (e também (4.4.6)). Temos que a igualdade em (4.4.6) é equivalente à igualdade em (4.4.14) que, por sua vez, é equivalente à afirmação que a desigualdade que aparece em (4.4.16) é uma igualdade; usando (4.4.15) e o resultado do Exercício 2.22, vemos então que a igualdade em (4.4.6) é equivalente a:
Pelo Corolário 4.4.7, (4.4.17) é equivalente a:
que, por sua vez, é equivalente a (4.4.13). Isso completa a demonstração. ∎
Em vista de (4.4.2), temos que não é em geral uma norma em . Para obtermos um espaço normado, consideramos um quociente de (veja Exercício 4.6). Considere o seguinte subespaço de :
Denotamos por o espaço quociente de por (4.4.18). Pelo resultado do Exercício 4.6, temos que a semi-norma em induz uma norma no espaço quociente , de modo que a norma de uma classe de equivalência é igual à semi-norma de um representante qualquer da classe. Denotaremos essa norma em também por . Dada uma função em então a classe de equivalência de em é precisamente o conjunto de todas as funções mensuráveis que são iguais a quase sempre. Nós em geral adotaremos o abuso de notação de denotar a classe de funções mensuráveis iguais a quase sempre também por ; assim, nós diremos “seja ”, onde denotará uma função (que é identificada com o elemento de que é a classe de funções mensuráveis iguais a quase sempre.
4.4.8 Proposição.
Se é um espaço de medida e então o espaço normado é completo e é portanto um espaço de Banach sobre .
A demonstração da Proposição 4.4.8 usa os dois seguintes lemas.
4.4.9 Lema.
Sejam um espaço de medida e . Seja uma seqüência de Cauchy em que converge pontualmente quase sempre para uma função mensurável . Então está em e converge para em .
Demonstração.
É suficiente mostrar que ; de fato, isso implica em particular que para suficientemente grande, donde segue que e portanto também está em . Seja dado . Como é uma seqüência de Cauchy em , existe tal que , para todos , isto é:
para todos . Fixando e usando o Lema de Fatou (Proposição 2.5.2) para a seqüência , obtemos:
para todo . Mas q. s. implica que:
e portanto:
para todo . Isso prova que , para todo e completa a demonstração. ∎
4.4.10 Lema.
Sejam um espaço de medida, e uma seqüência em . Se é de Cauchy em (resp., converge em para ) então é de Cauchy em medida (resp., converge para em medida).
Demonstração.
A tese segue facilmente da seguinte observação: dadas funções mensuráveis então para todo vale a desigualdade:
Para provar a observação, seja ; então:
Demonstração da Proposição 4.4.8.
Seja uma seqüência de Cauchy em . Pelo Lema 4.4.10, a seqüência também é de Cauchy em medida e portanto, pelo Lema 2.7.14, existe uma subseqüência de que converge pontualmente quase sempre para uma função mensurável . O Lema 4.4.9 nos diz então que está em e que converge para em . A conclusão segue da seguinte observação elementar: se uma seqüência de Cauchy num espaço métrico possui uma subseqüência convergente então a própria seqüência de Cauchy também é convergente (para o mesmo limite). ∎