2.6. Riemann x Lebesgue

No que segue usaremos sistematicamente a terminologia e notação introduzidas nas Definições 1.3.1 e 1.3.2. Introduzimos mais alguma terminologia sobre partições e blocos.

2.6.1 Definição.

Seja BB um bloco retangular nn-dimensional tal que |B|>0|B|>0 e seja P=(P1,,Pn)P=(P_{1},\ldots,P_{n}) uma partição do bloco BB. Uma partição Q=(Q1,,Qn)Q=(Q_{1},\ldots,Q_{n}) de BB é dita um refinamento de PP se QiPiQ_{i}\supset P_{i}, para i=1,,ni=1,\ldots,n. A norma da partição PP, denotada por P\|P\|, é definida como o máximo dos diâmetros dos sub-blocos de BB determinados por PP.

Claramente se uma partição QQ refina uma partição PP então todo sub-bloco de BB determinado por QQ está contido em algum sub-bloco de BB determinado por PP.

No que segue, consideramos fixado um bloco retangular nn-dimensional BB com |B|>0|B|>0 e uma função limitada f:Bf:B\to\mathds{R}.

2.6.2 Definição.

Se PP é uma partição de BB então a soma inferior de Riemann de ff com respeito a PP é definida por:

s(f;P)=𝔟P¯inff(𝔟)|𝔟|,s(f;P)=\sum_{\mathfrak{b}\in\overline{P}}\inf f(\mathfrak{b})\,|\mathfrak{b}|,

e a soma superior de Riemann de ff com respeito a PP é definida por:

S(f;P)=𝔟P¯supf(𝔟)|𝔟|.S(f;P)=\sum_{\mathfrak{b}\in\overline{P}}\sup f(\mathfrak{b})\,|\mathfrak{b}|.

Obviamente:

s(f;P)S(f;P),s(f;P)\leq S(f;P), (2.6.1)

para toda partição PP de BB.

Nós consideramos as seguintes funções mP:Bm_{P}:B\to\mathds{R}, MP:BM_{P}:B\to\mathds{R} associadas a uma partição PP de BB:

mP=𝔟P¯inff(𝔟)χint(𝔟),MP=𝔟P¯supf(𝔟)χint(𝔟).m_{P}=\sum_{\mathfrak{b}\in\overline{P}}\inf f(\mathfrak{b})\,\chi_{\lower 2.0% pt\hbox{$\scriptstyle\mathrm{int}(\mathfrak{b})$}},\quad M_{P}=\sum_{\mathfrak% {b}\in\overline{P}}\sup f(\mathfrak{b})\,\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle% \mathrm{int}(\mathfrak{b})$}}.

Mais explicitamente, dado xBx\in B, se xx pertence ao interior de algum sub-bloco 𝔟\mathfrak{b} de BB determinado por PP então o valor da função mPm_{P} (resp., da função MPM_{P}) no ponto xx é igual ao ínfimo (resp., o supremo) de ff no bloco 𝔟\mathfrak{b}; se xx pertence à fronteira de algum sub-bloco de BB determinado por PP então mP(x)=MP(x)=0m_{P}(x)=M_{P}(x)=0. Obviamente mPm_{P} e MPM_{P} são funções simples Lebesgue integráveis e:

BmPd𝔪=s(f;P),BMPd𝔪=S(f;P),\int_{B}m_{P}\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=s(f;P),\quad\int_{B}M_{P}\,\mathrm{d}% \mathfrak{m}=S(f;P), (2.6.2)

já que 𝔪(int(𝔟))=𝔪(𝔟)=|𝔟|\mathfrak{m}\big{(}\mathrm{int}(\mathfrak{b})\big{)}=\mathfrak{m}(\mathfrak{b}% )=|\mathfrak{b}|, para todo 𝔟P¯\mathfrak{b}\in\overline{P} (vide Corolário 1.4.8). Temos:

inff(B)mP(x)f(x)MP(x)supf(B),para todox𝔟P¯int(𝔟);\inf f(B)\leq m_{P}(x)\leq f(x)\leq M_{P}(x)\leq\sup f(B),\\ \text{para todo}\ x\in\bigcup_{\mathfrak{b}\in\overline{P}}\mathrm{int}(% \mathfrak{b}); (2.6.3)

como a união das fronteiras dos blocos 𝔟P¯\mathfrak{b}\in\overline{P} tem medida nula, segue que as desigualdades em (2.6.3) valem para quase todo xBx\in B. Se QQ é uma partição de BB que refina PP então afirmamos que:

mP(x)mQ(x),MQ(x)MP(x),para todox𝔟Q¯int(𝔟);m_{P}(x)\leq m_{Q}(x),\quad M_{Q}(x)\leq M_{P}(x),\quad\text{para todo}\ x\in% \bigcup_{\mathfrak{b}\in\overline{Q}}\mathrm{int}(\mathfrak{b}); (2.6.4)

de fato, se xint(𝔟)x\in\mathrm{int}(\mathfrak{b}), para algum bloco 𝔟Q¯\mathfrak{b}\in\overline{Q} então 𝔟\mathfrak{b} está contido em algum bloco 𝔟P¯\mathfrak{b}^{\prime}\in\overline{P}, donde int(𝔟)int(𝔟)\mathrm{int}(\mathfrak{b})\subset\mathrm{int}(\mathfrak{b}^{\prime}) e portanto:

mP(x)=inff(𝔟)inff(𝔟)=mQ(x),\displaystyle m_{P}(x)=\inf f(\mathfrak{b}^{\prime})\leq\inf f(\mathfrak{b})=m% _{Q}(x),
MQ(x)=supf(𝔟)supf(𝔟)=MP(x).\displaystyle M_{Q}(x)=\sup f(\mathfrak{b})\leq\sup f(\mathfrak{b}^{\prime})=M% _{P}(x).
2.6.3 Lema.

Dadas partições PP e QQ de BB, se QQ refina PP então:

s(f;P)s(f;Q),S(f;Q)S(f;P).s(f;P)\leq s(f;Q),\quad S(f;Q)\leq S(f;P).
Demonstração.

Note que as desigualdades em (2.6.4) valem para quase todo xBx\in B. Basta então usar integração e as igualdades (2.6.2). ∎

2.6.4 Corolário.

Para quaisquer partições PP e QQ de BB temos:

s(f;P)S(f;Q).s(f;P)\leq S(f;Q).
Demonstração.

Se P=(P1,,Pn)P=(P_{1},\ldots,P_{n}) e Q=(Q1,,Qn)Q=(Q_{1},\ldots,Q_{n}), denotamos por PQP\cup Q a partição de BB dada por PQ=(P1Q1,,PnQn)P\cup Q=(P_{1}\cup Q_{1},\ldots,P_{n}\cup Q_{n}); daí PQP\cup Q refina tanto PP como QQ. Usando o Lema 2.6.3 e a desigualdade (2.6.1) obtemos:

s(f;P)s(f;PQ)S(f;PQ)S(f;Q).s(f;P)\leq s(f;P\cup Q)\leq S(f;P\cup Q)\leq S(f;Q).\qed
2.6.5 Definição.

A integral inferior de Riemann e a integral superior de Riemann de uma função limitada f:Bf:B\to\mathds{R} são definidas respectivamente por:

(R)f=sup{s(f;P):P partição de B},\displaystyle\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int_{-}f=\sup\big{\{}s(f% ;P):\text{$P$ partição de $B$}\big{\}},
(R)f=inf{S(f;P):P partição de B}.\displaystyle\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int^{-}f=\inf\big{\{}S(f% ;P):\text{$P$ partição de $B$}\big{\}}.

Quando a integral inferior e a integral superior de ff coincidem dizemos que ff é Riemann integrável e nesse caso a integral de Riemann de ff é definida por:

(R)f=(R)f=(R)f.\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int f=\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle% (R)$}\!\!\int_{-}f=\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int^{-}f.

Note que o Corolário 2.6.4 implica que:

(R)f(R)f.\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int_{-}f\leq\raise 2.0pt\hbox{$% \scriptstyle(R)$}\!\!\int^{-}f.

Vamos agora determinar condições necessárias e suficientes para que uma função ff seja Riemann integrável e vamos comparar a integral de Riemann de ff com a integral de Lebesgue de ff.

Consideraremos as funções m:Bm:B\to\mathds{R}, M:BM:B\to\mathds{R} definidas por:

m(x)=supδ>0infyBd(y,x)<δf(y),M(x)=infδ>0supyBd(y,x)<δf(y),m(x)=\sup_{\delta>0}\!\inf_{\begin{subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta\end{subarray}}\!\!f(y),\quad M(x)=\inf_{\delta>0}\!\sup_{\begin{% subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta\end{subarray}}\!\!f(y),

para todo xBx\in B. Claramente:

inff(B)m(x)f(x)M(x)supf(B),\inf f(B)\leq m(x)\leq f(x)\leq M(x)\leq\sup f(B), (2.6.5)

para todo xBx\in B.

Temos o seguinte:

2.6.6 Lema.

Dado xBx\in B então m(x)=M(x)m(x)=M(x) se e somente se ff é contínua no ponto xx.

Demonstração.

Suponha que ff é contínua no ponto xx. Dado ε>0\varepsilon>0 então existe δ>0\delta>0 tal que f(x)ε<f(y)<f(x)+εf(x)-\varepsilon<f(y)<f(x)+\varepsilon, para todo yBy\in B com d(y,x)<δd(y,x)<\delta. Daí:

infyBd(y,x)<δf(y)f(x)ε,supyBd(y,x)<δf(y)f(x)+ε,\inf_{\begin{subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta\end{subarray}}\!\!f(y)\geq f(x)-\varepsilon,\quad\sup_{\begin{% subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta\end{subarray}}\!\!f(y)\leq f(x)+\varepsilon,

e portanto:

f(x)εm(x)M(x)f(x)+ε.f(x)-\varepsilon\leq m(x)\leq M(x)\leq f(x)+\varepsilon.

Como ε>0\varepsilon>0 é arbitrário, segue que m(x)=M(x)m(x)=M(x). Reciprocamente, suponha que m(x)=M(x)m(x)=M(x); daí, por (2.6.5), temos m(x)=f(x)=M(x)m(x)=f(x)=M(x). Portanto, para todo ε>0\varepsilon>0, existem δ1,δ2>0\delta_{1},\delta_{2}>0 tais que:

infyBd(y,x)<δ1f(y)>f(x)ε,supyBd(y,x)<δ2f(y)<f(x)+ε.\inf_{\begin{subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta_{1}\end{subarray}}\!\!f(y)>f(x)-\varepsilon,\quad\sup_{\begin{% subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta_{2}\end{subarray}}\!\!f(y)<f(x)+\varepsilon.

Tome δ=min{δ1,δ2}>0\delta=\min\{\delta_{1},\delta_{2}\}>0; daí, para todo yBy\in B com d(y,x)<δd(y,x)<\delta, temos:

f(x)ε<f(y)<f(x)+ε,f(x)-\varepsilon<f(y)<f(x)+\varepsilon,

o que prova que ff é contínua no ponto xx. ∎

Se PP é uma partição de BB, observamos que:

mP(x)m(x),M(x)MP(x),para todox𝔟P¯int(𝔟);m_{P}(x)\leq m(x),\quad M(x)\leq M_{P}(x),\quad\text{para todo}\ x\in\bigcup_{% \mathfrak{b}\in\overline{P}}\mathrm{int}(\mathfrak{b}); (2.6.6)

de fato, basta observar que se xx pertence ao interior de um bloco 𝔟P¯\mathfrak{b}\in\overline{P} então existe δ>0\delta>0 tal que a bola de centro xx e raio δ\delta está contida em 𝔟\mathfrak{b} e portanto:

mP(x)=infy𝔟f(y)infyBd(y,x)<δf(y)m(x),\displaystyle m_{P}(x)=\inf_{y\in\mathfrak{b}}f(y)\leq\!\!\!\inf_{\begin{% subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta\end{subarray}}\!\!f(y)\leq m(x),
M(x)supyBd(y,x)<δf(y)supy𝔟f(y)=MP(x).\displaystyle M(x)\leq\!\!\!\sup_{\begin{subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta\end{subarray}}\!\!f(y)\leq\sup_{y\in\mathfrak{b}}f(y)=M_{P}(x).

Além do mais, temos o seguinte:

2.6.7 Lema.

Se (Pk)k1(P_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência de partições do bloco retangular BB tal que Pk0\|P_{k}\|\to 0 então mPkmm_{P_{k}}\to m q. s. e MPkMM_{P_{k}}\to M q. s..

Demonstração.

Seja AA a união das fronteiras de todos os sub-blocos de BB determinados por todas as partições PkP_{k}; como a quantidade de blocos em questão é enumerável, temos que AA tem medida nula. Seja xBx\in B, xAx\not\in A; vamos mostrar que mPk(x)m(x)m_{P_{k}}(x)\to m(x) e MPk(x)M(x)M_{P_{k}}(x)\to M(x). Seja dado ε>0\varepsilon>0. Temos que existem δ1,δ2>0\delta_{1},\delta_{2}>0 tais que:

infyBd(y,x)<δ1f(y)>m(x)ε,supyBd(y,x)<δ2f(y)<M(x)+ε.\inf_{\begin{subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta_{1}\end{subarray}}\!\!f(y)>m(x)-\varepsilon,\quad\sup_{\begin{% subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta_{2}\end{subarray}}\!\!f(y)<M(x)+\varepsilon.

Seja k0k_{0} tal que Pk<min{δ1,δ2}\|P_{k}\|<\min\{\delta_{1},\delta_{2}\}, para todo kk0k\geq k_{0}. Vamos mostrar que:

mPk(x)>m(x)ε,MPk(x)<M(x)+ε,m_{P_{k}}(x)>m(x)-\varepsilon,\quad M_{P_{k}}(x)<M(x)+\varepsilon, (2.6.7)

para todo kk0k\geq k_{0}. Fixado kk0k\geq k_{0}, seja 𝔟Pk¯\mathfrak{b}\in\overline{P_{k}} tal que xx pertence ao interior de 𝔟\mathfrak{b}. Como o diâmetro de 𝔟\mathfrak{b} é menor que min{δ1,δ2}\min\{\delta_{1},\delta_{2}\}, temos que 𝔟\mathfrak{b} está contido na bola de centro xx e raio δ1\delta_{1} e na bola de centro xx e raio δ2\delta_{2}, de modo que:

mPk(x)=infy𝔟f(y)infyBd(y,x)<δ1f(y)>m(x)ε,\displaystyle m_{P_{k}}(x)=\inf_{y\in\mathfrak{b}}f(y)\geq\!\!\!\inf_{\begin{% subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta_{1}\end{subarray}}\!\!f(y)>m(x)-\varepsilon,
MPk(x)=supy𝔟f(y)supyBd(y,x)<δ2f(y)<M(x)+ε,\displaystyle M_{P_{k}}(x)=\sup_{y\in\mathfrak{b}}f(y)\leq\!\!\!\sup_{\begin{% subarray}{c}y\in B\\ d(y,x)<\delta_{2}\end{subarray}}\!\!f(y)<M(x)+\varepsilon,

provando (2.6.7). Usando (2.6.6) e (2.6.7) concluímos agora que:

m(x)ε<mPk(x)m(x),M(x)MPk(x)<M(x)+ε,m(x)-\varepsilon<m_{P_{k}}(x)\leq m(x),\quad M(x)\leq M_{P_{k}}(x)<M(x)+\varepsilon,

o que completa a demonstração. ∎

2.6.8 Corolário.

As funções mm e MM são Lebesgue integráveis e:

Bmd𝔪=(R)f,BMd𝔪=(R)f.\int_{B}m\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int% _{-}f,\quad\int_{B}M\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R% )$}\!\!\int^{-}f.
Demonstração.

Segue do Lema 2.6.7 e do resultado do item (c) do Exercício 2.8 que as funções mm e MM são mensuráveis. Seja agora (Pk)k1(P_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de partições de BB tal que:

limks(f;Pk)=(R)f.\lim_{k\to\infty}s(f;P_{k})=\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int_{-}f. (2.6.8)

Podemos refinar cada partição PkP_{k} de modo que Pk0\|P_{k}\|\to 0; o Lema 2.6.3 garante que a condição (2.6.8) continua satisfeita. Como o bloco BB tem medida finita, qualquer função constante finita definida em BB é integrável; logo, as desigualdades em (2.6.3) implicam que a seqüência de funções (mPk)k1(m_{P_{k}})_{k\geq 1} satisfaz as hipótese do Teorema da Convergência Dominada. Usando o Lema 2.6.7 e as identidades (2.6.2) obtemos então:

limks(f;Pk)=limkBmPkd𝔪=Bmd𝔪.\lim_{k\to\infty}s(f;P_{k})=\lim_{k\to\infty}\int_{B}m_{P_{k}}\,\mathrm{d}% \mathfrak{m}=\int_{B}m\,\mathrm{d}\mathfrak{m}.

De modo totalmente análogo, mostra-se que a integral de Lebesgue de MM é igual à integral superior de Riemann de ff. ∎

Estamos em condições agora de provar o resultado principal desta seção.

2.6.9 Proposição.

Seja BB um bloco retangular nn-dimensional com |B|>0|B|>0 e seja f:Bf:B\to\mathds{R} uma função limitada. Então:

  • (a)

    ff é Riemann integrável se e somente se o conjunto das descontinuidades de ff tem medida nula;

  • (b)

    se ff é Riemann integrável então ff é Lebesgue integrável e:

    Bfd𝔪=(R)f.\int_{B}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int f.
Demonstração.

Em vista do Corolário 2.6.8, ff é Riemann integrável se e somente se:

Bmd𝔪=BMd𝔪.\int_{B}m\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\int_{B}M\,\mathrm{d}\mathfrak{m}.

Como mMm\leq M, o resultado do Exercício 2.22 implica que ff é Riemann integrável se e somente se M=mM=m quase sempre. O item (a) segue portanto do Lema 2.6.6. Passemos à demonstraçao do item (b). Suponha que ff é Riemann integrável. Então M=mM=m quase sempre e de (2.6.5) segue que m=f=Mm=f=M quase sempre. O resultado do item (b) do Exercício 2.8 implica então que ff é mensurável; além do mais:

Bfd𝔪=Bmd𝔪=(R)f=(R)f.\int_{B}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\int_{B}m\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\raise 2.0% pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int_{-}f=\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!% \!\int f.\qed

2.6.1. A integral imprópria de Riemann

Na Definição 2.6.5 introduzimos a noção de integral de Riemann para funções limitadas definidas em blocos retangulares. A noção de integral de Riemann pode ser estendida para contextos mais gerais, envolvendo funções não limitadas definidas em domínios não limitados. Tais extensões são normalmente conhecidas como integrais impróprias de Riemann e são definidas através de limites de integrais próprias (i.e., integrais de funções limitadas em conjuntos limitados).

2.6.10 Notação.

Seja [a,b][a,b]\subset\mathds{R} um intervalo com a<ba<b. Se ff é uma função a valores reais definida num conjunto que contém [a,b][a,b] e se f|[a,b]f|_{[a,b]} é limitada e Riemann integrável então a integral de Riemann de f|[a,b]f|_{[a,b]} será denotada por:

(R)abf.\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int_{a}^{b}f.
2.6.11 Definição.

Seja f:[a,+[f:\left[a,+\infty\right[\to\mathds{R} uma função tal que para todo u]a,+[u\in\left]a,+\infty\right[, a restrição de ff ao intervalo [a,u][a,u] é limitada e Riemann integrável. A integral imprópria de Riemann de ff é definida por:

(R)a+f=limu(R)auf,\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int_{a}^{+\infty}f=\lim_{u\to\infty}% \raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int_{a}^{u}f,

desde que o limite acima exista em ¯\overline{\mathds{R}}. Quando esse limite é finito, dizemos que a integral imprópria de ff é convergente.

2.6.12 Proposição.

Seja f:[a,+[f:\left[a,+\infty\right[\to\mathds{R} uma função tal que para todo u]a,+[u\in\left]a,+\infty\right[, a restrição de ff ao intervalo [a,u][a,u] é limitada e Riemann integrável. Então ff é mensurável. Além do mais, se ff é Lebesgue quase integrável então a integral imprópria de Riemann de ff existe em ¯\overline{\mathds{R}} e:

(R)a+f=a+fd𝔪.\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int_{a}^{+\infty}f=\int_{a}^{+\infty}% f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}. (2.6.9)
Demonstração.

Seja (un)n1(u_{n})_{n\geq 1} uma seqüência arbitrária em ]a,+[\left]a,+\infty\right[ tal que un+u_{n}\to+\infty. Pela Proposição 2.6.9, a restrição de ff ao intervalo [a,un][a,u_{n}] é Lebesgue integrável e:

aunfd𝔪=(R)aunf,\int_{a}^{u_{n}}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}% \!\!\int_{a}^{u_{n}}f, (2.6.10)

para todo n1n\geq 1. Obviamente:

limnfχ[a,un]=f;\lim_{n\to\infty}f\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle[a,u_{n}]$}}=f;

como fχ[a,un]f\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle[a,u_{n}]$}} é mensurável para todo n1n\geq 1, concluímos que ff é mensurável. Em vista de (2.6.10), para mostrar (2.6.9), é suficiente mostrar que:

limnaunfd𝔪=a+fd𝔪,\lim_{n\to\infty}\int_{a}^{u_{n}}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\int_{a}^{+\infty}f% \,\mathrm{d}\mathfrak{m}, (2.6.11)

para toda seqüência (un)n1(u_{n})_{n\geq 1} em ]a,+[\left]a,+\infty\right[ com un+u_{n}\to+\infty. Verifiquemos (2.6.11) primeiramente no caso em que ff é não negativa. Pelo Lema de Fatou, temos:

a+fd𝔪=a+lim infnfχ[a,un]d𝔪lim infna+fχ[a,un]d𝔪=lim infnaunfd𝔪.\int_{a}^{+\infty}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\int_{a}^{+\infty}\liminf_{n\to% \infty}f\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle[a,u_{n}]$}}\,\mathrm{d}\mathfrak% {m}\leq\liminf_{n\to\infty}\int_{a}^{+\infty}f\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$% \scriptstyle[a,u_{n}]$}}\,\mathrm{d}\mathfrak{m}\\ =\liminf_{n\to\infty}\int_{a}^{u_{n}}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}.

Por outro lado, aunfd𝔪a+fd𝔪\int_{a}^{u_{n}}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}\leq\int_{a}^{+\infty}f\,\mathrm{d}% \mathfrak{m} para todo n1n\geq 1, donde:

a+fd𝔪lim infnaunfd𝔪lim supnaunfd𝔪a+fd𝔪,\int_{a}^{+\infty}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}\leq\liminf_{n\to\infty}\int_{a}^{u% _{n}}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}\leq\limsup_{n\to\infty}\int_{a}^{u_{n}}f\,% \mathrm{d}\mathfrak{m}\leq\int_{a}^{+\infty}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m},

provando (2.6.11) no caso f0f\geq 0. Em geral, se f:[a,+[f:\left[a,+\infty\right[\to\mathds{R} é uma função quase integrável qualquer então (2.6.11) é satisfeita para f+f^{+} e ff^{-}, ou seja:

limnaunf+d𝔪=a+f+d𝔪,limnaunfd𝔪=a+fd𝔪;\lim_{n\to\infty}\int_{a}^{u_{n}}f^{+}\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\int_{a}^{+% \infty}f^{+}\,\mathrm{d}\mathfrak{m},\quad\lim_{n\to\infty}\int_{a}^{u_{n}}f^{% -}\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\int_{a}^{+\infty}f^{-}\,\mathrm{d}\mathfrak{m};

a conclusão é obtida subtraindo as duas igualdades acima. ∎

Resultados análogos aos da Proposição 2.6.12 podem ser mostrados para outros tipos de integrais impróprias de Riemann (por exemplo, integrais de funções ilimitadas em intervalos limitados). O passo central da demonstração de tais resultados é dado pelo resultado do Exercício 2.29. Note, por exemplo, que o resultado desse exercício pode ser usado para justificar a igualdade (2.6.11) na demonstração da Proposição 2.6.12.

2.6.13 Exemplo.

É possível que uma função f:[a,+[f:\left[a,+\infty\right[\to\mathds{R} admita uma integral imprópria de Riemann convergente mas não seja Lebesgue quase integrável. Considere a função f:[0,+[f:\left[0,+\infty\right[\to\mathds{R} definida por:

f(x)=senxx,f(x)=\frac{\mathrm{sen}\,x}{x},

para x>0x>0 e f(0)=1f(0)=1. Temos que ff é contínua e portanto f|[0,u]f|_{[0,u]} é limitada e Riemann integrável para todo u]0,+[u\in\left]0,+\infty\right[. Temos que ff se anula nos pontos kπk\pi, com kk inteiro positivo, ff é positiva nos intervalos da forma ]kπ,(k+1)π[\left]k\pi,(k+1)\pi\right[ com kk inteiro positivo par e ff é negativa nos intervalos da forma ]kπ,(k+1)π[\left]k\pi,(k+1)\pi\right[ com kk inteiro positivo ímpar. Para cada inteiro k0k\geq 0, seja:

ak=kπ(k+1)π|f|d𝔪0.a_{k}=\int_{k\pi}^{(k+1)\pi}|f|\,\mathrm{d}\mathfrak{m}\geq 0.

Em vista do resultado do Exercício 2.14 temos:

0+f+d𝔪=k=0k parak,0+fd𝔪=k=1k ímparak.\int_{0}^{+\infty}f^{+}\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\sum_{\begin{subarray}{c}k=0\\ \text{$k$ par}\end{subarray}}^{\infty}a_{k},\quad\int_{0}^{+\infty}f^{-}\,% \mathrm{d}\mathfrak{m}=\sum_{\begin{subarray}{c}k=1\\ \text{$k$ ímpar}\end{subarray}}^{\infty}a_{k}. (2.6.12)

Além do mais:

0nπfd𝔪=k=0n1(1)kak,\int_{0}^{n\pi}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\sum_{k=0}^{n-1}(-1)^{k}a_{k},

e portanto:

limn0nπfd𝔪=limnk=0n1(1)kak=k=0(1)kak.\lim_{n\to\infty}\int_{0}^{n\pi}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\lim_{n\to\infty}% \sum_{k=0}^{n-1}(-1)^{k}a_{k}=\sum_{k=0}^{\infty}(-1)^{k}a_{k}.

Façamos algumas estimativas sobre os números aka_{k}. Para x[kπ,(k+1)π]x\in[k\pi,(k+1)\pi], temos |senxx|1kπ\big{|}\frac{\mathrm{sen}\,x}{x}\big{|}\leq\frac{1}{k\pi} e portanto:

ak1kπ((k+1)πkπ)=1k,a_{k}\leq\frac{1}{k\pi}\big{(}(k+1)\pi-k\pi\big{)}=\frac{1}{k},

para todo k1k\geq 1. Segue que ak0a_{k}\to 0. Vamos mostrar que a seqüência (ak)k0(a_{k})_{k\geq 0} é decrescente. Temos:

ak+1=(k+1)π(k+2)π|senxx|d𝔪(x)=kπ(k+1)π|sen(x+π)x+π|d𝔪(x)=kπ(k+1)π|senxx+π|d𝔪(x)kπ(k+1)π|senxx|d𝔪(x)=ak;a_{k+1}=\int_{(k+1)\pi}^{(k+2)\pi}\Big{|}\frac{\mathrm{sen}\,x}{x}\Big{|}\,% \mathrm{d}\mathfrak{m}(x)=\int_{k\pi}^{(k+1)\pi}\Big{|}\frac{\mathrm{sen}(x+% \pi)}{x+\pi}\Big{|}\,\mathrm{d}\mathfrak{m}(x)\\ =\int_{k\pi}^{(k+1)\pi}\Big{|}\frac{\mathrm{sen}\,x}{x+\pi}\Big{|}\,\mathrm{d}% \mathfrak{m}(x)\leq\int_{k\pi}^{(k+1)\pi}\Big{|}\frac{\mathrm{sen}\,x}{x}\Big{% |}\,\mathrm{d}\mathfrak{m}(x)=a_{k};

a segunda igualdade acima pode ser justificada fazendo a mudança de variável y=xπy=x-\pi na integral de Riemann (R)(k+1)π(k+2)π|senxx|dx\raise 2.0pt\hbox{$\scriptscriptstyle(R)$}\!\int_{(k+1)\pi}^{(k+2)\pi}\big{|}% \frac{\mathrm{sen}\,x}{x}\big{|}\,\mathrm{d}x ou utilizando o resultado do Exercício 2.16 e o fato que a função xx+πx\mapsto x+\pi preserva medida (veja Lema 1.4.10 e Definição 2.1). Como a seqüência (ak)k0(a_{k})_{k\geq 0} é decrescente e tende a zero, segue do critério de Dirichlet (ou critério da série alternada) que a série k=0(1)kak\sum_{k=0}^{\infty}(-1)^{k}a_{k} converge; defina:

k=0(1)kak=L.\sum_{k=0}^{\infty}(-1)^{k}a_{k}=L\in\mathds{R}.

Vamos mostrar agora que:

limu+0ufd𝔪=L.\lim_{u\to+\infty}\int_{0}^{u}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=L. (2.6.13)

Dado ε>0\varepsilon>0, temos que existe n0n_{0} tal que:

|Lk=0n(1)kak|<ε2,\Big{|}L-\sum_{k=0}^{n}(-1)^{k}a_{k}\Big{|}<\frac{\varepsilon}{2},

para todo nn0n\geq n_{0}. Podemos escolher n0n_{0} também de modo que:

an<ε2,a_{n}<\frac{\varepsilon}{2},

para todo nn0n\geq n_{0}. Dado uu\in\mathds{R}, un0πu\geq n_{0}\pi, seja nn0n\geq n_{0} o maior inteiro tal que nπun\pi\leq u; daí nπu<(n+1)πn\pi\leq u<(n+1)\pi e:

0ufd𝔪=0(n+1)πfd𝔪u(n+1)πfd𝔪=k=0n(1)kaku(n+1)πfd𝔪.\int_{0}^{u}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\int_{0}^{(n+1)\pi}f\,\mathrm{d}% \mathfrak{m}-\int_{u}^{(n+1)\pi}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=\sum_{k=0}^{n}(-1)^{% k}a_{k}-\int_{u}^{(n+1)\pi}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}.

Daí:

|L0ufd𝔪||Lk=0n(1)kak|+|u(n+1)πfd𝔪||Lk=0n(1)kak|+an<ε,\Big{|}L-\int_{0}^{u}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}\Big{|}\leq\Big{|}L-\sum_{k=0}^{% n}(-1)^{k}a_{k}\Big{|}+\Big{|}\int_{u}^{(n+1)\pi}f\,\mathrm{d}\mathfrak{m}\Big% {|}\\ \leq\Big{|}L-\sum_{k=0}^{n}(-1)^{k}a_{k}\Big{|}+a_{n}<\varepsilon,

para todo un0πu\geq n_{0}\pi. Isso prova (2.6.13). Concluímos então que:

(R)0+f=L.\raise 2.0pt\hbox{$\scriptstyle(R)$}\!\!\int_{0}^{+\infty}f=L\in\mathds{R}.

Vamos agora mostrar que ff não é Lebesgue quase integrável. Para isso, fazemos uma estimativa inferior para os números aka_{k}. Dado um inteiro k0k\geq 0 então, para kπ+π4x(k+1)ππ4k\pi+\frac{\pi}{4}\leq x\leq(k+1)\pi-\frac{\pi}{4} temos:

|senx|22,|senxx|221(k+1)π,|\mathrm{sen}\,x|\geq\frac{\sqrt{2}}{2},\quad\Big{|}\frac{\mathrm{sen}\,x}{x}% \Big{|}\geq\frac{\sqrt{2}}{2}\,\frac{1}{(k+1)\pi},

e portanto:

ak=kπ(k+1)π|f|d𝔪kπ+π4(k+1)ππ4|senxx|d𝔪(x)221(k+1)ππ2.a_{k}=\int_{k\pi}^{(k+1)\pi}|f|\,\mathrm{d}\mathfrak{m}\geq\int_{k\pi+\frac{% \pi}{4}}^{(k+1)\pi-\frac{\pi}{4}}\Big{|}\frac{\mathrm{sen}\,x}{x}\Big{|}\,% \mathrm{d}\mathfrak{m}(x)\geq\frac{\sqrt{2}}{2}\,\frac{1}{(k+1)\pi}\,\frac{\pi% }{2}.

Segue que as séries em (2.6.12) são divergentes e portanto:

0+f+d𝔪=+=0+fd𝔪.\int_{0}^{+\infty}f^{+}\,\mathrm{d}\mathfrak{m}=+\infty=\int_{0}^{+\infty}f^{-% }\,\mathrm{d}\mathfrak{m}.

Logo ff não é Lebesgue quase integrável.

No Exercício 2.32 pedimos ao leitor para computar explicitamente o valor da integral imprópria de Riemann (R)0+f\raise 2.0pt\hbox{$\scriptscriptstyle(R)$}\!\int_{0}^{+\infty}f da função ff do Exemplo 2.6.13.