2.4. Definição da Integral: o Caso Geral
Ao longo de toda esta seção consideramos fixado um espaço de medida . Dada uma função mensurável arbitrária então, como vimos no Lema 2.1.21, temos , onde a parte positiva e a parte negativa de são funções mensuráveis não negativas definidas em . Obviamente, se já é não negativa então e , de modo que . Em vista dessa observação, introduzimos a seguinte:
2.4.1 Definição.
Diremos que uma função é quase integrável quando for mensurável e a diferença estiver bem-definida, ou seja, quando ou ; nesse caso, definimos a integral de fazendo:
Quando é quase integrável e (ou seja, se e ) então dizemos que a função é integrável.
Como na Seção 2.3, introduzimos também a notação alternativa:
para a integral de . Também, se e se é uma função a valores em cujo domínio contém então dizemos que é quase integrável em (resp., integrável em ) se a função for quase integrável (resp., integrável) com respeito à medida ; quando for quase integrável em , a integral de com respeito à medida será denotada por:
2.4.2 Convenção.
Seja um subconjunto Lebesgue mensurável de e seja uma função mensurável; como sempre (recorde Convenções 2.1.3 e 2.1.11) assumimos que é munido da -álgebra constituída pelos subconjuntos Lebesgue mensuráveis de que estão contidos em . Nesse contexto, a menos de menção explícita em contrário, quando usamos os adjetivos quase integrável e integrável, subentendemos que a -álgebra é munida da (restrição da) medida de Lebesgue . Quando for necessário enfatizar essa convenção, diremos também que é Lebesgue quase integrável ou Lebesgue integrável, dependendo do caso.
2.4.3 Definição.
Se é um subconjunto Lebesgue mensurável de e se é uma função quase integrável então a integral de com respeito à (restrição à ) da medida de Lebesgue será chamada a integral de Lebesgue de e será denotada (seguindo as notações anteriormente introduzidas) por ou por .
2.4.4 Notação.
Seja uma função definida num intervalo . Dados com então, se for quase integrável no intervalo , denotamos por:
a integral de Lebesgue de . Se e se é quase integrável em então escrevemos:
Se , é ilimitado à direita e é quase integrável em então denotamos por:
a integral de Lebesgue de ; escrevemos também:
Similarmente, se , é ilimitado à esquerda e é quase integrável em então denotamos por:
a integral de Lebesgue de ; escrevemos também:
Claramente a restrição de ao intervalo degenerado é uma função simples integrável e:
2.4.5 Lema.
Seja uma função e seja . Então é quase integrável se e somente se é quase integrável; nesse caso:
Demonstração.
2.4.6 Lema.
Sejam , funções mensuráveis não negativas tais que a diferença esteja bem-definida (i.e., não existe com ). Então existe uma função mensurável não negativa tal que e .
Demonstração.
2.4.7 Proposição.
Sejam , funções quase integráveis e seja .
-
(a)
Se as somas e estiverem bem-definidas então a função é quase integrável e .
-
(b)
A função é quase integrável e .
Demonstração.
Temos:
pelo Lema 2.4.6 existe uma função mensurável tal que:
O Lema 2.3.6 nos dá:
(2.4.1) | |||
(2.4.2) |
Por definição temos:
A quase integrabilidade das funções e juntamente com o fato que a soma está bem definida implicam que o lado esquerdo de pelo menos uma das igualdades (2.4.1) e (2.4.2) é finito. Isso implica que a integral de é finita e que pelo menos uma das integrais , é finita, i.e., é quase integrável. A demonstração do item (a) é obtida então subtraindo a igualdade (2.4.2) da igualdade (2.4.1).
Para demonstrar o item (b), consideramos primeiramente o caso que . Nesse caso, usando o Lema 2.3.6, temos:
Isso mostra que é quase integrável e . Se temos:
o que completa a demonstração do item (b). ∎
2.4.8 Lema.
Sejam , funções quase integráveis. Se então .
Demonstração.
Verifica-se facilmente que e , donde, pelo Lema 2.3.2:
A conclusão é obtida subtraindo as duas desigualdades acima. ∎
2.4.9 Lema.
Dada uma função , temos:
-
(a)
se é quase integrável então também é quase integrável para todo ;
-
(b)
se são conjuntos dois a dois disjuntos tais que , é quase integrável para e tais que a soma:
(2.4.3)está bem definida então é quase integrável e é igual à soma (2.4.3).
Demonstração.
2.4.10 Lema.
Se então para toda função mensurável .
Demonstração.
Se é uma função simples mensurável então , já que , para todo . Daí, se é não negativa então , já que para toda função simples mensurável não negativa . Finalmente, se é uma função mensurável arbitrária então e portanto . ∎
2.4.11 Corolário.
Se é tal que então uma função mensurável é quase integrável se e somente se é quase integrável e nesse caso .
A seguinte terminologia é extremamente conveniente:
2.4.12 Definição.
Dizemos que uma propriedade referente a pontos do espaço de medida é válida quase sempre (ou em quase todo ponto de ) se existe um conjunto tal que e tal que a propriedade é válida em todos os pontos de . Dizemos também que a propriedade é satisfeita q. s. (ou -q. s.).
2.4.13 Corolário.
Sejam , funções mensuráveis. Se quase sempre então é quase integrável se e somente se é quase integrável e, nesse caso, .
Demonstração.
Por hipótese existe tal que e . A conclusão segue do Corolário 2.4.11, já que: