2.5. Teoremas de Convergência

No que segue, (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu) denota sempre um espaço de medida.

2.5.1 Teorema (da convergência monotônica).

Seja (fn)n1(f_{n})_{n\geq 1} uma seqüência de funções mensuráveis fn:X¯f_{n}:X\to\overline{\mathds{R}} e seja f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} uma função mensurável. Suponha que f1f_{1} é quase integrável. Então:

  • (a)

    se Xf1dμ>\int_{X}f_{1}\,\mathrm{d}\mu>-\infty e fnff_{n}\nearrow f q. s. então ff e fnf_{n} são quase integráveis para todo n1n\geq 1 e limnXfndμ=Xfdμ\lim_{n\to\infty}\int_{X}f_{n}\,\mathrm{d}\mu=\int_{X}f\,\mathrm{d}\mu;

  • (b)

    se Xf1dμ<+\int_{X}f_{1}\,\mathrm{d}\mu<+\infty e fnff_{n}\searrow f q. s. então ff e fnf_{n} são quase integráveis para todo n1n\geq 1 e limnXfndμ=Xfdμ\lim_{n\to\infty}\int_{X}f_{n}\,\mathrm{d}\mu=\int_{X}f\,\mathrm{d}\mu.

Demonstração.

É suficiente provar o item (a), já que o item (b) segue do item (a) trocando fnf_{n} por fn-f_{n} e ff por f-f. Em primeiro lugar, como Xf1dμ>\int_{X}f_{1}\,\mathrm{d}\mu>-\infty, segue do resultado do Exercício 2.19 que f1>f_{1}>-\infty quase sempre; existe portanto um subconjunto mensurável XX^{\prime} de XX com complementar de medida nula tal que f1(x)>f_{1}(x)>-\infty e fn(x)f(x)f_{n}(x)\nearrow f(x), para todo xXx\in X^{\prime}. Em vista do Corolário 2.4.11, é suficiente mostrar a tese do teorema para as restrições a XX^{\prime} das funções em questão. Para cada n1n\geq 1, defina gn:X[0,+]g_{n}:X^{\prime}\to[0,+\infty] fazendo gn(x)=fn(x)f1(x)g_{n}(x)=f_{n}(x)-f_{1}(x), se f1(x)<+f_{1}(x)<+\infty e gn(x)=0g_{n}(x)=0, se f1(x)=+f_{1}(x)=+\infty; daí gng_{n} é mensurável e fn=gn+f1f_{n}=g_{n}+f_{1}. De modo análogo, definimos g:X[0,+]g:X^{\prime}\to[0,+\infty] mensurável com f=g+f1f=g+f_{1}. Daí gngg_{n}\nearrow g e portanto o Teorema 2.3.3 nos dá:

limnXgndμ=Xgdμ.\lim_{n\to\infty}\int_{X^{\prime}}g_{n}\,\mathrm{d}\mu=\int_{X^{\prime}}g\,% \mathrm{d}\mu. (2.5.1)

Note que como Xf1dμ>\int_{X^{\prime}}f_{1}\,\mathrm{d}\mu>-\infty e Xgndμ0\int_{X^{\prime}}g_{n}\,\mathrm{d}\mu\geq 0, o item (a) da Proposição 2.4.7 nos diz que fn=gn+f1f_{n}=g_{n}+f_{1} é quase integrável e:

Xfndμ=Xgndμ+Xf1dμ;\int_{X^{\prime}}f_{n}\,\mathrm{d}\mu=\int_{X^{\prime}}g_{n}\,\mathrm{d}\mu+% \int_{X^{\prime}}f_{1}\,\mathrm{d}\mu; (2.5.2)

similarmente, ff é quase integrável e Xfdμ=Xgdμ+Xf1dμ\int_{X^{\prime}}f\,\mathrm{d}\mu=\int_{X^{\prime}}g\,\mathrm{d}\mu+\int_{X^{% \prime}}f_{1}\,\mathrm{d}\mu. A conclusão é obtida agora fazendo nn\to\infty em (2.5.2) e usando (2.5.1). ∎

2.5.2 Proposição (Lema de Fatou).

Seja (fn)n1(f_{n})_{n\geq 1} uma seqüência de funções mensuráveis fn:X¯f_{n}:X\to\overline{\mathds{R}}. Então:

  • (a)

    se existe uma função quase integrável ϕ:X¯\phi:X\to\overline{\mathds{R}} tal que fnϕf_{n}\geq\phi q. s. para todo n1n\geq 1 e Xϕdμ>\int_{X}\phi\,\mathrm{d}\mu>-\infty então fnf_{n} é quase integrável para todo n1n\geq 1, lim infnfn\liminf_{n\to\infty}f_{n} é quase integrável e:

    Xlim infnfndμlim infnXfndμ;\int_{X}\liminf_{n\to\infty}f_{n}\,\mathrm{d}\mu\leq\liminf_{n\to\infty}\int_{% X}f_{n}\,\mathrm{d}\mu;
  • (b)

    se existe uma função quase integrável ϕ:X¯\phi:X\to\overline{\mathds{R}} tal que fnϕf_{n}\leq\phi q. s.  para todo n1n\geq 1 e Xϕdμ<+\int_{X}\phi\,\mathrm{d}\mu<+\infty então fnf_{n} é quase integrável para todo n1n\geq 1, lim supnfn\limsup_{n\to\infty}f_{n} é quase integrável e:

    lim supnXfndμXlim supnfndμ.\limsup_{n\to\infty}\int_{X}f_{n}\,\mathrm{d}\mu\leq\int_{X}\limsup_{n\to% \infty}f_{n}\,\mathrm{d}\mu.
Demonstração.

É suficiente mostrar o item (a), já que o item (b) segue do item (a) trocando fnf_{n} por fn-f_{n} e ϕ\phi por ϕ-\phi. Em primeiro lugar, a quase integrabilidade das funções fnf_{n} segue do resultado do Exercício 2.20. Para cada n1n\geq 1 seja gn=infknfkg_{n}=\inf_{k\geq n}f_{k}. Daí gnϕg_{n}\geq\phi q. s., de modo que gng_{n} é quase integrável e Xgndμ>\int_{X}g_{n}\,\mathrm{d}\mu>-\infty; além do mais, gnfkg_{n}\leq f_{k} para todo knk\geq n e portanto:

XgndμinfknXfkdμ.\int_{X}g_{n}\,\mathrm{d}\mu\leq\inf_{k\geq n}\int_{X}f_{k}\,\mathrm{d}\mu.

Claramente gn(lim infkfk)g_{n}\nearrow(\liminf_{k\to\infty}f_{k}) e portanto a conclusão segue do item (a) do Teorema 2.5.1, fazendo nn\to\infty na desigualdade acima. ∎

2.5.3 Notação.

Se (fn)n1(f_{n})_{n\geq 1} é uma seqüência de funções fn:X¯f_{n}:X\to\overline{\mathds{R}} e f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} é uma função então escrevemos fnff_{n}\to f quando (fn)n1(f_{n})_{n\geq 1} convergir para ff pontualmente, i.e., limnfn(x)=f(x)\lim_{n\to\infty}f_{n}(x)=f(x) para todo xXx\in X. Se (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu) é um espaço de medida, escrevemos fnff_{n}\to f q. s. quando a seqüência (fn)n1(f_{n})_{n\geq 1} converge para ff pontualmente quase sempre, i.e., se existe X𝒜X^{\prime}\in\mathcal{A} tal que μ(XX)=0\mu(X\setminus X^{\prime})=0 e tal que limnfn(x)=f(x)\lim_{n\to\infty}f_{n}(x)=f(x) para todo xXx\in X^{\prime}.

2.5.4 Teorema (da convergência dominada).

Seja (fn)n1(f_{n})_{n\geq 1} uma seqüência de funções mensuráveis fn:X¯f_{n}:X\to\overline{\mathds{R}} tal que fnff_{n}\to f q. s., onde f:X¯f:X\to\overline{\mathds{R}} é uma função mensurável. Se existe uma função integrável ϕ:X[0,+]\phi:X\to[0,+\infty] tal que |fn|ϕ|f_{n}|\leq\phi q. s. para todo n1n\geq 1 então fnf_{n} é integrável para todo n1n\geq 1, ff é integrável e:

limnXfndμ=Xfdμ.\lim_{n\to\infty}\int_{X}f_{n}\,\mathrm{d}\mu=\int_{X}f\,\mathrm{d}\mu.
Demonstração.

A integrabilidade das funções fnf_{n}, ff segue das desigualdades |fn|ϕ|f_{n}|\leq\phi q. s. e |f|ϕ|f|\leq\phi q. s. e do resultado do Exercício 2.20. Como ϕfnϕ-\phi\leq f_{n}\leq\phi q. s. para todo n1n\geq 1 e Xϕdμ\int_{X}\phi\,\mathrm{d}\mu\in\mathds{R}, estamos dentro das hipóteses de ambos os itens da Proposição 2.5.2 e portanto:

Xfdμ=Xlim infnfndμlim infnXfndμlim supnXfndμXlim supnfndμ=Xfdμ.\int_{X}f\,\mathrm{d}\mu=\int_{X}\liminf_{n\to\infty}f_{n}\,\mathrm{d}\mu\leq% \liminf_{n\to\infty}\int_{X}f_{n}\,\mathrm{d}\mu\leq\limsup_{n\to\infty}\int_{% X}f_{n}\,\mathrm{d}\mu\\ \leq\int_{X}\limsup_{n\to\infty}f_{n}\,\mathrm{d}\mu=\int_{X}f\,\mathrm{d}\mu.

Logo limnXfndμ=Xfdμ\lim_{n\to\infty}\int_{X}f_{n}\,\mathrm{d}\mu=\int_{X}f\,\mathrm{d}\mu. ∎

2.5.5 Proposição.

Sejam YY um subconjunto de n\mathds{R}^{n}, y0ny_{0}\in\mathds{R}^{n} um ponto de acumulação de YY e f:X×Yf:X\times Y\to\mathds{R} uma função tal que:

  • para todo yYy\in Y, a função Xxf(x,y)X\ni x\mapsto f(x,y)\in\mathds{R} é integrável;

  • para todo xXx\in X o limite limyy0f(x,y)\lim_{y\to y_{0}}f(x,y) existe em \mathds{R};

  • existe uma função integrável ϕ:X\phi:X\to\mathds{R} e uma vizinhança VV de y0y_{0} em n\mathds{R}^{n} tal que |f(x,y)|ϕ(x)|f(x,y)|\leq\phi(x), para todo xXx\in X e todo yVYy\in V\cap Y com yy0y\neq y_{0}.

Então, a função Xxlimyy0f(x,y)X\ni x\mapsto\lim_{y\to y_{0}}f(x,y)\in\mathds{R} é integrável, o limite limyy0Xf(x,y)dμ(x)\lim_{y\to y_{0}}\int_{X}f(x,y)\,\mathrm{d}\mu(x) existe e:

limyy0Xf(x,y)dμ(x)=Xlimyy0f(x,y)dμ(x).\lim_{y\to y_{0}}\int_{X}f(x,y)\,\mathrm{d}\mu(x)=\int_{X}\lim_{y\to y_{0}}f(x% ,y)\,\mathrm{d}\mu(x).
Demonstração.

Considere a aplicação g:Yg:Y\to\mathds{R} definida por:

g(y)=Xf(x,y)dμ(x),g(y)=\int_{X}f(x,y)\,\mathrm{d}\mu(x),

para todo yYy\in Y e a aplicação h:Xh:X\to\mathds{R} definida por:

h(x)=limyy0f(x,y),h(x)=\lim_{y\to y_{0}}f(x,y),

para todo xXx\in X. Devemos mostrar que hh é integrável e que o limite limyy0g(y)\lim_{y\to y_{0}}g(y) existe e é igual à integral de hh. Seja (yn)n1(y_{n})_{n\geq 1} uma seqüência em YY com yny0y_{n}\neq y_{0} para todo n1n\geq 1 e limnyn=y0\lim_{n\to\infty}y_{n}=y_{0}. Para cada n1n\geq 1, considere a função fn:Xf_{n}:X\to\mathds{R} definida por fn(x)=f(x,yn)f_{n}(x)=f(x,y_{n}), para todo xXx\in X. Temos que fnf_{n} é integrável, para todo n1n\geq 1 e que fnhf_{n}\to h. Para nn suficientemente grande temos ynVy_{n}\in V e portanto |fn|ϕ|f_{n}|\leq\phi. Segue do Teorema 2.5.4 que hh é integrável e que:

Xhdμ=limnXfndμ=limng(yn).\int_{X}h\,\mathrm{d}\mu=\lim_{n\to\infty}\int_{X}f_{n}\,\mathrm{d}\mu=\lim_{n% \to\infty}g(y_{n}).

Como (yn)n1(y_{n})_{n\geq 1} é uma seqüência arbitrária em Y{y0}Y\setminus\{y_{0}\} convergindo para y0y_{0}, segue que limyy0g(y)=Xhdμ\lim_{y\to y_{0}}g(y)=\int_{X}h\,\mathrm{d}\mu. ∎

2.5.6 Corolário.

Seja YY um subconjunto de n\mathds{R}^{n}, y0y_{0} um ponto de YY e f:X×Yf:X\times Y\to\mathds{R} uma função tal que:

  • para todo yYy\in Y, a função Xxf(x,y)X\ni x\mapsto f(x,y)\in\mathds{R} é integrável;

  • para todo xXx\in X, a função Yyf(x,y)Y\ni y\mapsto f(x,y)\in\mathds{R} é contínua no ponto y0y_{0};

  • existe uma função integrável ϕ:X\phi:X\to\mathds{R} e uma vizinhança VV de y0y_{0} em n\mathds{R}^{n} tal que |f(x,y)|ϕ(x)|f(x,y)|\leq\phi(x), para todo xXx\in X e todo yVYy\in V\cap Y com yy0y\neq y_{0}.

Então, a função YyXf(x,y)dμ(x)Y\ni y\mapsto\int_{X}f(x,y)\,\mathrm{d}\mu(x)\in\mathds{R} é contínua no ponto y0y_{0}.

Demonstração.

Se y0y_{0} é um ponto isolado de YY então não há nada para ser mostrado, já que toda função é contínua em pontos isolados de seu domínio. Se y0y_{0} é um ponto de acumulação de YY, a Proposição 2.5.5 nos dá:

limyy0Xf(x,y)dμ(x)=Xlimyy0f(x,y)dμ(x)=Xf(x,y0)dμ(x),\lim_{y\to y_{0}}\int_{X}f(x,y)\,\mathrm{d}\mu(x)=\int_{X}\lim_{y\to y_{0}}f(x% ,y)\,\mathrm{d}\mu(x)=\int_{X}f(x,y_{0})\,\mathrm{d}\mu(x),

o que completa a demonstração. ∎

2.5.7 Proposição.

Sejam II\subset\mathds{R} um intervalo com mais de um ponto, y0y_{0} um ponto de II e f:X×If:X\times I\to\mathds{R} uma função tal que:

  • para todo yIy\in I, a função Xxf(x,y)X\ni x\mapsto f(x,y)\in\mathds{R} é integrável;

  • para todo xXx\in X, a função Iyf(x,y)I\ni y\mapsto f(x,y)\in\mathds{R} é derivável;

  • existe uma função integrável ϕ:X\phi:X\to\mathds{R} e ε>0\varepsilon>0 tal que:

    |fy(x,y)|ϕ(x),\Big{|}\frac{\partial f}{\partial y}(x,y)\Big{|}\leq\phi(x),

    para todo xXx\in X e todo yI]y0ε,y0+ε[y\in I\cap\left]y_{0}-\varepsilon,y_{0}+\varepsilon\right[ com yy0y\neq y_{0}.

Então a função IyXf(x,y)dμ(x)I\ni y\mapsto\int_{X}f(x,y)\,\mathrm{d}\mu(x)\in\mathds{R} é derivável no ponto y0y_{0}, a função Xxfy(x,y0)X\ni x\mapsto\frac{\partial f}{\partial y}(x,y_{0})\in\mathds{R} é integrável e:

ddy|y=y0Xf(x,y)dμ(x)=Xfy(x,y0)dμ(x).\frac{\mathrm{d}}{\mathrm{d}y}\Big{|}_{y=y_{0}}\int_{X}f(x,y)\,\mathrm{d}\mu(x% )=\int_{X}\frac{\partial f}{\partial y}(x,y_{0})\,\mathrm{d}\mu(x).
Demonstração.

Considere a função g:Ig:I\to\mathds{R} definida por:

g(x,y)=Xf(x,y)dμ(x),g(x,y)=\int_{X}f(x,y)\,\mathrm{d}\mu(x),

para todo yIy\in I. Dado h0h\neq 0 com y0+hIy_{0}+h\in I então:

g(y0+h)g(y0)h=Xf(x,y0+h)f(x,y0)hdμ(x).\frac{g(y_{0}+h)-g(y_{0})}{h}=\int_{X}\frac{f(x,y_{0}+h)-f(x,y_{0})}{h}\,% \mathrm{d}\mu(x). (2.5.3)

Obviamente:

limh0f(x,y0+h)f(x,y0)h=fy(x,y0),\lim_{h\to 0}\frac{f(x,y_{0}+h)-f(x,y_{0})}{h}=\frac{\partial f}{\partial y}(x% ,y_{0}), (2.5.4)

para todo xXx\in X. Se h0h\neq 0, y0+hIy_{0}+h\in I e |h|ε|h|\leq\varepsilon então o Teorema do Valor Médio nos dá:

|f(x,y0+h)f(x,y0)h|=|fy(x,y0+θh)|ϕ(x),\Big{|}\frac{f(x,y_{0}+h)-f(x,y_{0})}{h}\Big{|}=\Big{|}\frac{\partial f}{% \partial y}(x,y_{0}+\theta h)\Big{|}\leq\phi(x), (2.5.5)

onde θ]0,1[\theta\in\left]0,1\right[. A conclusão segue da Proposição 2.5.5 e de (2.5.4) e (2.5.5), fazendo h0h\to 0 em (2.5.3). ∎