2.1. Funções Mensuráveis

Recorde da Definição 1.4.42 que um espaço mensurável é um conjunto XX do qual destacamos uma certa coleção de subconjuntos 𝒜(X)\mathcal{A}\subset\wp(X) (mais precisamente, uma σ\sigma-álgebra de partes de XX) aos quais damos o nome de mensuráveis. A palavra “mensurável” nesse contexto não indica que os conjuntos possam ser medidos de alguma forma ou que estamos assumindo a existência de alguma medida não trivial definida em 𝒜\mathcal{A}. Um mesmo conjunto XX admite em geral diversas σ\sigma-álgebras; por exemplo, {∅︀,X}\{\emptyset,X\} e (X)\wp(X) são sempre exemplos (triviais) de σ\sigma-álgebras de partes de XX. Portanto, o termo “mensurável” só deve ser usado quando uma σ\sigma-álgebra específica estiver fixada pelo contexto. No conjunto n\mathds{R}^{n}, temos dois exemplos importantes de σ\sigma-álgebras; a σ\sigma-álgebra de Borel (n)\mathcal{B}(\mathds{R}^{n}) e a σ\sigma-álgebra (n)\mathcal{M}(\mathds{R}^{n}) de conjuntos Lebesgue mensuráveis. No que segue, precisaremos também introduzir uma σ\sigma-álgebra de Borel para a reta estendida ¯\overline{\mathds{R}}; temos a seguinte:

2.1.1 Definição.

Um subconjunto A¯A\subset\overline{\mathds{R}} é dito Boreleano quando AA\cap\mathds{R} for um Boreleano de \mathds{R}.

É fácil ver que os subconjuntos Boreleanos de ¯\overline{\mathds{R}} constituem de fato uma σ\sigma-álgebra de partes de ¯\overline{\mathds{R}}. Tal σ\sigma-álgebra será chamada a σ\sigma-álgebra de Borel de ¯\overline{\mathds{R}} e será denotada por (¯)\mathcal{B}(\overline{\mathds{R}}).

A σ\sigma-álgebra 𝒜\mathcal{A} de um espaço mensurável (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) pode ser entendida como uma estrutura que colocamos no conjunto subjacente XX (assim como, digamos, as operações de um espaço vetorial constituem uma estrutura no conjunto subjacente). Devemos então introduzir uma noção de função que preserva a estrutura de um espaço mensurável.

2.1.2 Definição.

Sejam (X,𝒜)(X,\mathcal{A}), (X,𝒜)(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}) espaços mensuráveis. Uma função mensurável f:(X,𝒜)(X,𝒜)f:(X,\mathcal{A})\to(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}) é uma função f:XXf:X\to X^{\prime} tal que para todo conjunto E𝒜E\in\mathcal{A}^{\prime} temos que f1(E)f^{-1}(E) pertence a 𝒜\mathcal{A}.

Em outras palavras, uma função é mensurável se a imagem inversa de conjuntos mensuráveis é mensurável. Quando as σ\sigma-álgebras em questão estiverem subentendidas pelo contexto, nos referiremos apenas à mensurabilidade da função f:XXf:X\to X^{\prime}, omitindo a menção explícita a 𝒜\mathcal{A} e 𝒜\mathcal{A}^{\prime}.

O conjunto n\mathds{R}^{n} aparecerá com muita freqüência como domínio ou contra-domínio de nossas funções e introduzimos abaixo uma convenção que evita a necessidade de especificar a σ\sigma-álgebra considerada em n\mathds{R}^{n} em cada situação.

2.1.3 Convenção.

A menos de menção explícita em contrário, o conjunto n\mathds{R}^{n} será considerado munido da σ\sigma-álgebra de Borel (n)\mathcal{B}(\mathds{R}^{n}) sempre que o mesmo aparecer no contra-domínio de uma função; mais explicitamente, se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) é um espaço mensurável então por uma função mensurável f:(X,𝒜)nf:(X,\mathcal{A})\to\mathds{R}^{n} entenderemos uma função f:Xnf:X\to\mathds{R}^{n} tal que f1(E)𝒜f^{-1}(E)\in\mathcal{A}, para todo Boreleano E(n)E\in\mathcal{B}(\mathds{R}^{n}). Similarmente, a reta estendida ¯\overline{\mathds{R}} será considerada munida da σ\sigma-álgebra de Borel (¯)\mathcal{B}(\overline{\mathds{R}}), sempre que a mesma aparecer no contra-domínio de uma função. Por outro lado, o conjunto n\mathds{R}^{n} será sempre considerado munido da σ\sigma-álgebra (n)\mathcal{M}(\mathds{R}^{n}) de conjuntos Lebesgue mensuráveis, quando o mesmo aparecer no domínio de uma função; mais explicitamente, uma função mensurável f:n(X,𝒜)f:\mathds{R}^{n}\to(X,\mathcal{A}) é uma função f:nXf:\mathds{R}^{n}\to X tal que f1(E)(n)f^{-1}(E)\in\mathcal{M}(\mathds{R}^{n}), para todo E𝒜E\in\mathcal{A}.

Por exemplo, em vista da convenção 2.1.3 acima, uma função mensurável f:f:\mathds{R}\to\mathds{R} é uma função tal que f1(E)()f^{-1}(E)\in\mathcal{M}(\mathds{R}), para todo E()E\in\mathcal{B}(\mathds{R}).

Nós dificilmente teremos qualquer interesse em considerar a σ\sigma-álgebra (n)\mathcal{M}(\mathds{R}^{n}) em n\mathds{R}^{n} quando o mesmo aparece no contra-domínio de uma função; por outro lado, em algumas situações é interessante considerar a σ\sigma-álgebra (n)\mathcal{B}(\mathds{R}^{n}) em n\mathds{R}^{n} quando o mesmo aparece no domínio de uma função (contrariando, portanto, a convenção 2.1.3). Introduzimos então a seguinte terminologia.

2.1.4 Definição.

Seja (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável. Uma função Borel mensurável f:n(X,𝒜)f:\mathds{R}^{n}\to(X,\mathcal{A}) é uma função f:nXf:\mathds{R}^{n}\to X tal que f:(n,(n))(X,𝒜)f:\big{(}\mathds{R}^{n},\mathcal{B}(\mathds{R}^{n})\big{)}\to(X,\mathcal{A}) é uma função mensurável, i.e., tal que f1(E)f^{-1}(E) é um Boreleano de n\mathds{R}^{n} para todo E𝒜E\in\mathcal{A}. Similarmente, uma função Borel mensurável f:¯(X,𝒜)f:\overline{\mathds{R}}\to(X,\mathcal{A}) é uma função f:¯Xf:\overline{\mathds{R}}\to X tal que f:(¯,(¯))(X,𝒜)f:\big{(}\overline{\mathds{R}},\mathcal{B}(\overline{\mathds{R}})\big{)}\to(X,% \mathcal{A}) é uma função mensurável.

Para verificar a mensurabilidade de uma função f:(X,𝒜)(X,𝒜)f:(X,\mathcal{A})\to(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}) não é necessário verificar que f1(E)𝒜f^{-1}(E)\in\mathcal{A} para todo E𝒜E\in\mathcal{A}^{\prime}, mas apenas para EE pertencente a um conjunto de geradores de 𝒜\mathcal{A}^{\prime}. Esse é o conteúdo do seguinte:

2.1.5 Lema.

Sejam (X,𝒜)(X,\mathcal{A}), (X,𝒜)(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}) espaços mensuráveis e seja 𝒞\mathcal{C} um conjunto de geradores para a σ\sigma-álgebra 𝒜\mathcal{A}^{\prime}. Uma função f:XXf:X\to X^{\prime} é mensurável se e somente se f1(E)𝒜f^{-1}(E)\in\mathcal{A}, para todo E𝒞E\in\mathcal{C}.

Demonstração.

Como 𝒞𝒜\mathcal{C}\subset\mathcal{A}^{\prime}, temos obviamente que f1(E)𝒜f^{-1}(E)\in\mathcal{A} para todo E𝒞E\in\mathcal{C}, caso ff seja mensurável. Suponha então que f1(E)𝒜f^{-1}(E)\in\mathcal{A} para todo E𝒞E\in\mathcal{C}. Verifica-se diretamente que a coleção:

{E(X):f1(E)𝒜}\big{\{}E\in\wp(X^{\prime}):f^{-1}(E)\in\mathcal{A}\big{\}} (2.1.1)

é uma σ\sigma-álgebra de partes de XX^{\prime}. Por hipótese, (2.1.1) contém 𝒞\mathcal{C} e portanto contém 𝒜=σ[𝒞]\mathcal{A}^{\prime}=\sigma[\mathcal{C}]. Isso mostra que f1(E)𝒜f^{-1}(E)\in\mathcal{A} para todo E𝒜E\in\mathcal{A}^{\prime}, i.e., ff é mensurável. ∎

2.1.6 Corolário.

Se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) é um espaço mensurável então uma função f:Xnf:X\to\mathds{R}^{n} é mensurável se e somente se f1(U)𝒜f^{-1}(U)\in\mathcal{A}, para todo aberto UnU\subset\mathds{R}^{n}.∎

2.1.7 Corolário.

Se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) é um espaço mensurável então uma função f:Xf:X\to\mathds{R} é mensurável se e somente se o conjunto:

f1(],c])={xX:f(x)c}f^{-1}\big{(}\left]-\infty,c\right]\big{)}=\big{\{}x\in X:f(x)\leq c\big{\}}

está em 𝒜\mathcal{A} para todo cc\in\mathds{R}.

Demonstração.

Segue do Lema 2.1.5, tendo em mente o resultado do Exercício 1.25. ∎

2.1.8 Corolário.

Se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) é um espaço mensurável então uma função f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} é mensurável se e somente se o conjunto:

f1([,c])={xX:f(x)c}f^{-1}\big{(}[-\infty,c]\big{)}=\big{\{}x\in X:f(x)\leq c\big{\}}

está em 𝒜\mathcal{A} para todo cc\in\mathds{R}.

Demonstração.

Segue do Lema 2.1.5, tendo em mente o resultado do Exercício 2.5. ∎

2.1.9 Lema.

A composta de duas funções mensuráveis é uma função mensurável, i.e., se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}), (X,𝒜)(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}), (X′′,𝒜′′)(X^{\prime\prime},\mathcal{A}^{\prime\prime}) são espaços mensuráveis e se f:(X,𝒜)(X,𝒜)f:(X,\mathcal{A})\to(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}), g:(X,𝒜)(X′′,𝒜′′)g:(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime})\to(X^{\prime\prime},\mathcal{A}^{\prime% \prime}) são funções mensuráveis então a função gf:(X,𝒜)(X′′,𝒜′′)g\circ f:(X,\mathcal{A})\to(X^{\prime\prime},\mathcal{A}^{\prime\prime}) também é mensurável.

Demonstração.

Dado E𝒜′′E\in\mathcal{A}^{\prime\prime} devemos verificar que (gf)1(E)𝒜(g\circ f)^{-1}(E)\in\mathcal{A}. Mas (gf)1(E)=f1(g1(E))(g\circ f)^{-1}(E)=f^{-1}\big{(}g^{-1}(E)\big{)}; temos g1(E)𝒜g^{-1}(E)\in\mathcal{A}^{\prime}, pois gg é mensurável, e f1(g1(E))𝒜f^{-1}\big{(}g^{-1}(E)\big{)}\in\mathcal{A}, pois ff é mensurável. ∎

É necessário cüidado na utilização do Lema 2.1.9; para concluir a mensurabilidade de gfg\circ f a partir da mensurabilidade de ff e de gg é necessário que a σ\sigma-álgebra fixada para o contra-domínio de ff e para o domínio de gg sejam as mesmas. Em vista da convenção 2.1.3, se f:(X,𝒜)nf:(X,\mathcal{A})\to\mathds{R}^{n} e g:n(X,𝒜)g:\mathds{R}^{n}\to(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}) são funções mensuráveis então não podemos usar o Lema 2.1.9 para concluir que gfg\circ f é mensurável já que adotamos a σ\sigma-álgebra de Borel para o contra-domínio de ff e a σ\sigma-álgebra de conjuntos Lebesgue mensuráveis para o domínio de gg. Nós poderíamos utilizar o Lema 2.1.9 para concluir que gfg\circ f é mensurável caso soubéssemos, por exemplo, que ff é mensurável e que gg é Borel mensurável.

Se ff é uma função definida num espaço mensurável (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) então em muitas situações é interessante considerar restrições de ff a subconjuntos de XX e gostaríamos que tais subconjuntos de XX pudessem ser encarados como espaços mensuráveis. Dado então um subconjunto YXY\subset X, definimos:

𝒜|Y={EY:E𝒜};\mathcal{A}|_{Y}=\big{\{}E\cap Y:E\in\mathcal{A}\big{\}}; (2.1.2)

é fácil ver que 𝒜|Y\mathcal{A}|_{Y} é uma σ\sigma-álgebra de partes de YY (veja Exercício 2.2).

2.1.10 Definição.

Se 𝒜\mathcal{A} é uma σ\sigma-álgebra de partes de um conjunto XX e se YY é um subconjunto de XX então a σ\sigma-álgebra 𝒜|Y\mathcal{A}|_{Y} de partes de YY definida em (2.1.2) é chamada a σ\sigma-álgebra induzida em YY por 𝒜\mathcal{A}. Dizemos então que (Y,𝒜|Y)(Y,\mathcal{A}|_{Y}) é um subespaço do espaço mensurável (X,𝒜)(X,\mathcal{A}).

Observe que se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) é um espaço mensurável e se Y𝒜Y\in\mathcal{A} então os elementos da σ\sigma-álgebra induzida 𝒜|Y\mathcal{A}|_{Y} são precisamente os elementos de 𝒜\mathcal{A} que estão contidos em YY; em símbolos:

𝒜|Y=𝒜(Y).\mathcal{A}|_{Y}=\mathcal{A}\cap\wp(Y).

Em outras palavras, se YY é mensurável então os subconjuntos mensuráveis do subespaço mensurável YY de XX são precisamente os subconjuntos mensuráveis de XX que estão contidos em YY.

2.1.11 Convenção.

Se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) é um espaço mensurável e se YY é um subconjunto de XX então, a menos de menção explícita em contrário, consideraremos sempre o conjunto YY munido da σ\sigma-álgebra induzida 𝒜|Y\mathcal{A}|_{Y}.

Em vista das convenções 2.1.11 e 2.1.3, observamos que:

  • se um subconjunto YY de n\mathds{R}^{n} (resp., um subconjunto YY de ¯\overline{\mathds{R}}) aparece no contra-domínio de uma função, consideramo-lo munido da σ\sigma-álgebra (n)|Y\mathcal{B}(\mathds{R}^{n})|_{Y} induzida da σ\sigma-álgebra de Borel de n\mathds{R}^{n} (resp., da σ\sigma-álgebra (¯)|Y\mathcal{B}(\overline{\mathds{R}})|_{Y} induzida da σ\sigma-álgebra de Borel de ¯\overline{\mathds{R}});

  • se um subconjunto YY de n\mathds{R}^{n} aparece no domínio de uma função, consideramo-lo munido da σ\sigma-álgebra (n)|Y\mathcal{M}(\mathds{R}^{n})|_{Y} induzida da σ\sigma-álgebra de subconjuntos Lebesgue mensuráveis de n\mathds{R}^{n};

  • se YY é um subconjunto de n\mathds{R}^{n} (resp., um subconjunto de ¯\overline{\mathds{R}}) e se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) é um espaço mensurável então uma função f:Y(X,𝒜)f:Y\to(X,\mathcal{A}) é dita Borel mensurável quando a função f:(Y,(n)|Y)(X,𝒜)f:\big{(}Y,\mathcal{B}(\mathds{R}^{n})|_{Y}\big{)}\to(X,\mathcal{A}) (resp., a função f:(Y,(¯)|Y)(X,𝒜)f:\big{(}Y,\mathcal{B}(\overline{\mathds{R}})|_{Y}\big{)}\to(X,\mathcal{A})) for mensurável.

2.1.12 Lema.

Sejam (X,𝒜)(X,\mathcal{A}), (X,𝒜)(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}) espaços mensuráveis e YXY\subset X um subconjunto. Então:

  • (a)

    a aplicação inclusão i:YXi:Y\to X é mensurável;

  • (b)

    se f:XXf:X\to X^{\prime} é uma função mensurável então f|Y:YXf|_{Y}:Y\to X^{\prime} também é mensurável;

  • (c)

    dada uma função f:XXf:X^{\prime}\to X com imagem contida em YY, se f0:XYf_{0}:X^{\prime}\to Y denota a função que difere de ff apenas pelo contra-domínio então ff é mensurável se e somente se f0f_{0} é mensurável.

Demonstração.
  • \bullet

    Prova de (a).

    Basta observar que i1(E)=EY𝒜|Yi^{-1}(E)=E\cap Y\in\mathcal{A}|_{Y}, para todo E𝒜E\in\mathcal{A}.

  • \bullet

    Prova de (b).

    Basta observar que f|Y=fif|_{Y}=f\circ i e usar o Lema 2.1.9 juntamente com o item (a) acima.

  • \bullet

    Prova de (c).

    Se f0f_{0} é mensurável então f=if0f=i\circ f_{0} é mensurável, pelo Lema 2.1.9 e pelo item (a) acima. Reciprocamente, suponha que ff é mensurável. Dado E1𝒜|YE_{1}\in\mathcal{A}|_{Y}, devemos mostrar que f01(E1)f_{0}^{-1}(E_{1}) (que é igual a f1(E1)f^{-1}(E_{1})) pertence a 𝒜\mathcal{A}^{\prime}. Mas E1=EYE_{1}=E\cap Y para algum E𝒜E\in\mathcal{A} e portanto, como Im(f)Y\mathrm{Im}(f)\subset Y, temos f1(E1)=f1(E)𝒜f^{-1}(E_{1})=f^{-1}(E)\in\mathcal{A}^{\prime}.∎

2.1.13 Lema.

Sejam (X,𝒜)(X,\mathcal{A}), (X,𝒜)(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}) espaços mensuráveis e seja dada X=iIXiX=\bigcup_{i\in I}X_{i} uma cobertura enumerável de XX por conjuntos mensuráveis Xi𝒜X_{i}\in\mathcal{A}. Então uma função f:XXf:X\to X^{\prime} é mensurável se e somente se f|Xi:XiXf|_{X_{i}}:X_{i}\to X^{\prime} é mensurável para todo iIi\in I.

Demonstração.

Se ff é mensurável então f|Xif|_{X_{i}} é mensurável para todo iIi\in I, pelo Lema 2.1.12. Reciprocamente, suponha que f|Xif|_{X_{i}} seja mensurável para todo iIi\in I. Dado E𝒜E\in\mathcal{A}^{\prime}, temos:

(f|Xi)1(E)=f1(E)Xi𝒜|Xi,(f|_{X_{i}})^{-1}(E)=f^{-1}(E)\cap X_{i}\in\mathcal{A}|_{X_{i}},

para todo iIi\in I. Como Xi𝒜X_{i}\in\mathcal{A}, temos 𝒜|Xi=𝒜(Xi)\mathcal{A}|_{X_{i}}=\mathcal{A}\cap\wp(X_{i}) e portanto f1(E)Xi𝒜f^{-1}(E)\cap X_{i}\in\mathcal{A}, para todo iIi\in I. Como II é enumerável segue que:

f1(E)=iI(f1(E)Xi)𝒜,f^{-1}(E)=\bigcup_{i\in I}\big{(}f^{-1}(E)\cap X_{i}\big{)}\in\mathcal{A},

e portanto ff é uma função mensurável. ∎

2.1.14 Corolário.

Sejam (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável e YY um subconjunto de ¯\overline{\mathds{R}}. Uma função f:YXf:Y\to X é Borel mensurável se e somente se f|Y:YXf|_{Y\cap\mathds{R}}:Y\cap\mathds{R}\to X é Borel mensurável.

Demonstração.

Temos que Y=(Y)(Y)Y=(Y\setminus\mathds{R})\cup(Y\cap\mathds{R}), onde:

Y(¯)|Y,Y=Y{+,}(¯)|Y.Y\cap\mathds{R}\in\mathcal{B}(\overline{\mathds{R}})|_{Y},\quad Y\setminus% \mathds{R}=Y\cap\{+\infty,-\infty\}\in\mathcal{B}(\overline{\mathds{R}})|_{Y}.

Segue do Lema 2.1.13 que ff é Borel mensurável se e somente se suas restrições a YY\setminus\mathds{R} e a YY\cap\mathds{R} são Borel mensuráveis. Mas todos os quatro subconjuntos de {+,}\{+\infty,-\infty\} são Boreleanos de ¯\overline{\mathds{R}} e portanto a σ\sigma-álgebra induzida por (¯)|Y\mathcal{B}(\overline{\mathds{R}})|_{Y} em YY\setminus\mathds{R} é (Y)\wp(Y\setminus\mathds{R}). Em particular, a restrição de ff a YY\setminus\mathds{R} é Borel mensurável, seja qual for f:YXf:Y\to X. A conclusão segue. ∎

2.1.15 Lema.

Dado um subconjunto arbitrário YmY\subset\mathds{R}^{m}, então toda função contínua f:Ynf:Y\to\mathds{R}^{n} é Borel mensurável.

Demonstração.

Pelo Corolário 2.1.6, é suficiente mostrar que:

f1(U)(m)|Y,f^{-1}(U)\in\mathcal{B}(\mathds{R}^{m})|_{Y},

para todo aberto UnU\subset\mathds{R}^{n}. Mas, como ff é contínua, temos que f1(U)f^{-1}(U) é aberto relativamente a YY, i.e., existe um aberto VmV\subset\mathds{R}^{m} com:

f1(U)=VY;f^{-1}(U)=V\cap Y;

daí V(m)V\in\mathcal{B}(\mathds{R}^{m}) e portanto f1(U)=VY(m)|Yf^{-1}(U)=V\cap Y\in\mathcal{B}(\mathds{R}^{m})|_{Y}. ∎

2.1.16 Lema.

Seja (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável e seja f:Xnf:X\to\mathds{R}^{n} uma função com funções coordenadas fi:Xf_{i}:X\to\mathds{R}, i=1,,ni=1,\ldots,n. Então f:Xnf:X\to\mathds{R}^{n} é mensurável se e somente se fi:Xf_{i}:X\to\mathds{R} for mensurável, para todo i=1,,ni=1,\ldots,n.

Demonstração.

Temos fi=πiff_{i}=\pi_{i}\circ f, onde πi:n\pi_{i}:\mathds{R}^{n}\to\mathds{R} denota a ii-ésima projeção. A função πi\pi_{i} é contínua e portanto Borel mensurável, pelo Lema 2.1.15; segue então do Lema 2.1.9 que a mensurabilidade de ff implica na mensurabilidade de cada fif_{i}. Reciprocamente, suponha que cada fif_{i} é mensurável. Em vista do Lema 1.4.23, a σ\sigma-álgebra de Borel de n\mathds{R}^{n} coincide com a σ\sigma-álgebra gerada pelos blocos retangulares nn-dimensionais. Segue então do Lema 2.1.5 que, para mostrar a mensurabilidade de ff, é suficiente mostrar que f1(B)𝒜f^{-1}(B)\in\mathcal{A} para todo bloco retangular nn-dimensional BB. Se B=i=1n[ai,bi]B=\prod_{i=1}^{n}[a_{i},b_{i}], então:

f1(B)={xX:fi(x)[ai,bi],i=1,,n}=i=1nfi1([ai,bi]).f^{-1}(B)=\big{\{}x\in X:f_{i}(x)\in[a_{i},b_{i}],\ i=1,\ldots,n\big{\}}=% \bigcap_{i=1}^{n}f_{i}^{-1}\big{(}[a_{i},b_{i}]\big{)}.

Como cada fif_{i} é mensurável, temos fi1([ai,bi])𝒜f_{i}^{-1}\big{(}[a_{i},b_{i}]\big{)}\in\mathcal{A} para todo ii e portanto f1(B)𝒜f^{-1}(B)\in\mathcal{A}. ∎

2.1.17 Corolário.

Sejam (X,𝒜)(X,\mathcal{A}), (X,𝒜)(X^{\prime},\mathcal{A}^{\prime}) espaços mensuráveis e sejam fi:Xf_{i}:X\to\mathds{R}, i=1,,ni=1,\ldots,n, funções mensuráveis. Dada uma função Borel mensurável ϕ:YX\phi:Y\to X^{\prime} definida num subconjunto YnY\subset\mathds{R}^{n} tal que:

(f1(x),,fn(x))Y,\big{(}f_{1}(x),\ldots,f_{n}(x)\big{)}\in Y,

para todo xXx\in X então a função:

ϕ(f1,,fn):Xxϕ(f1(x),,fn(x))X\phi\circ(f_{1},\ldots,f_{n}):X\ni x\longmapsto\phi\big{(}f_{1}(x),\ldots,f_{n% }(x)\big{)}\in X^{\prime}

é mensurável.

Demonstração.

Pelo Lema 2.1.16 e pelo item (c) do Lema 2.1.12 temos que a função (f1,,fn):XY(f_{1},\ldots,f_{n}):X\to Y é mensurável. A conclusão segue do Lema 2.1.9. ∎

Se f:Xnf:X\to\mathds{R}^{n}, g:Xng:X\to\mathds{R}^{n} são funções definidas num conjunto arbitrário XX então, como é usual, definimos a soma f+g:Xnf+g:X\to\mathds{R}^{n} das funções ff e gg fazendo (f+g)(x)=f(x)+g(x)(f+g)(x)=f(x)+g(x), para todo xXx\in X; para n=1n=1, podemos definir também o produto fg:Xnfg:X\to\mathds{R}^{n} fazendo (fg)(x)=f(x)g(x)(fg)(x)=f(x)g(x), para todo xXx\in X.

2.1.18 Corolário.

Seja (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável. Dadas funções mensuráveis f:Xnf:X\to\mathds{R}^{n}, g:Xng:X\to\mathds{R}^{n} então:

  • a soma f+g:Xnf+g:X\to\mathds{R}^{n} é uma função mensurável;

  • se n=1n=1, o produto fg:Xfg:X\to\mathds{R} é uma função mensurável.

Demonstração.

As funções:

n×n(x,y)x+yne×(x,y)xy\mathds{R}^{n}\times\mathds{R}^{n}\ni(x,y)\longmapsto x+y\in\mathds{R}^{n}% \quad\text{e}\quad\mathds{R}\times\mathds{R}\ni(x,y)\longmapsto xy\in\mathds{R}

são contínuas e portanto Borel mensuráveis, pelo Lema 2.1.15. A conclusão segue do Corolário 2.1.17. ∎

Note que para funções f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}}, g:X¯g:X\to\overline{\mathds{R}} a valores na reta estendida, também podemos definir a soma f+g:X¯f+g:X\to\overline{\mathds{R}}, desde que a soma f(x)+g(x)f(x)+g(x) esteja bem definida (i.e., não seja da forma (+)+()(+\infty)+(-\infty) ou ()+(+)(-\infty)+(+\infty)) para todo xXx\in X. O produto fg:X¯fg:X\to\overline{\mathds{R}} pode ser definido sempre, sem nenhuma restrição sobre ff e gg.

2.1.19 Proposição.

Seja (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável. Sejam dadas funções mensuráveis f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} e g:X¯g:X\to\overline{\mathds{R}}. Então:

  • se a soma f(x)+g(x)f(x)+g(x) estiver bem definida para todo xXx\in X então a função f+g:X¯f+g:X\to\overline{\mathds{R}} é uma função mensurável;

  • o produto fg:X¯fg:X\to\overline{\mathds{R}} é uma função mensurável.

Demonstração.

Considere os seguintes subconjuntos de XX:

f1()g1(),\displaystyle f^{-1}(\mathds{R})\cap g^{-1}(\mathds{R}),
f1(+)g1(+),\displaystyle f^{-1}(+\infty)\cup g^{-1}(+\infty),
f1()g1();\displaystyle f^{-1}(-\infty)\cup g^{-1}(-\infty);

todos eles pertencem a 𝒜\mathcal{A} e sua união é igual a XX. A restrição de f+gf+g a cada um deles é mensurável; de fato, a restrição de f+gf+g ao primeiro deles é mensurável pelo Corolário 2.1.18 e a restrição de f+gf+g aos outros é uma função constante (veja Exercício 2.1). Segue então do Lema 2.1.13 que f+gf+g é mensurável. A mensurabilidade de fgfg é mostrada de forma similar considerando as restrições de fgfg aos conjuntos:

f1()g1(),\displaystyle f^{-1}(\mathds{R})\cap g^{-1}(\mathds{R}),
f1(0)g1(0),\displaystyle f^{-1}(0)\cup g^{-1}(0),
[f1(+)g1(]0,+])][f1(]0,+])g1(+)],\displaystyle\big{[}f^{-1}(+\infty)\cap g^{-1}\big{(}\left]0,+\infty\right]% \big{)}\big{]}\cup\big{[}f^{-1}\big{(}\left]0,+\infty\right]\big{)}\cap g^{-1}% (+\infty)\big{]},
[f1()g1([,0[)][f1([,0[)g1()],\displaystyle\big{[}f^{-1}(-\infty)\cap g^{-1}\big{(}\left[-\infty,0\right[% \big{)}\big{]}\cup\big{[}f^{-1}\big{(}\left[-\infty,0\right[\big{)}\cap g^{-1}% (-\infty)\big{]},
[f1(+)g1([,0[)][f1([,0[)g1(+)],\displaystyle\big{[}f^{-1}(+\infty)\cap g^{-1}\big{(}\left[-\infty,0\right[% \big{)}\big{]}\cup\big{[}f^{-1}\big{(}\left[-\infty,0\right[\big{)}\cap g^{-1}% (+\infty)\big{]},
[f1()g1(]0,+])][f1(]0,+])g1()].\displaystyle\big{[}f^{-1}(-\infty)\cap g^{-1}\big{(}\left]0,+\infty\right]% \big{)}\big{]}\cup\big{[}f^{-1}\big{(}\left]0,+\infty\right]\big{)}\cap g^{-1}% (-\infty)\big{]}.\qed
2.1.20 Definição.

Dado x¯x\in\overline{\mathds{R}} então a parte positiva e a parte negativa de xx, denotadas respectivamente por x+x^{+} e xx^{-}, são definidas por:

x+={x,se x0,0,se x<0,x={0,se x>0,x,se x0.x^{+}=\begin{cases}x,&\text{se $x\geq 0$},\\ 0,&\text{se $x<0$},\end{cases}\qquad x^{-}=\begin{cases}\hfil 0,&\text{se $x>0% $},\\ -x,&\text{se $x\leq 0$}.\end{cases}

Se ff é uma função tomando valores em ¯\overline{\mathds{R}} então a parte positiva e a parte negativa de ff, denotadas respectivamente por f+f^{+} e ff^{-}, são definidas por f+(x)=[f(x)]+f^{+}(x)=[f(x)]^{+} e f(x)=[f(x)]f^{-}(x)=[f(x)]^{-}, para todo xx no domínio de ff.

É fácil ver que x=x+xx=x^{+}-x^{-} e |x|=x++x|x|=x^{+}+x^{-}, para todo x¯x\in\overline{\mathds{R}}; em particular, se ff é uma função tomando valores em ¯\overline{\mathds{R}} então:

f=f+fe|f|=f++f,f=f^{+}-f^{-}\quad\text{e}\quad|f|=f^{+}+f^{-},

onde, obviamente, |f||f| denota a função |f|(x)=|f(x)||f|(x)=|f(x)|.

2.1.21 Lema.

Seja (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável. Se f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} é uma função mensurável então as funções f+f^{+}, ff^{-} e |f||f| também são mensuráveis.

Demonstração.

Segue do Lema 2.1.15 e do Corolário 2.1.14 que as funções:

¯xx+¯,¯xx¯,¯x|x|¯\overline{\mathds{R}}\ni x\longmapsto x^{+}\in\overline{\mathds{R}},\quad% \overline{\mathds{R}}\ni x\longmapsto x^{-}\in\overline{\mathds{R}},\quad% \overline{\mathds{R}}\ni x\longmapsto|x|\in\overline{\mathds{R}}

são Borel mensuráveis; de fato, observe que suas restrições a \mathds{R} são funções contínuas. A conclusão segue do Lema 2.1.9. ∎

2.1.22 Lema.

Seja (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável e seja (fk)k1(f_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de funções mensuráveis fk:X¯f_{k}:X\to\overline{\mathds{R}}. Então as funções:

supk1fk:Xxsupk1fk(x)¯einfk1fk:Xxinfk1fk(x)¯\sup_{k\geq 1}f_{k}:X\ni x\longmapsto\sup_{k\geq 1}f_{k}(x)\in\overline{% \mathds{R}}\quad\text{e}\quad\inf_{k\geq 1}f_{k}:X\ni x\longmapsto\inf_{k\geq 1% }f_{k}(x)\in\overline{\mathds{R}}

são mensuráveis.

Demonstração.

Note que para todo xXx\in X temos supk1fk(x)c\sup_{k\geq 1}f_{k}(x)\leq c se e somente se fk(x)cf_{k}(x)\leq c para todo k1k\geq 1; logo:

{xX:supk1fk(x)c}=k=1fk1([,c])𝒜,\Big{\{}x\in X:\sup_{k\geq 1}f_{k}(x)\leq c\Big{\}}=\bigcap_{k=1}^{\infty}f_{k% }^{-1}\big{(}[-\infty,c]\big{)}\in\mathcal{A},

para todo cc\in\mathds{R}. Além do mais, para todo xXx\in X, temos infk1fk(x)c\inf_{k\geq 1}f_{k}(x)\leq c se e somente se para todo r1r\geq 1 existe k1k\geq 1 tal que fk(x)c+1rf_{k}(x)\leq c+\frac{1}{r}; logo:

{xX:infk1fk(x)c}=r=1k=1fk1([,c+1r])𝒜,\Big{\{}x\in X:\inf_{k\geq 1}f_{k}(x)\leq c\Big{\}}=\bigcap_{r=1}^{\infty}\,% \bigcup_{k=1}^{\infty}f_{k}^{-1}\big{(}\big{[}-\infty,c+\tfrac{1}{r}\big{]}% \big{)}\in\mathcal{A},

para todo cc\in\mathds{R}. A conclusão segue do Corolário 2.1.8. ∎

2.1.23 Corolário.

Seja (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável e seja (fk)k1(f_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de funções mensuráveis fk:X¯f_{k}:X\to\overline{\mathds{R}}. Então as funções:

lim supkfk:Xxlim supkfk(x)¯,\displaystyle\limsup_{k\to\infty}f_{k}:X\ni x\longmapsto\limsup_{k\to\infty}f_% {k}(x)\in\overline{\mathds{R}},
lim infkfk:Xxlim infkfk(x)¯\displaystyle\liminf_{k\to\infty}f_{k}:X\ni x\longmapsto\liminf_{k\to\infty}f_% {k}(x)\in\overline{\mathds{R}}

são mensuráveis.

Demonstração.

Basta observar que:

lim supkfk=infr1supkrfk,lim infkfk=supr1infkrfk.\limsup_{k\to\infty}f_{k}=\mathop{\vphantom{\sup}\inf}\limits_{r\geq 1}\,\sup_% {k\geq r}f_{k},\quad\liminf_{k\to\infty}f_{k}=\sup_{r\geq 1}\,\mathop{% \vphantom{\sup}\inf}\limits_{k\geq r}f_{k}.\qed
2.1.24 Corolário.

Seja (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável e seja (fk)k1(f_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de funções mensuráveis fk:X¯f_{k}:X\to\overline{\mathds{R}}. Se para todo xXx\in X a seqüência (fk(x))k1\big{(}f_{k}(x)\big{)}_{k\geq 1} converge em ¯\overline{\mathds{R}} então a função:

limkfk:Xxlimkfk(x)¯\lim_{k\to\infty}f_{k}:X\ni x\longmapsto\lim_{k\to\infty}f_{k}(x)\in\overline{% \mathds{R}}

é mensurável.

Demonstração.

Basta observar que:

limkfk=lim infkfk=lim supkfk.\lim_{k\to\infty}f_{k}=\liminf_{k\to\infty}f_{k}=\limsup_{k\to\infty}f_{k}.\qed

2.1.1. Funções Simples

2.1.25 Definição.

Uma função é dita simples quando sua imagem é um conjunto finito.

2.1.26 Lema.

Seja XX um conjunto e sejam f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}}, g:X¯g:X\to\overline{\mathds{R}} funções simples.

  • se a soma f(x)+g(x)f(x)+g(x) estiver bem definida para todo xXx\in X então a função f+gf+g é simples;

  • o produto fgfg é uma função simples.

Demonstração.

A imagem de f+gf+g está contida no conjunto:

{a+b:aIm(f)bIm(g) e a soma a+b está bem definida};\big{\{}a+b:\text{$a\in\mathrm{Im}(f)$, $b\in\mathrm{Im}(g)$ e a soma $a+b$ % está bem definida}\big{\}};

tal conjunto é obviamente finito. Similarmente, a imagem de fgfg está contida no conjunto finito {ab:aIm(f)bIm(g)}\{ab:\text{$a\in\mathrm{Im}(f)$, $b\in\mathrm{Im}(g)$}\big{\}}. ∎

2.1.27 Lema.

Sejam (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável e f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} uma função simples. Então ff é mensurável se e somente se f1(c)𝒜f^{-1}(c)\in\mathcal{A} para todo cIm(f)c\in\mathrm{Im}(f).

Demonstração.

Se ff é uma função mensurável então f1(c)𝒜f^{-1}(c)\in\mathcal{A} para todo cIm(f)c\in\mathrm{Im}(f), já que {c}\{c\} é um Boreleano de ¯\overline{\mathds{R}}. Reciprocamente, se f1(c)𝒜f^{-1}(c)\in\mathcal{A} para todo cIm(f)c\in\mathrm{Im}(f) então a mensurabilidade de ff segue do Lema 2.1.13, já que:

X=cIm(f)f1(c)X=\!\!\bigcup_{c\in\mathrm{Im}(f)}\!\!f^{-1}(c)

é uma cobertura finita de XX por conjuntos mensuráveis e a restrição de ff a cada conjunto f1(c)f^{-1}(c) é mensurável (veja Exercício 2.1). ∎

2.1.28 Definição.

Seja XX um conjunto e seja AXA\subset X um subconjunto de XX. A função característica de AA, definida em XX, é a função χA:X\chi_{A}:X\to\mathds{R} definida por χA(x)=1\chi_{A}(x)=1 para xAx\in A e χA(x)=0\chi_{A}(x)=0 para xXAx\in X\setminus A.

Observe que a notação χA\chi_{A} não deixa explícito qual seja o domínio XX da função característica de AA que está sendo considerada; em geral, tal domínio deve ser deixado claro pelo contexto.

2.1.29 Observação.

Se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) é um espaço mensurável e se AXA\subset X é um subconjunto então a função característica χA:X\chi_{A}:X\to\mathds{R} é uma função simples. Segue do Lema 2.1.27 que χA\chi_{A} é uma função mensurável se e somente se A𝒜A\in\mathcal{A}.

2.1.30 Observação.

Se (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) é um espaço mensurável então, dados A1,,Ak𝒜A_{1},\ldots,A_{k}\in\mathcal{A} e c1,,ck¯c_{1},\ldots,c_{k}\in\overline{\mathds{R}}, temos que a função:

i=1kciχAi:X¯\sum_{i=1}^{k}c_{i}\chi_{A_{i}}:X\longrightarrow\overline{\mathds{R}} (2.1.3)

é simples e mensurável, desde que esteja bem definida (i.e., desde que não ocorra AiAj∅︀A_{i}\cap A_{j}\neq\emptyset com ci=+c_{i}=+\infty e cj=c_{j}=-\infty). De fato, isso segue da Proposição 2.1.19, do Lema 2.1.26 e da Observação 2.1.29. Reciprocamente, se f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} é uma função simples e mensurável, podemos escrevê-la na forma (2.1.3), com Ai𝒜A_{i}\in\mathcal{A} e ci¯c_{i}\in\overline{\mathds{R}}, i=1,,ki=1,\ldots,k. De fato, basta tomar Ai=f1(ci)A_{i}=f^{-1}(c_{i}), onde c1c_{1}, …, ckc_{k} são os elementos (distintos) do conjunto finito Im(f)\mathrm{Im}(f). Note que os conjuntos AiA_{i} assim construídos constituem uma partição de XX.

2.1.31 Lema.

Sejam (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável, f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} uma função e Y𝒜Y\in\mathcal{A}. Então:

  • (a)

    f|Yf|_{Y} é mensurável se e somente se fχYf\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle Y$}} é mensurável;

  • (b)

    f|Yf|_{Y} é simples se e somente se fχYf\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle Y$}} é simples.

Demonstração.

Temos X=YYcX=Y\cup Y^{\mathrm{c}}, com Y,Yc𝒜Y,Y^{\mathrm{c}}\in\mathcal{A}; além do mais, f|Y=(fχY)|Yf|_{Y}=(f\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle Y$}})|_{Y} e (fχY)|Yc0(f\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle Y$}})|_{Y^{\mathrm{c}}}\equiv 0. Tendo em mente essas observações, o item (a) segue do Lema 2.1.13. O item (b) segue da igualdade:

f(Y){0}=Im(fχY){0}.f(Y)\setminus\{0\}=\mathrm{Im}(f\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle Y$}})% \setminus\{0\}.\qed
2.1.32 Notação.

Seja (fk)k1(f_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de funções fk:X¯f_{k}:X\to\overline{\mathds{R}} e seja f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} uma função, onde XX é um conjunto arbitrário. Escrevemos fkff_{k}\nearrow f quando fk(x)fk+1(x)f_{k}(x)\leq f_{k+1}(x) para todo xXx\in X e todo k1k\geq 1 e limkfk(x)=f(x)\lim_{k\to\infty}f_{k}(x)=f(x) para todo xXx\in X. Similarmente, escrevemos fkff_{k}\searrow f quando fk(x)fk+1(x)f_{k}(x)\geq f_{k+1}(x) para todo xXx\in X e todo k1k\geq 1 e limkfk(x)=f(x)\lim_{k\to\infty}f_{k}(x)=f(x) para todo xXx\in X.

2.1.33 Proposição.

Sejam (X,𝒜)(X,\mathcal{A}) um espaço mensurável. Para toda função mensurável f:X[0,+]f:X\to[0,+\infty] existe uma seqüência (fk)k1(f_{k})_{k\geq 1} de funções simples e mensuráveis fk:X[0,+[f_{k}:X\to\left[0,+\infty\right[ tal que fkff_{k}\nearrow f.

Demonstração.

Para cada k1k\geq 1 particionamos o intervalo [0,k[\left[0,k\right[ em intervalos disjuntos de comprimento 12k\frac{1}{2^{k}}; mais explicitamente, consideramos os intervalos:

[r2k,r+12k[,r=0,1,,k2k1.\left[\tfrac{r}{2^{k}},\tfrac{r+1}{2^{k}}\right[,\quad r=0,1,\ldots,k2^{k}-1. (2.1.4)

Para cada xXx\in X temos f(x)kf(x)\geq k ou então f(x)f(x) pertence a exatamente um dos intervalos (2.1.4); se f(x)kf(x)\geq k definimos fk(x)=kf_{k}(x)=k e, caso contrário, tomamos fk(x)f_{k}(x) como sendo a extremidade esquerda do intervalo da coleção (2.1.4) ao qual f(x)f(x) pertence. Em símbolos, temos:

fk=kχf1([k,+])+r=0k2k1r2kχf1([r2k,r+12k[).f_{k}=k\,\chi_{f^{-1}\big{(}[k,+\infty]\big{)}}+\sum_{r=0}^{k2^{k}-1}\frac{r}{% 2^{k}}\,\chi_{f^{-1}\big{(}\left[\tfrac{r}{2^{k}},\tfrac{r+1}{2^{k}}\right[% \big{)}}.

Temos então que fkf_{k} é uma função simples e mensurável para todo k1k\geq 1 (veja Observação 2.1.30). Note que:

|fk(x)f(x)|<12k,\big{|}f_{k}(x)-f(x)\big{|}<\frac{1}{2^{k}}, (2.1.5)

para todo xXx\in X com f(x)<kf(x)<k. Afirmamos que limkfk=f\lim_{k\to\infty}f_{k}=f. De fato, seja xXx\in X fixado. Se f(x)<+f(x)<+\infty então vale (2.1.5) para k>f(x)k>f(x) e portanto limkfk(x)=f(x)\lim_{k\to\infty}f_{k}(x)=f(x). Se f(x)=+f(x)=+\infty então fk(x)=kf_{k}(x)=k para todo k1k\geq 1 e portanto limkfk(x)=+=f(x)\lim_{k\to\infty}f_{k}(x)=+\infty=f(x). Para completar a demonstração, vamos mostrar agora que:

fk(x)fk+1(x),f_{k}(x)\leq f_{k+1}(x), (2.1.6)

para todos xXx\in X e k1k\geq 1. Sejam xXx\in X e k1k\geq 1 fixados. Se f(x)k+1f(x)\geq k+1, então fk(x)=kf_{k}(x)=k e fk+1(x)=k+1f_{k+1}(x)=k+1, donde (2.1.6) é satisfeita. Senão, seja r=0,,(k+1)2k+11r=0,\ldots,(k+1)2^{k+1}-1 o único inteiro tal que r2k+1f(x)<r+12k+1\frac{r}{2^{k+1}}\leq f(x)<\frac{r+1}{2^{k+1}}; temos fk+1(x)=r2k+1f_{k+1}(x)=\frac{r}{2^{k+1}}. Seja ss o maior inteiro menor ou igual a r2\frac{r}{2}; daí sr2<r+12s+1s\leq\frac{r}{2}<\frac{r+1}{2}\leq s+1 e portanto:

s2kr2k+1f(x)<r+12k+1s+12k.\frac{s}{2^{k}}\leq\frac{r}{2^{k+1}}\leq f(x)<\frac{r+1}{2^{k+1}}\leq\frac{s+1% }{2^{k}}.

Se f(x)[0,k[f(x)\in\left[0,k\right[, segue que fk(x)=s2kr2k+1=fk+1(x)f_{k}(x)=\frac{s}{2^{k}}\leq\frac{r}{2^{k+1}}=f_{k+1}(x). Caso contrário, se f(x)[k,k+1[f(x)\in\left[k,k+1\right[ então rk2k+1r\geq k2^{k+1} e fk+1(x)=r2k+1k=fk(x)f_{k+1}(x)=\frac{r}{2^{k+1}}\geq k=f_{k}(x). Em todo caso, a desigualdade (2.1.6) é satisfeita. ∎