2.8. O Teorema de Fubini em
Ao longo desta seção consideramos fixados inteiros positivos e e identificamos com o produto através da aplicação:
Dado um subconjunto de e dado denotamos por a fatia vertical de correspondente à abscissa definida por:
Se denota a função então obviamente:
para todo . Temos portanto o seguinte:
2.8.1 Lema.
Se é um Boreleano de então é um Boreleano de para todo .
Demonstração.
Segue do Lema 2.8.1 que se é um Boreleano de então faz sentido considerar a medida de Lebesgue da fatia , para cada .
2.8.2 Lema.
Se é um Boreleano de então a função:
é mensurável e vale a igualdade:
Note que usamos a notação indistintamente para a medida de Lebesgue de , e ; mais especificamente, em (2.8.3) usamos a medida de Lebesgue de , a integral do lado esquerdo da igualdade em (2.8.4) é feita com respeito à medida de Lebesgue de e no lado direito da igualdade em (2.8.4) usamos a medida de Lebesgue de .
Demonstração do Lema 2.8.2.
Denote por a coleção de todos os Boreleanos de para os quais a função (2.8.3) é mensurável e a igualdade (2.8.4) é satisfeita. A idéia da prova é mostrar várias propriedades da coleção até que finalmente concluímos que ela coincide com a classe de todos os Boreleanos de .
-
Passo 1.
Os blocos retangulares -dimensionais pertencem a .
Se é um bloco retangular -dimensional então podemos escrever , onde e são respectivamente um bloco retangular -dimensional e um bloco retangular -dimensional. Para todo , temos:
e portanto:
para todo . Segue que (2.8.3) é uma função simples mensurável cuja integral é igual a .
-
Passo 2.
Se e e são disjuntos então .
Segue de (2.8.2) que e que e são disjuntos para todo ; logo:
para todo . Segue que a função é mensurável, sendo uma soma de funções mensuráveis; sua integral é dada por:
-
Passo 3.
Se , e é limitado então .
Como é limitado então e , para todo . Segue de (2.8.2) que e , para todo ; logo:
para todo , provando que a função é mensurável. Além do mais:
-
Passo 4.
Se é uma seqüência de elementos de e se então .
-
Passo 5.
Se é uma seqüência de elementos de , é limitado e então .
-
Passo 6.
Se , e é limitado então .
-
Passo 7.
Se , …, são blocos retangulares -dimensionais então .
Usamos indução em . O caso segue do passo 1. Suponha que a união de qualquer coleção de blocos retangulares -dimensionais pertence a e sejam dados blocos retangulares -dimensionais , …, . Como qualquer subconjunto de uma união finita de blocos retangulares é sempre um conjunto limitado, em virtude do passo 6, para mostrar que está em é suficiente mostrar que está em . Mas:
sendo que é um bloco retangular -dimensional para . Segue da hipótese de indução que .
-
Passo 8.
Todo subconjunto aberto de pertence a .
-
Passo 9.
Todo subconjunto de de tipo está em .
Seja um . Assumimos inicialmente que é limitado. Seja uma seqüência de abertos de com e seja um aberto limitado de que contém . Definindo:
então é um aberto limitado para todo e . Segue dos passos 5 e 8 que .
Seja agora um arbitrário. Temos que
é um limitado para todo e portanto , pelo que mostramos acima. A conclusão segue do passo 4, já que .
-
Passo 10.
A coleção coincide com a coleção de todos os subconjuntos Boreleanos de .
Seja um Boreleano. Pelo Lema 1.4.28 existe um subconjunto de de tipo com e . Pelo Lema 1.4.50, existe um subconjunto de de tipo com e . O passo 9 nos garante que e estão em . Logo:
como , para todo , o resultado do Exercício 2.21 implica que para quase todo . Como , para todo , segue que para quase todo . Temos então:
para quase todo , já que é união disjunta de e , para todo . Vemos então que a funções e são iguais quase sempre, o que implica que é uma função mensurável pelo resultado do item (b) do Exercício 2.8. Além do mais:
provando que . Isso completa a demonstração.∎
Se é um subconjunto mensurável de então não é verdade em geral que as fatias verticais são mensuráveis para todo ; por exemplo, se é um subconjunto não mensurável de então é um subconjunto mensurável de (com medida exterior nula), mas a fatia não é mensurável. No entanto, mostraremos abaixo que se é mensurável então quase todas as fatias de são mensuráveis. Faz sentido também então considerar a integral em (2.8.4), tendo em mente a seguinte convenção: se é um subconjunto mensurável de e se é uma expressão que faz sentido apenas para quase todo então escrevemos , entendendo que valores arbitrários de podem ser atribuídos à expressão no conjunto de medida nula no qual ela não está definida. Em vista do resultado do Exercício 2.8 e do Corolário 2.4.11, essa convenção define o símbolo de forma inequívoca.
2.8.3 Proposição.
Se é um subconjunto mensurável de então para quase todo a fatia vertical é um subconjunto mensurável de , a função é mensurável e a medida de é dada pela igualdade (2.8.4).
Demonstração.
Basta repetir os argumentos da demonstração do passo 10 do Lema 2.8.2; a única diferença é que não sabemos a priori que as fatias de são mensuráveis. Mas sabemos que tem medida nula para quase todo e portanto é mensurável e tem medida nula para quase todo ; como:
segue que também é mensurável para quase todo . ∎
Observamos que se é um subconjunto mensurável de e se é um subconjunto mensurável de então é um subconjunto mensurável de (veja Exercício 1.27).
2.8.4 Teorema (Fubini–Tonelli).
Sejam , conjuntos mensuráveis e uma função quase integrável. Então:
-
•
para quase todo , a função é quase integrável;
-
•
a função é quase integrável;
-
•
vale a igualdade:
Demonstração.
Dividimos a demonstração em itens.
-
O teorema vale se é simples, mensurável e não negativa.
Podemos escrever , com e um subconjunto mensurável de , para . Note que, se , temos:
(2.8.5)para todo . Pela Proposição 2.8.3, existe para cada um conjunto de medida nula tal que é mensurável para todo . Daí tem medida nula e segue de (2.8.5) que para , a função é mensurável e sua integral é dada por:
Logo:
-
O teorema vale se é mensurável e não negativa.
Seja uma seqüências de funções simples e mensuráveis com . Seja um conjunto de medida nula tal que a função é mensurável para todo . Daí tem medida nula e a função:
é mensurável para todo . Pelo Teorema da Convergência Monotônica, temos:
para todo . Logo a função é mensurável e, usando novamente o Teorema da Convergência Monotônica, obtemos:
-
O teorema vale se é quase integrável.
Como e são funções mensuráveis não negativas, temos:
(2.8.6) (2.8.7) Como é quase integrável, temos que é integrável ou é integrável; para fixar as idéias, vamos supor que . Tendo em mente o resultado do Exercício 2.19, segue de (2.8.7) que:
para quase todo . Segue que a função é quase integrável para quase todo ; além do mais, de (2.8.6) e (2.8.7) vem:
Seja uma aplicação bijetora (i.e., uma permutação de elementos) e considere o isomorfismo linear de definido por:
para todo . Segue do resultado do Exercício 1.11 que preserva medida, i.e., , para todo subconjunto mensurável de (veja Definição 2.1). Pelo resultado do Exercício 2.16, uma função é quase integrável se e somente se é quase integrável e, nesse caso, as integrais de e coincidem. Em vista dessas observações, temos o seguinte:
2.8.5 Corolário.
Sejam , conjuntos mensuráveis e uma função quase integrável. Então:
-
•
para quase todo , a função é quase integrável;
-
•
a função é quase integrável;
-
•
vale a igualdade:
Demonstração.
Considere a permutação de elementos dada por:
de modo que:
para todos , . Temos que:
Em vista das observações que precedem o enunciado do corolário, temos que é quase integrável e tem a mesma integral que . A conclusão é obtida aplicando o Teorema 2.8.4 à função , trocando os papéis de e . ∎
É possível que uma função mensurável seja tal que as integrais iteradas e sejam ambas bem-definidas, porém distintas; em vista do Corolário 2.8.5, isso somente é possível quando a função não é quase integrável.
2.8.6 Exemplo.
Seja uma seqüência dupla de números reais tal que as séries:
(2.8.8) | |||
(2.8.9) |
são todas absolutamente convergentes, mas:
Tome, por exemplo:
de modo que todas as séries em (2.8.8) e (2.8.9) têm apenas um número finito de termos não nulos e:
Considere a função definida por:
ou seja, a restrição de ao retângulo é igual a , para todos . Fixado então:
para todo , onde é tal que . Como a série é absolutamente convergente, segue do resultado do Exercício 2.27 que a função é integrável e:
daí:
para todo . Como a série é absolutamente convergente, usando novamente o resultado do Exercício 2.27, concluímos que a função é integrável e:
De modo análogo, mostra-se que:
e portanto: