2.7. Mais sobre Convergência de Seqüências de Funções
Recorde que, dado um conjunto , uma seqüência de funções e uma função , dizemos que converge pontualmente para e escrevemos quando , para todo . Se as funções e tomam valores em , isso significa que para todo e todo , existe (possivelmente dependendo de ) tal que , para todo ; dizemos que converge uniformemente para e escrevemos , se para todo existe tal que , para todo e todo . Alternativamente, temos que converge uniformemente para se:
Obviamente convergência uniforme implica em convergência pontual.
Em teoria da medida, estamos em geral mais interessados em conceitos que desprezem tudo aquilo que ocorre em conjuntos de medida nula. Recorde que se é um espaço de medida e se é uma seqüência de funções , então dizemos que converge para pontualmente quase sempre e escrevemos q. s. quando existe tal que e , para todo . Precisamos agora de uma versão da noção de convergência uniforme que ignore conjuntos de medida nula. Temos a seguinte:
2.7.1 Definição.
Sejam um espaço de medida, uma seqüência de funções e uma função. Dizemos que converge para uniformemente quase sempre e escrevemos q. s. se existe tal que e tal que .
Evidentemente, convergência uniforme quase sempre implica em convergência pontual quase sempre.
2.7.2 Exemplo.
Seja uma seqüência de subconjuntos de de medida nula e seja a seqüência de funções definida por , para todo . Temos que converge uniformemente quase sempre para a função nula. De fato, tomando então tem medida nula e todas as funções são identicamente nulas no complementar de .
2.7.3 Exemplo.
Seja a seqüência de funções definida por , para todo e todo . Temos que converge pontualmente para a função . Vamos determinar para quais subconjuntos de tem-se . Temos:
Daí, se não está contido em , temos:
Logo se e somente se não é um ponto de acumulação do conjunto . Concluímos que não é o caso que converge uniformemente quase sempre para ; de fato, se é tal que então contém um intervalo da forma , , e em particular o conjunto não tem medida nula. Note, no entanto, que para todo a seqüência converge uniformemente para em .
Os Exemplos 2.7.2 e 2.7.3 ilustram que a definição de convergência uniforme quase sempre não é tão interessante. A seguinte definição é mais interessante.
2.7.4 Definição.
Sejam um espaço de medida, uma seqüência de funções e uma função. Dizemos que converge para quase uniformemente e escrevemos se para todo existe tal que e .
Evidentemente, convergência uniforme quase sempre implica em convergência quase uniforme.
2.7.5 Exemplo.
A seqüência do Exemplo 2.7.3 converge quase uniformemente para , mas não converge uniformemente quase sempre.
2.7.6 Lema.
Sejam um espaço de medida, uma seqüência de funções e uma função. Se então pontualmente quase sempre.
Demonstração.
Para todo , existe mensurável com tal que converge uniformemente para em . Daí para todo ; mas:
e obviamente . Logo converge para pontualmente quase sempre. ∎
Para espaços de medida finita, temos o surpreendente fato de que a recíproca do Lema 2.7.6 é válida.
2.7.7 Teorema (Egoroff).
Seja um espaço de medida e sejam uma seqüência de funções mensuráveis e uma função mensurável. Se e pontualmente quase sempre então .
Demonstração.
Se é tal que então para todo existe tal que , para todo ; em outras palavras, para todo , pertence ao conjunto:
Como q. s., vemos que o complementar de (2.7.1) tem medida nula, para todo ; esse complementar é igual a:
Temos que a seqüência de conjuntos (indexada em ) é decrescente e portanto, como , temos (Lema 1.4.48):
Seja fixado. De (2.7.2), segue que para cada podemos encontrar tal que , onde:
Seja ; temos . Afirmamos que converge uniformemente para em . De fato, para todo e todo temos que , o que significa que , para todo . Isso completa a demonstração. ∎
2.7.8 Exemplo.
Seja a seqüência de funções definida por:
para todo e todo . Temos que converge pontualmente para a função nula. Dado , então:
donde converge uniformemente para a função nula em se e somente se o conjunto é limitado. Mas se tem medida finita então não pode ser limitado, pois se é limitado então contém um intervalo ilimitado. Logo não é o caso que , embora pontualmente. Note que não temos uma contradição com o Teorema 2.7.7, já que não tem medida finita.
2.7.9 Definição.
Sejam um espaço de medida, uma seqüência de funções mensuráveis e uma função mensurável. Dizemos que converge para em medida e escrevemos se para todo temos:
2.7.10 Lema.
Sejam um espaço de medida, uma seqüência de funções mensuráveis e uma função mensurável. Se então .
Demonstração.
Seja dado e provemos (2.7.3). Como , para todo dado, existe um conjunto mensurável com tal que converge uniformemente para em ; daí, existe tal que , para todo e todo . Temos então:
para todo , donde:
para todo . Isso completa a demonstração. ∎
2.7.11 Exemplo.
A recíproca do Lema 2.7.10 não é verdadeira; na verdade, convergência em medida não implica sequer convergência pontual quase sempre. De fato, seja uma seqüência de intervalos contidos em de modo que:
-
•
;
-
•
para todo , existem infinitos índices com e infinitos índices com .
Por exemplo, uma possível seqüência é:
Seja a seqüência de funções definida por , para todo . Afirmamos que converge em medida para a função nula. De fato, fixado então:
e . Logo . No entanto, para todo , temos que a seqüência possui uma subseqüência constante e igual a zero e uma subseqüência constante e igual a ; logo não converge para nenhum ponto .
A recíproca do Lema 2.7.10 não vale, mas temos o seguinte:
2.7.12 Lema.
Sejam um espaço de medida, uma seqüência de funções mensuráveis e uma função mensurável. Se então existe uma subseqüência de tal que ; em particular, pelo Lema 2.7.6, q. s..
Demonstração.
Vamos contruir indutivamente uma seqüência de índices tal que e tal que:
para todo . Como , podemos escolher tal que:
supondo já definido, podemos escolher tal que:
Obtemos assim a seqüência com as propriedades desejadas. Vamos mostrar que . Dado , devemos encontrar um conjunto mensurável de medida menor que , de modo que converge uniformemente para em . Seja de modo que:
e tome:
daí . Para e , temos e portanto:
para todo . Segue então que converge uniformemente para em . ∎
A cada uma das noções de convergência que consideramos até agora está associada uma correspondente noção de seqüência de Cauchy. Enunciamos a seguinte:
2.7.13 Definição.
Seja um conjunto e uma seqüência de funções . Dizemos que:
-
•
a seqüência é pontualmente de Cauchy se para todo a seqüência é de Cauchy em ;
-
•
a seqüência é uniformemente de Cauchy se para todo existe tal que , para todos e todo .
Se é um espaço de medida, dizemos que:
-
•
a seqüência é pontualmente de Cauchy quase sempre se para quase todo a seqüência é de Cauchy em , i.e., se existe com tal que é de Cauchy em para todo ;
-
•
a seqüência é uniformemente de Cauchy quase sempre se existe tal que e tal que a seqüência é uniformemente de Cauchy;
-
•
a seqüência é quase uniformemente de Cauchy se para todo existe com de modo que a seqüência é uniformemente de Cauchy.
Supondo também que as funções são todas mensuráveis, dizemos que a seqüência é de Cauchy em medida se para todo e todo , existe tal que:
para todos .
Evidentemente, toda seqüência uniformemente de Cauchy (resp., quase sempre) é pontualmente de Cauchy (resp., quase sempre) e toda seqüência pontualmente convergente (resp., quase sempre) é pontualmente de Cauchy (resp., quase sempre). Além do mais, se é uma seqüência pontualmente de Cauchy então existe uma (única) função tal que pontualmente. Outras propriedades simples dos vários tipos de seqüências de Cauchy definidos acima são exploradas nos Exercícios 2.34, 2.35, 2.36, 2.37, 2.38, 2.39.
Temos a seguinte versão do Lema 2.7.12 para seqüências de Cauchy.
2.7.14 Lema.
Sejam um espaço de medida e uma seqüência de funções mensuráveis que seja de Cauchy em medida. Então existe uma subseqüência de que é quase uniformemente de Cauchy; em particular, pelo resultado dos Exercícios 2.34, 2.35 e 2.36, converge quase uniformemente (e também converge pontualmente quase sempre) para uma função mensurável .
Demonstração.
Vamos contruir indutivamente uma seqüência de índices tal que e tal que:
para todo . Como é de Cauchy em medida, podemos escolher tal que:
para todos . Supondo já definido, escolhemos tal que:
para todos . É fácil ver que a seqüência assim construída satisfaz (2.7.4), para todo . Vamos mostrar que a seqüência é quase uniformemente de Cauchy. Seja dado ; escolha com:
e defina:
Claramente, . Vamos mostrar que a seqüência é uniformemente de Cauchy em . Se então:
para todo . Daí, se , temos:
para todo . Conclui-se então que a seqüência é uniformemente de Cauchy em ; de fato, dado , escolhemos com e daí:
para todo e todos . ∎
2.7.15 Corolário.
Toda seqüência de Cauchy em medida de funções mensuráveis converge em medida para alguma função mensurável.