5.1. Medidas em Classes de Conjuntos

Recorde da Definição 1.4.42 que um espaço de medida consiste de um conjunto XX, de uma σ\sigma-álgebra 𝒜\mathcal{A} de partes de XX e de uma medida μ\mu definida nessa σ\sigma-álgebra. Uma σ\sigma-álgebra de partes de XX é uma coleção de subconjuntos de XX que inclui o próprio conjunto XX e que é fechada por todas as operações conjuntistas, desde que realizadas apenas uma quantidade enumerável de vezes (veja Definição 1.4.32 e Observação 1.4.33). Espaços de medida são ambientes confortáveis para o desenvolvimento de uma teoria de integração (veja Capítulo 2) justamente porque a classe dos conjuntos mensuráveis (i.e., a σ\sigma-álgebra) é fechada pelas várias operações conjuntistas que precisamos fazer durante o desenvolvimento da teoria. Em contra-partida, σ\sigma-álgebras são muitas vezes classes de conjuntos um tanto complexas e não é sempre fácil construir exemplos não triviais de medidas definidas em σ\sigma-álgebras (considere, por exemplo, o trabalho que tivemos na Seção 1.4 para construir a medida de Lebesgue). Nosso objetivo agora é o de mostrar como construir uma medida numa σ\sigma-álgebra a partir de uma medida definida a priori apenas em uma classe de conjuntos mais simples. Começamos então definindo a noção de medida em uma classe de conjuntos arbitrária.

5.1.1 Definição.

Seja 𝒞\mathcal{C} uma classe11 1 Neste texto, as palavras “classe” e “conjunto” têm exatamente o mesmo significado. Observamos que em textos de teoria dos conjuntos e lógica, quando teorias axiomáticas como NBG e KM (vide [1]) são expostas, as palavras “classe” e “conjunto” têm significados diferentes (a saber: uma classe XX é um conjunto quando existe uma classe YY tal que XYX\in Y). de conjuntos tal que o conjunto vazio ∅︀\emptyset pertence a 𝒞\mathcal{C}. Uma medida finitamente aditiva em 𝒞\mathcal{C} é uma função μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] tal que μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0 e tal que, se (Ak)k=1t(A_{k})_{k=1}^{t} é uma seqüência finita de elementos dois a dois disjuntos de 𝒞\mathcal{C} tal que k=1tAk\bigcup_{k=1}^{t}A_{k} também está em 𝒞\mathcal{C}, então:

μ(k=1tAk)=k=1tμ(Ak).\mu\Big{(}\bigcup_{k=1}^{t}A_{k}\Big{)}=\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k}). (5.1.1)

Uma medida em 𝒞\mathcal{C} é uma função μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] tal que μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0 e tal que, se (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de 𝒞\mathcal{C} tal que k=1Ak\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k} também está em 𝒞\mathcal{C}, então:

μ(k=1Ak)=k=1μ(Ak).\mu\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\Big{)}=\sum_{k=1}^{\infty}\mu(A_{k}). (5.1.2)

Claramente toda medida é também uma medida finitamente aditiva; basta tomar Ak=∅︀A_{k}=\emptyset para todo k>tk>t em (5.1.2).

Observe que uma medida finitamente aditiva pode em geral não ser uma medida. A expressão “finitamente aditiva” não deve ser encarada como um adjetivo que está sendo acrescido à palavra “medida”; deve-se pensar na expressão “medida finitamente aditiva” como sendo um substantivo. Para evitar mal-entendidos, usaremos muitas vezes a expressão medida σ\sigma-aditiva como sendo um sinônimo de “medida”, quando queremos enfatizar que não estamos falando apenas de uma medida finitamente aditiva.

5.1.2 Observação.

Alguns comentários de natureza conjuntista: para t=0t=0, a igualdade (5.1.1) é equivalente a μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0, de modo que a condição μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0 na definição de medida finitamente aditiva é redundante se admitirmos t=0t=0 em (5.1.1). A condição (5.1.2), no entanto, não implica μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0 pois essa condição é consistente com μ(A)=+\mu(A)=+\infty, para todo A𝒞A\in\mathcal{C} (veja Exercício 5.1).

Note que se 𝒞\mathcal{C} é uma classe de conjuntos arbitrária então sempre existe um conjunto XX tal que 𝒞(X)\mathcal{C}\subset\wp(X), isto é, tal que todo elemento de 𝒞\mathcal{C} é um subconjunto de XX. De fato, basta tomar X=A𝒞AX=\bigcup_{A\in\mathcal{C}}A.

5.1.3 Observação.

A expressão “classe de conjuntos” usada na Definição 5.1.1 é redundante se entendemos que a teoria dos conjuntos usada no texto está fundamentada por uma teoria axiomática como ZFC, já que em ZFC todo objeto é um conjunto e portanto todo conjunto 𝒞\mathcal{C} é também um conjunto de conjuntos. Na prática, no entanto, alguns objetos (como números naturais ou números reais) não são costumeiramente pensados como conjuntos e por questões didáticas consideramos que seja mais claro na Definição 5.1.1 (e em outras situações similares) enfatizar que 𝒞\mathcal{C} é uma classe de conjuntos.

Muito pouco pode-se provar sobre medidas em classes de conjuntos arbitrárias 𝒞\mathcal{C} (com ∅︀𝒞\emptyset\in\mathcal{C}), pois é bem possível que, a menos de situações triviais, não existam seqüências de elementos dois a dois disjuntos de 𝒞\mathcal{C} cuja união está em 𝒞\mathcal{C}. Em particular, a tese dos Lemas 1.4.46 e 1.4.48 não são em geral satisfeitas para medidas μ\mu em classes de conjuntos arbitrárias, como ilustra o seguinte exemplo.

5.1.4 Exemplo.

Seja ={0,1,2,}\mathds{N}=\{0,1,2,\ldots\} o conjunto dos números naturais e considere a classe de conjuntos 𝒞\mathcal{C} definida por:

𝒞={∅︀,}{{0,1,,n}:n}.\mathcal{C}=\{\emptyset,\mathds{N}\}\cup\big{\{}\{0,1,\ldots,n\}:n\in\mathds{N% }\big{\}}.

Dados A,B𝒞A,B\in\mathcal{C}, se AB=∅︀A\cap B=\emptyset então necessariamente A=∅︀A=\emptyset ou B=∅︀B=\emptyset. Segue que qualquer função μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] com μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0 é uma medida em 𝒞\mathcal{C}. É fácil exibir então medidas em 𝒞\mathcal{C} para as quais as teses dos Lemas 1.4.46 e 1.4.48 não são satisfeitas.

5.1.5 Observação.

Seja 𝒞\mathcal{C} uma classe de conjuntos com ∅︀𝒞\emptyset\in\mathcal{C} e seja μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] uma função tal que μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0. Para verificar que μ\mu é uma medida finitamente aditiva em 𝒞\mathcal{C}, não é suficiente verificar que:

μ(AB)=μ(A)+μ(B),\mu(A\cup B)=\mu(A)+\mu(B), (5.1.3)

para todos A,B𝒞A,B\in\mathcal{C} com AB=∅︀A\cap B=\emptyset e AB𝒞A\cup B\in\mathcal{C} (veja Exercício 5.2). No entanto, se a classe 𝒞\mathcal{C} é fechada por uniões finitas (i.e., se AB𝒞A\cup B\in\mathcal{C}, para todos A,B𝒞A,B\in\mathcal{C}) então evidentemente μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] é uma medida finitamente aditiva se e somente se μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0 e (5.1.3) é satisfeita, para todos A,B𝒞A,B\in\mathcal{C} com AB=∅︀A\cap B=\emptyset e AB𝒞A\cup B\in\mathcal{C}.

Se a classe de conjuntos 𝒞\mathcal{C} onde a medida μ\mu está definida é fechada por diferenças então as patologias observadas no Exemplo 5.1.4 não ocorrem. Esse é o conteúdo do seguinte:

5.1.6 Lema.

Seja 𝒞\mathcal{C} uma classe de conjuntos tal que ∅︀𝒞\emptyset\in\mathcal{C} e tal que A2A1𝒞A_{2}\setminus A_{1}\in\mathcal{C}, para todos A1,A2𝒞A_{1},A_{2}\in\mathcal{C} tais que A1A2A_{1}\subset A_{2} (diz-se nesse caso que a classe de conjuntos 𝒞\mathcal{C} é fechada por diferença própria). Temos que:

  • (a)

    se μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] é uma medida finitamente aditiva então dados A1,A2𝒞A_{1},A_{2}\in\mathcal{C} com A1A2A_{1}\subset A_{2}, temos μ(A1)μ(A2)\mu(A_{1})\leq\mu(A_{2});

  • (b)

    se μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] é uma medida finitamente aditiva então dados A1,A2𝒞A_{1},A_{2}\in\mathcal{C} com A1A2A_{1}\subset A_{2} e μ(A1)<+\mu(A_{1})<+\infty, temos:

    μ(A2A1)=μ(A2)μ(A1);\mu(A_{2}\setminus A_{1})=\mu(A_{2})-\mu(A_{1});
  • (c)

    se μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] é uma medida σ\sigma-aditiva e se (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência de elementos de 𝒞\mathcal{C} tal que AkAA_{k}\nearrow A e A𝒞A\in\mathcal{C} então:

    μ(A)=limkμ(Ak);\mu(A)=\lim_{k\to\infty}\mu(A_{k}); (5.1.4)
  • (d)

    se μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] é uma medida σ\sigma-aditiva e se (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência de elementos de 𝒞\mathcal{C} tal que AkAA_{k}\searrow A, A𝒞A\in\mathcal{C} e μ(A1)<+\mu(A_{1})<+\infty então a igualdade (5.1.4) vale.

Suponha adicionalmente que A2A1𝒞A_{2}\setminus A_{1}\in\mathcal{C}, para todos A1,A2𝒞A_{1},A_{2}\in\mathcal{C}. Então valem também:

  • (e)

    se μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] é uma medida finitamente aditiva então dados A,A1,,At𝒞A,A_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{C} com Ak=1tAkA\subset\bigcup_{k=1}^{t}A_{k}, temos:

    μ(A)k=1tμ(Ak);\mu(A)\leq\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k});
  • (f)

    se μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] é uma medida σ\sigma-aditiva então dados A𝒞A\in\mathcal{C} e uma seqüência (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} em 𝒞\mathcal{C} com Ak=1AkA\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}, temos:

    μ(A)k=1μ(Ak).\mu(A)\leq\sum_{k=1}^{\infty}\mu(A_{k}).
Demonstração.

A demonstração dos itens (a), (b), (c) e (d) é idêntica à demonstração dos Lemas 1.4.46 e 1.4.48. Passemos à demonstração do item (e). Para cada k=1,,tk=1,\ldots,t, seja Ak=AkAA^{\prime}_{k}=A_{k}\cap A, de modo que:

A=k=1tAk.A=\bigcup_{k=1}^{t}A^{\prime}_{k}.

Observamos que Ak𝒞A^{\prime}_{k}\in\mathcal{C}, para todo kk; de fato:

Ak=Ak(AkA).A^{\prime}_{k}=A_{k}\setminus(A_{k}\setminus A).

Agora sejam B1=A1B_{1}=A^{\prime}_{1} e Bk=Ak(A1A2Ak1)B_{k}=A^{\prime}_{k}\setminus(A^{\prime}_{1}\cup A^{\prime}_{2}\cup\ldots\cup A% ^{\prime}_{k-1}), para k=2,,tk=2,\ldots,t; note que:

Bk=(((AkA1)A2))Ak1,k=2,,t,B_{k}=\big{(}\cdots\big{(}(A^{\prime}_{k}\setminus A^{\prime}_{1})\setminus A^% {\prime}_{2}\big{)}\cdots\big{)}\setminus A^{\prime}_{k-1},\quad k=2,\ldots,t,

de modo que Bk𝒞B_{k}\in\mathcal{C}, para todo kk. Pelo resultado do Exercício 1.19, os conjuntos BkB_{k} são dois a dois disjuntos22 2 Na verdade, o Exercício 1.19 considera uma seqüência infinita de conjuntos, mas basta fazer Ak=∅︀A^{\prime}_{k}=\emptyset, para todo k>tk>t. e:

A=k=1tAk=k=1tBk.A=\bigcup_{k=1}^{t}A^{\prime}_{k}=\bigcup_{k=1}^{t}B_{k}.

Daí, usando o fato que μ\mu é finitamente aditiva e o resultado do item (a), obtemos:

μ(A)=k=1tμ(Bk)k=1tμ(Ak),\mu(A)=\sum_{k=1}^{t}\mu(B_{k})\leq\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k}),

já que BkAkAkB_{k}\subset A^{\prime}_{k}\subset A_{k}, para todo k=1,,tk=1,\ldots,t. Isso completa a demonstração do item (e). A demonstração do item (f) é totalmente análoga, basta trocar tt por \infty no argumento acima. ∎

Temos pouco interesse em estudar medidas em classes de conjuntos totalmente arbitrárias. Vamos então introduzir algumas classes de conjuntos sobre as quais será interessante definir medidas. Recorde da Definição 1.4.32 (veja também Observação 1.4.33) que uma álgebra de partes de um conjunto XX é uma coleção de partes de XX que inclui o próprio XX e que é fechada por união finita e complementação. Embora durante o estudo da teoria de integração seja interessante assumir que o espaço XX subjacente a um espaço de medida (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu) seja um conjunto mensurável, quando desenvolvemos a teoria de construção de medidas é prático trabalhar também com medidas definidas em classes de conjuntos 𝒞(X)\mathcal{C}\subset\wp(X) que não incluem o espaço XX entre seus elementos. Temos então a seguinte:

5.1.7 Definição.

Seja \mathcal{R} uma classe de conjuntos. Dizemos que \mathcal{R} é um anel se \mathcal{R} é não vazio e se as seguintes condições são satisfeitas:

  • (a)

    ABA\setminus B\in\mathcal{R}, para todos A,BA,B\in\mathcal{R};

  • (b)

    ABA\cup B\in\mathcal{R}, para todos A,BA,B\in\mathcal{R}.

Dizemos que \mathcal{R} é um σ\sigma-anel se \mathcal{R} é não vazio, satisfaz a condição (a) acima e também a condição:

  • (b’)

    k=1Ak\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\in\mathcal{R}, para toda seqüência (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} de elementos de \mathcal{R}.

Note que todo σ\sigma-anel é também um anel. De fato, se \mathcal{R} é um σ\sigma-anel e se A,BA,B\in\mathcal{R}, podemos tomar A1=AA_{1}=A e Ak=BA_{k}=B para todo k2k\geq 2 na condição (b’); daí AB=k=1AkA\cup B=\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\in\mathcal{R}.

5.1.8 Observação.

Se \mathcal{R} é um anel (em particular, se \mathcal{R} é um σ\sigma-anel) então o conjunto vazio ∅︀\emptyset é um elemento de \mathcal{R}. De fato, como \mathcal{R} é não vazio, existe um elemento AA\in\mathcal{R}; daí ∅︀=AA\emptyset=A\setminus A\in\mathcal{R}.

Se XX é um conjunto e (X)\mathcal{R}\subset\wp(X) é uma coleção de partes de XX então é fácil ver que \mathcal{R} é uma álgebra (resp., uma σ\sigma-álgebra) de partes de XX se e somente se \mathcal{R} é um anel (resp., um σ\sigma-anel) tal que XX\in\mathcal{R} (veja Exercício 5.3).

Temos o seguinte análogo do Lema 1.4.37 para anéis e σ\sigma-anéis.

5.1.9 Lema.

Se \mathcal{R} é um anel e se A,BA,B\in\mathcal{R} então ABA\cap B\in\mathcal{R}. Além do mais, se \mathcal{R} é um σ\sigma-anel e se (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência de elementos de \mathcal{R} então k=1Ak\bigcap_{k=1}^{\infty}A_{k}\in\mathcal{R}.

Demonstração.

Seja \mathcal{R} um anel e sejam A,BA,B\in\mathcal{R}. Então os conjuntos ABA\cup B, ABA\setminus B, BAB\setminus A estão todos em \mathcal{R} e portanto:

AB=(AB)[(AB)(BA)].A\cap B=(A\cup B)\setminus[(A\setminus B)\cup(B\setminus A)]\in\mathcal{R}.

Suponha agora que \mathcal{R} é um σ\sigma-anel e seja (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de elementos de \mathcal{R}. Então:

k=1Ak=A1(k=1(A1Ak)),\bigcap_{k=1}^{\infty}A_{k}=A_{1}\setminus\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}(A_{1}% \setminus A_{k})\Big{)},

e portanto k=1Ak\bigcap_{k=1}^{\infty}A_{k}\in\mathcal{R}. ∎

Infelizmente, a classe dos intervalos da reta real não é um anel, pois não é fechada por uniões finitas. Para incluir essa importante classe de conjuntos na nossa teoria, precisamos da seguinte:

5.1.10 Definição.

Seja 𝒮\mathcal{S} uma classe de conjuntos. Dizemos que 𝒮\mathcal{S} é um semi-anel se 𝒮\mathcal{S} é não vazio e se as seguintes condições são satisfeitas:

  • (a)

    AB𝒮A\cap B\in\mathcal{S}, para todos A,B𝒮A,B\in\mathcal{S};

  • (b)

    se A,B𝒮A,B\in\mathcal{S} então existem k1k\geq 1 e conjuntos C1,,Ck𝒮C_{1},\ldots,C_{k}\in\mathcal{S}, dois a dois disjuntos, de modo que AB=i=1kCiA\setminus B=\bigcup_{i=1}^{k}C_{i}.

Segue diretamente do Lema 5.1.9 que todo anel é um semi-anel (note que se AB𝒮A\setminus B\in\mathcal{S} então podemos tomar k=1k=1 e C1=ABC_{1}=A\setminus B na condição (b)).

5.1.11 Observação.

Se 𝒮\mathcal{S} é um semi-anel então ∅︀𝒮\emptyset\in\mathcal{S}. De fato, como 𝒮\mathcal{S} é não vazio, existe um elemento A𝒮A\in\mathcal{S}; daí existem k1k\geq 1 e conjuntos C1,,Ck𝒮C_{1},\ldots,C_{k}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos de modo que ∅︀=AA=i=1kCi\emptyset=A\setminus A=\bigcup_{i=1}^{k}C_{i}. Portanto Ci=∅︀C_{i}=\emptyset, para todo i=1,,ki=1,\ldots,k.

Um semi-anel de subconjuntos de um conjunto XX que possui o próprio XX como elemento é às vezes chamado uma semi-álgebra de partes de XX (veja Exercício 5.4). Nós não teremos nenhum uso para essa terminologia.

5.1.12 Exemplo.

O conjuntos de todos os intervalo da reta real (incluindo aí o vazio e os conjuntos unitários) é um semi-anel. De fato, a interseção de dois intervalos é sempre um intervalo e a diferença de dois intervalos é ou um intervalo ou uma união de dois intervalos disjuntos. Verifica-se facilmente também que a coleção:

𝒮={]a,b]:a,b,ab}()\mathcal{S}=\big{\{}\left]a,b\right]:a,b\in\mathds{R},\ a\leq b\big{\}}\subset% \wp(\mathds{R}) (5.1.5)

é um semi-anel (note que ]a,b]=∅︀\left]a,b\right]=\emptyset para a=ba=b).

5.1.13 Notação.

Dadas classes de conjuntos 𝒞1\mathcal{C}_{1} e 𝒞2\mathcal{C}_{2} nós escrevemos:

𝒞1×𝒞2={A1×A2:A1𝒞1,A2𝒞2}.\mathcal{C}_{1}\boldsymbol{\times}\mathcal{C}_{2}=\big{\{}A_{1}\times A_{2}:A_% {1}\in\mathcal{C}_{1},\ A_{2}\in\mathcal{C}_{2}\big{\}}.
5.1.14 Lema.

Se 𝒮1\mathcal{S}_{1}, 𝒮2\mathcal{S}_{2} são semi-anéis então 𝒮1×𝒮2\mathcal{S}_{1}\boldsymbol{\times}\mathcal{S}_{2} também é um semi-anel.

Demonstração.

Obviamente 𝒮1×𝒮2\mathcal{S}_{1}\boldsymbol{\times}\mathcal{S}_{2} é não vazio, já que 𝒮1\mathcal{S}_{1} e 𝒮2\mathcal{S}_{2} são não vazios. Dados A1,B1𝒮1A_{1},B_{1}\in\mathcal{S}_{1} e A2,B2𝒮2A_{2},B_{2}\in\mathcal{S}_{2} então:

(A1×A2)(B1×B2)=(A1B1)×(A2B2);(A_{1}\times A_{2})\cap(B_{1}\times B_{2})=(A_{1}\cap B_{1})\times(A_{2}\cap B% _{2});

como A1B1𝒮1A_{1}\cap B_{1}\in\mathcal{S}_{1}, A2B2𝒮2A_{2}\cap B_{2}\in\mathcal{S}_{2}, segue que (A1×A2)(B1×B2)𝒮1×𝒮2(A_{1}\times A_{2})\cap(B_{1}\times B_{2})\in\mathcal{S}_{1}\boldsymbol{\times% }\mathcal{S}_{2}. Temos também:

(A1×A2)(B1×B2)=U1U2U3,(A_{1}\times A_{2})\setminus(B_{1}\times B_{2})=U_{1}\cup U_{2}\cup U_{3},

onde:

U1=(A1B1)×(A2B2),U2=(A1B1)×(A2B2),\displaystyle U_{1}=(A_{1}\setminus B_{1})\times(A_{2}\cap B_{2}),\quad U_{2}=% (A_{1}\cap B_{1})\times(A_{2}\setminus B_{2}),
U3=(A1B1)×(A2B2).\displaystyle U_{3}=(A_{1}\setminus B_{1})\times(A_{2}\setminus B_{2}).

Os conjuntos UiU_{i}, i=1,2,3i=1,2,3 são dois a dois disjuntos; para completar a demonstração, basta ver que cada UiU_{i} é uma união finita disjunta de elementos de 𝒮1×𝒮2\mathcal{S}_{1}\boldsymbol{\times}\mathcal{S}_{2}. Como 𝒮1\mathcal{S}_{1}, 𝒮2\mathcal{S}_{2} são semi-anéis, podemos escrever:

A1B1=i=1kCi,A2B2=j=1lDj,A_{1}\setminus B_{1}=\bigcup_{i=1}^{k}C_{i},\quad A_{2}\setminus B_{2}=\bigcup% _{j=1}^{l}D_{j},

com C1,,Ck𝒮1C_{1},\ldots,C_{k}\in\mathcal{S}_{1} dois a dois disjuntos e D1,,Dl𝒮2D_{1},\ldots,D_{l}\in\mathcal{S}_{2} dois a dois disjuntos. Daí:

U1=i=1k(Ci×(A2B2)),U2=j=1l((A1B1)×Dj),U3=i=1kj=1l(Ci×Dj),\begin{gathered}U_{1}=\bigcup_{i=1}^{k}\big{(}C_{i}\times(A_{2}\cap B_{2})\big% {)},\quad U_{2}=\bigcup_{j=1}^{l}\big{(}(A_{1}\cap B_{1})\times D_{j}\big{)},% \\ U_{3}=\bigcup_{i=1}^{k}\bigcup_{j=1}^{l}(C_{i}\times D_{j}),\end{gathered} (5.1.6)

onde Ci×(A2B2)𝒮1×𝒮2C_{i}\times(A_{2}\cap B_{2})\in\mathcal{S}_{1}\boldsymbol{\times}\mathcal{S}_{2}, (A1B1)×Dj𝒮1×𝒮2(A_{1}\cap B_{1})\times D_{j}\in\mathcal{S}_{1}\boldsymbol{\times}\mathcal{S}_% {2} e Ci×Dj𝒮1×𝒮2C_{i}\times D_{j}\in\mathcal{S}_{1}\boldsymbol{\times}\mathcal{S}_{2}, para todos i=1,,ki=1,\ldots,k, j=1,,lj=1,\ldots,l. Claramente as uniões em (5.1.6) são disjuntas e a demonstração está completa. ∎

5.1.15 Corolário.

Se 𝒮1\mathcal{S}_{1}, …, 𝒮n\mathcal{S}_{n} são semi-anéis então a classe de conjuntos:

𝒮1××𝒮n={A1×A2××An:A1𝒮1,,An𝒮n}\mathcal{S}_{1}\boldsymbol{\times}\cdots\boldsymbol{\times}\mathcal{S}_{n}=% \big{\{}A_{1}\times A_{2}\times\cdots\times A_{n}:A_{1}\in\mathcal{S}_{1},% \ldots,A_{n}\in\mathcal{S}_{n}\big{\}}

é um semi-anel.

Demonstração.

Segue diretamente do Lema 5.1.14 usando indução. ∎

Uma medida (ou uma medida finitamente aditiva) μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] numa classe de conjuntos 𝒞\mathcal{C} é dita finita quando μ(A)<+\mu(A)<+\infty, para todo A𝒞A\in\mathcal{C}. Vamos agora determinar as medidas finitamente aditivas finitas no semi-anel (5.1.5).

Dizemos que uma função F:I¯F:I\to\overline{\mathds{R}} definida num subconjunto II de ¯\overline{\mathds{R}} é crescente (resp., decrescente) quando F(x)F(y)F(x)\leq F(y) (resp., F(x)F(y)F(x)\geq F(y)) para todos x,yIx,y\in I com xyx\leq y. Dizemos que F:I¯F:I\to\overline{\mathds{R}} é estritamente crescente (resp., estritamente decrescente) quando F(x)<F(y)F(x)<F(y) (resp., F(x)>F(y)F(x)>F(y)), para todos x,yIx,y\in I com x<yx<y.

5.1.16 Proposição.

Seja 𝒮()\mathcal{S}\subset\wp(\mathds{R}) o semi-anel definido em (5.1.5). Se F:F:\mathds{R}\to\mathds{R} é uma função crescente então a função μF:𝒮[0,+[\mu_{F}:\mathcal{S}\to\left[0,+\infty\right[ definida por:

μF(]a,b])=F(b)F(a),\mu_{F}\big{(}\left]a,b\right]\big{)}=F(b)-F(a), (5.1.7)

para todos a,ba,b\in\mathds{R} com aba\leq b é uma medida finitamente aditiva finita em 𝒮\mathcal{S}. Além do mais, toda medida finitamente aditiva finita μ:𝒮[0,+[\mu:\mathcal{S}\to\left[0,+\infty\right[ em 𝒮\mathcal{S} é igual a μF\mu_{F}, para alguma função crescente F:F:\mathds{R}\to\mathds{R}; se F:F:\mathds{R}\to\mathds{R}, G:G:\mathds{R}\to\mathds{R} são funções crescentes então μF=μG\mu_{F}=\mu_{G} se e somente se a função FGF-G é constante.

Demonstração.

Todo elemento não vazio de 𝒮\mathcal{S} se escreve de modo único na forma ]a,b]\left]a,b\right], com a,ba,b\in\mathds{R}. O conjunto vazio é igual a ]a,a]\left]a,a\right] para todo aa\in\mathds{R}; como F(a)F(a)=0F(a)-F(a)=0, para todo aa\in\mathds{R}, segue que a função μF\mu_{F} está de fato bem definida pela igualdade (5.1.7). Além do mais, o fato de FF ser crescente implica que μF\mu_{F} toma valores em [0,+[\left[0,+\infty\right[ e evidentemente μF(∅︀)=0\mu_{F}(\emptyset)=0. Sejam a,ba,b\in\mathds{R}, ai,bia_{i},b_{i}\in\mathds{R}, i=1,,ki=1,\ldots,k com aba\leq b, aibia_{i}\leq b_{i}, i=1,,ki=1,\ldots,k,

]a,b]=i=1k]ai,bi]\left]a,b\right]=\bigcup_{i=1}^{k}\left]a_{i},b_{i}\right]

e suponha que os intervalos ]ai,bi]\left]a_{i},b_{i}\right], i=1,,ki=1,\ldots,k, sejam dois a dois disjuntos. Vamos mostrar que:

F(b)F(a)=i=1k(F(bi)F(ai)).F(b)-F(a)=\sum_{i=1}^{k}\big{(}F(b_{i})-F(a_{i})\big{)}. (5.1.8)

Se ]a,b]=∅︀\left]a,b\right]=\emptyset então ]ai,bi]=∅︀\left]a_{i},b_{i}\right]=\emptyset para todo i=1,,ki=1,\ldots,k e os dois lados de (5.1.8) são nulos. Suponha então que a<ba<b. Podemos desconsiderar os índices ii tais que ]ai,bi]=∅︀\left]a_{i},b_{i}\right]=\emptyset, pois isso não altera o lado direito de (5.1.8); suponha então que ai<bia_{i}<b_{i}, para todo i=1,,ki=1,\ldots,k. Fazendo, se necessário, uma permutação nos índices ii, podemos supor que a1a2aka_{1}\leq a_{2}\leq\cdots\leq a_{k}. O Lema 5.1.17 que provaremos logo a seguir nos diz então que:

a=a1<b1=a2<b2==ai<bi==ak<bk=b,a=a_{1}<b_{1}=a_{2}<b_{2}=\cdots=a_{i}<b_{i}=\cdots=a_{k}<b_{k}=b,

donde a igualdade (5.1.8) segue. Isso completa a demonstração do fato que μF\mu_{F} é uma medida finitamente aditiva finita em 𝒮\mathcal{S}. Note que se F:F:\mathds{R}\to\mathds{R}, G:G:\mathds{R}\to\mathds{R} são funções crescentes então μF=μG\mu_{F}=\mu_{G} se e somente se:

F(b)F(a)=μF(]a,b])=μG(]a,b])=G(b)G(a),F(b)-F(a)=\mu_{F}\big{(}\left]a,b\right]\big{)}=\mu_{G}\big{(}\left]a,b\right]% \big{)}=G(b)-G(a),

para todos a,ba,b\in\mathds{R} com aba\leq b; logo μF=μG\mu_{F}=\mu_{G} se e somente se:

F(b)G(b)=F(a)G(a),F(b)-G(b)=F(a)-G(a),

para todos a,ba,b\in\mathds{R} com aba\leq b. Isso prova que μF=μG\mu_{F}=\mu_{G} se e somente se FGF-G é uma função constante. Finalmente, seja μ:𝒮[0,+[\mu:\mathcal{S}\to\left[0,+\infty\right[ uma medida finitamente aditiva finita em 𝒮\mathcal{S} e vamos mostrar que existe uma função crescente F:F:\mathds{R}\to\mathds{R} tal que μ=μF\mu=\mu_{F}. Defina F:F:\mathds{R}\to\mathds{R} fazendo:

F(x)={μ(]0,x]),se x0,μ(]x,0]),se x<0.F(x)=\begin{cases}\hfil\mu\big{(}\left]0,x\right]\big{)},&\text{se $x\geq 0$},% \\ -\mu\big{(}\left]x,0\right]\big{)},&\text{se $x<0$}.\end{cases}

Vamos mostrar que:

μ(]a,b])=F(b)F(a),\mu\big{(}\left]a,b\right]\big{)}=F(b)-F(a), (5.1.9)

para todos a,ba,b\in\mathds{R} com aba\leq b; seguirá então automaticamente que FF é crescente, já que μ(]a,b])0\mu\big{(}\left]a,b\right]\big{)}\geq 0, para todos a,ba,b\in\mathds{R}. Em primeiro lugar, se 0ab0\leq a\leq b então ]0,b]\left]0,b\right] é igual à união disjunta de ]0,a]\left]0,a\right] com ]a,b]\left]a,b\right]; logo:

F(b)=μ(]0,b])=μ(]0,a])+μ(]a,b])=F(a)+μ(]a,b]),F(b)=\mu\big{(}\left]0,b\right]\big{)}=\mu\big{(}\left]0,a\right]\big{)}+\mu% \big{(}\left]a,b\right]\big{)}=F(a)+\mu\big{(}\left]a,b\right]\big{)},

donde (5.1.9) é satisfeita. Similarmente, se ab<0a\leq b<0, mostra-se (5.1.9) observando que ]a,0]\left]a,0\right] é igual à união disjunta de ]a,b]\left]a,b\right] com ]b,0]\left]b,0\right]. Para completar a demonstração de (5.1.9), consideramos o caso em que a<0ba<0\leq b; daí ]a,b]\left]a,b\right] é igual à união disjunta de ]a,0]\left]a,0\right] com ]0,b]\left]0,b\right], donde:

μ(]a,b])=μ(]a,0])+μ(]0,b])=F(b)F(a).\mu\big{(}\left]a,b\right]\big{)}=\mu\big{(}\left]a,0\right]\big{)}+\mu\big{(}% \left]0,b\right]\big{)}=F(b)-F(a).

Isso completa a demonstração de (5.1.9). Concluímos então que FF é uma função crescente e que μ=μF\mu=\mu_{F}. ∎

5.1.17 Lema.

Sejam ai,bia_{i},b_{i}\in\mathds{R}, i=1,,ki=1,\ldots,k, a,ba,b\in\mathds{R} tais que a<ba<b, ai<bia_{i}<b_{i}, aiai+1a_{i}\leq a_{i+1}, i=1,,ki=1,\ldots,k,

]a,b]=i=1k]ai,bi]\left]a,b\right]=\bigcup_{i=1}^{k}\left]a_{i},b_{i}\right]

e tais que os intervalos ]ai,bi]\left]a_{i},b_{i}\right], i=1,,ki=1,\ldots,k, sejam dois a dois disjuntos. Então a=a1a=a_{1}, b=bkb=b_{k} e bi=ai+1b_{i}=a_{i+1} para i=1,,k1i=1,\ldots,k-1.

Demonstração.

Dividimos a demonstração em passos.

  • Passo 1.

    biai+1b_{i}\leq a_{i+1}, para i=1,,k1i=1,\ldots,k-1.

    Seja i=1,,k1i=1,\ldots,k-1 fixado e suponha por absurdo que ai+1<bia_{i+1}<b_{i}. Seja cc o mínimo entre bib_{i} e bi+1b_{i+1}. Daí:

    aiai+1<cbi+1,ai<cbi,a_{i}\leq a_{i+1}<c\leq b_{i+1},\quad a_{i}<c\leq b_{i},

    donde c]ai,bi]]ai+1,bi+1]∅︀c\in\left]a_{i},b_{i}\right]\cap\left]a_{i+1},b_{i+1}\right]\neq\emptyset, contradizendo nossas hipóteses.

  • Passo 2.

    bi=ai+1b_{i}=a_{i+1}, para i=1,,k1i=1,\ldots,k-1.

    Seja i=1,,k1i=1,\ldots,k-1 fixado. Temos bi]ai,bi]b_{i}\in\left]a_{i},b_{i}\right], bi+1]ai+1,bi+1]b_{i+1}\in\left]a_{i+1},b_{i+1}\right], donde bi,bi+1]a,b]b_{i},b_{i+1}\in\left]a,b\right]; também:

    a<biai+1<bi+1b,a<b_{i}\leq a_{i+1}<b_{i+1}\leq b,

    donde ai+1]a,b]a_{i+1}\in\left]a,b\right]. Sabemos então que existe j=1,,kj=1,\ldots,k tal que ai+1]aj,bj]a_{i+1}\in\left]a_{j},b_{j}\right]. Se fosse 1ji11\leq j\leq i-1, teríamos:

    bjaj+1ai<biai+1,b_{j}\leq a_{j+1}\leq a_{i}<b_{i}\leq a_{i+1},

    donde ai+1]aj,bj]a_{i+1}\not\in\left]a_{j},b_{j}\right]; por outro lado, se fosse i+1jki+1\leq j\leq k, teríamos ai+1aja_{i+1}\leq a_{j}, donde novamente ai+1]aj,bj]a_{i+1}\not\in\left]a_{j},b_{j}\right]. Vemos então que a única possibilidade é j=ij=i, isto é, ai+1]ai,bi]a_{i+1}\in\left]a_{i},b_{i}\right]. Logo ai+1bia_{i+1}\leq b_{i} e portanto, pelo passo 1, ai+1=bia_{i+1}=b_{i}.

  • Passo 3.

    bk=bb_{k}=b.

    Temos bk]ak,bk]b_{k}\in\left]a_{k},b_{k}\right], donde bk]a,b]b_{k}\in\left]a,b\right] e bkbb_{k}\leq b. Por outro lado, b]a,b]b\in\left]a,b\right] implica b]ai,bi]b\in\left]a_{i},b_{i}\right], para algum i=1,,ki=1,\ldots,k. Se i=ki=k então bbkb\leq b_{k} e portanto bk=bb_{k}=b. Senão, bbi=ai+1ak<bkb\leq b_{i}=a_{i+1}\leq a_{k}<b_{k}, contradizendo bkbb_{k}\leq b.

  • Passo 4.

    a1=aa_{1}=a.

    Para todo i=1,,ki=1,\ldots,k, temos a1aia_{1}\leq a_{i}, donde a1]ai,bi]a_{1}\not\in\left]a_{i},b_{i}\right] e portanto a1]a,b]a_{1}\not\in\left]a,b\right]; logo a1aa_{1}\leq a ou a1>ba_{1}>b. Como a1ak<bk=ba_{1}\leq a_{k}<b_{k}=b, vemos que a1aa_{1}\leq a. Suponha por absurdo que a1<aa_{1}<a. Seja cc o mínimo entre b1b_{1} e aa; temos a1<cb1a_{1}<c\leq b_{1}, donde c]a1,b1]]a,b]c\in\left]a_{1},b_{1}\right]\subset\left]a,b\right] e c>ac>a, o que nos dá uma contradição.∎

Recorde da Definição 1.4.35 que se 𝒞\mathcal{C} é uma coleção arbitrária de partes de um conjunto XX então a σ\sigma-álgebra de partes de XX gerada por 𝒞\mathcal{C} é a menor σ\sigma-álgebra de partes de XX que contém 𝒞\mathcal{C}. De forma totalmente análoga, podemos definir as noções de álgebra, anel e σ\sigma-anel gerados por uma dada classe de conjuntos.

5.1.18 Definição.

Se XX é um conjunto arbitrário e se 𝒞(X)\mathcal{C}\subset\wp(X) é uma coleção arbitrária de partes de XX então a álgebra de partes de XX gerada por 𝒞\mathcal{C} é a menor álgebra 𝒜\mathcal{A} de partes de XX que contém 𝒞\mathcal{C}, i.e., 𝒜\mathcal{A} é uma álgebra de partes de XX tal que:

  1. (1)

    𝒞𝒜\mathcal{C}\subset\mathcal{A};

  2. (2)

    se 𝒜\mathcal{A}^{\prime} é uma álgebra de partes de XX tal que 𝒞𝒜\mathcal{C}\subset\mathcal{A}^{\prime} então 𝒜𝒜\mathcal{A}\subset\mathcal{A}^{\prime}.

Dizemos também que 𝒞\mathcal{C} é um conjunto de geradores para a álgebra 𝒜\mathcal{A}.

No Exercício 5.6 pedimos ao leitor para justificar o fato de que a álgebra gerada por uma coleção 𝒞(X)\mathcal{C}\subset\wp(X) está de fato bem definida, ou seja, existe uma única álgebra 𝒜\mathcal{A} satisfazendo as propriedades (1) e (2) acima.

5.1.19 Definição.

Se 𝒞\mathcal{C} é uma classe de conjuntos arbitrária então o anel gerado por 𝒞\mathcal{C} (resp., o σ\sigma-anel gerado por 𝒞\mathcal{C}) é o menor anel (resp., σ\sigma-anel) \mathcal{R} que contém 𝒞\mathcal{C}, i.e., \mathcal{R} é um anel (resp., σ\sigma-anel) tal que:

  1. (1)

    𝒞\mathcal{C}\subset\mathcal{R};

  2. (2)

    se \mathcal{R}^{\prime} é um anel (resp., σ\sigma-anel) tal que 𝒞\mathcal{C}\subset\mathcal{R}^{\prime} então \mathcal{R}\subset\mathcal{R}^{\prime}.

Dizemos também que 𝒞\mathcal{C} é um conjunto de geradores para o anel (resp., σ\sigma-anel) \mathcal{R}.

No Exercício 5.7 pedimos ao leitor para justificar o fato de que o anel (resp., σ\sigma-anel) gerado por uma classe de conjuntos 𝒞\mathcal{C} está de fato bem definido, ou seja, existe um único anel (resp., σ\sigma-anel) \mathcal{R} satisfazendo as propriedades (1) e (2) acima.

É interessante observar que não é possível definir uma noção de semi-anel gerado por uma classe de conjuntos (veja Exercício 5.10).

Dada uma medida μ\mu num semi-anel 𝒮\mathcal{S}, nós gostaríamos de estendê-la para o anel (e até para o σ\sigma-anel) gerado por 𝒮\mathcal{S}. Extensões de medidas para σ\sigma-anéis serão estudadas na Seção 5.3. No momento, nós mostraremos apenas como estender uma medida de um semi-anel para o anel gerado pelo mesmo. Para isso, precisaremos entender melhor a estrutura do anel gerado por um dado semi-anel.

O próximo lema nos dá uma caracterização diferente para o conceito de anel.

5.1.20 Lema.

Seja \mathcal{R} uma classe de conjuntos não vazia. Então \mathcal{R} é um anel se e somente se as seguintes condições são satisfeitas:

  • (a)

    ABA\setminus B\in\mathcal{R}, para todos A,BA,B\in\mathcal{R} tais que BAB\subset A;

  • (b)

    ABA\cup B\in\mathcal{R}, para todos A,BA,B\in\mathcal{R} com AB=∅︀A\cap B=\emptyset;

  • (c)

    ABA\cap B\in\mathcal{R}, para todos A,BA,B\in\mathcal{R}.

Demonstração.

Se \mathcal{R} é um anel então as condições (a) e (b) são satisfeitas por definição e a condição (c) é satisfeita pelo Lema 5.1.9. Reciprocamente, suponha que \mathcal{R} é uma classe de conjuntos não vazia satisfazendo as condições (a), (b) e (c) acima. Dados A,BA,B\in\mathcal{R}, devemos mostrar que ABA\setminus B e ABA\cup B estão em \mathcal{R}. Pela condição (c), temos que ABA\cap B\in\mathcal{R}; como:

AB=A(AB),A\setminus B=A\setminus(A\cap B),

e ABAA\cap B\subset A, segue da condição (a) que ABA\setminus B está em \mathcal{R}. Também, como:

AB=(AB)B,A\cup B=(A\setminus B)\cup B,

e os conjuntos ABA\setminus B\in\mathcal{R} e BB\in\mathcal{R} são disjuntos, segue da condição (b) que ABA\cup B\in\mathcal{R}. ∎

5.1.21 Lema.

Seja 𝒮\mathcal{S} um semi-anel. O anel \mathcal{R} gerado por 𝒮\mathcal{S} é igual ao conjunto das uniões finitas disjuntas de elementos de 𝒮\mathcal{S}, ou seja:

={k=1tAk:A1,,At𝒮 dois a dois disjuntos,t1}.\mathcal{R}=\Big{\{}\bigcup_{k=1}^{t}A_{k}:\text{$A_{1},\ldots,A_{t}\in% \mathcal{S}$ dois a dois disjuntos},\ t\geq 1\big{\}}.
Demonstração.

Sabemos que o anel gerado por 𝒮\mathcal{S} contém \mathcal{R}, já que o anel gerado por 𝒮\mathcal{S} é uma classe de conjuntos fechada por uniões finitas que contém 𝒮\mathcal{S}. Para mostrar que \mathcal{R} contém o anel gerado por 𝒮\mathcal{S}, é suficiente mostrar que \mathcal{R} é um anel, já que obviamente \mathcal{R} contém 𝒮\mathcal{S}. Para mostrar que \mathcal{R} é um anel, usamos o Lema 5.1.20. É evidente que \mathcal{R} satisfaz a condição (b) do enunciado do Lema 5.1.20. Para ver que 𝒮\mathcal{S} é fechado por interseções finitas (i.e., satisfaz a condição (c) do enunciado do Lema 5.1.20), sejam A,BA,B\in\mathcal{R} e escreva:

A=k=1tAk,B=l=1rBl,A=\bigcup_{k=1}^{t}A_{k},\quad B=\bigcup_{l=1}^{r}B_{l},

com A1,,At𝒮A_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos e B1,,Br𝒮B_{1},\ldots,B_{r}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos. Temos:

AB=k=1tl=1r(AkBl),A\cap B=\bigcup_{k=1}^{t}\bigcup_{l=1}^{r}(A_{k}\cap B_{l}),

onde AkBl𝒮A_{k}\cap B_{l}\in\mathcal{S} para todos k=1,,tk=1,\ldots,t, l=1,,rl=1,\ldots,r e os conjuntos AkBlA_{k}\cap B_{l} são dois a dois disjuntos. Finalmente, mostraremos que ABA\setminus B\in\mathcal{R}, para todos A,BA,B\in\mathcal{R}. Suponha primeiramente que B𝒮B\in\mathcal{S}; daí:

AB=k=1t(AkB),A\setminus B=\bigcup_{k=1}^{t}(A_{k}\setminus B), (5.1.10)

onde A=k=1tAkA=\bigcup_{k=1}^{t}A_{k} e A1,,At𝒮A_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{S} são dois a dois disjuntos. Como AkA_{k} e BB estão em 𝒮\mathcal{S}, temos que AkBA_{k}\setminus B é uma união finita disjunta de elementos de 𝒮\mathcal{S}, isto é, AkBA_{k}\setminus B\in\mathcal{R}, para todo k=1,,tk=1,\ldots,t. Como a união em (5.1.10) é disjunta, segue que ABA\setminus B\in\mathcal{R}, já que \mathcal{R} satisfaz a condição (b) do enunciado do Lema 5.1.20. Finalmente, dados A,BA,B\in\mathcal{R} arbitrários, temos:

AB=l=1r(ABl),A\setminus B=\bigcap_{l=1}^{r}(A\setminus B_{l}),

onde B=l=1rBlB=\bigcup_{l=1}^{r}B_{l} e B1,,Bl𝒮B_{1},\ldots,B_{l}\in\mathcal{S} são dois a dois disjuntos. Como AA\in\mathcal{R} e Bl𝒮B_{l}\in\mathcal{S}, temos que ABlA\setminus B_{l}\in\mathcal{R}, para todo l=1,,rl=1,\ldots,r, pelo que acabamos de demonstrar; concluímos então que ABA\setminus B\in\mathcal{R}, já que \mathcal{R} é fechado por interseções finitas. ∎

5.1.22 Corolário.

Se 𝒮\mathcal{S} é um semi-anel então toda união finita de elementos de 𝒮\mathcal{S} é também igual a uma união finita disjunta de (possivelmente outros) elementos de 𝒮\mathcal{S}; em particular, o anel gerado por 𝒮\mathcal{S} coincide também com o conjunto das uniões finitas (não necessariamente disjuntas) de elementos de 𝒮\mathcal{S}.

Demonstração.

Toda união finita de elementos de 𝒮\mathcal{S} pertence ao anel \mathcal{R} gerado por 𝒮\mathcal{S}; mas, pelo Lema 5.1.21, todo elemento de \mathcal{R} é igual a uma união finita disjunta de elementos de 𝒮\mathcal{S}. ∎

Estamos agora em condições de prova o seguinte:

5.1.23 Teorema (pequeno teorema da extensão).

Seja μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] uma medida finitamente aditiva num semi-anel 𝒮\mathcal{S} e seja \mathcal{R} o anel gerado por 𝒮\mathcal{S}. Então:

  • (a)

    existe uma única medida finitamente aditiva μ~:[0,+]\tilde{\mu}:\mathcal{R}\to[0,+\infty] em \mathcal{R} tal que μ~|𝒮=μ\tilde{\mu}|_{\mathcal{S}}=\mu;

  • (b)

    μ\mu é uma medida σ\sigma-aditiva em 𝒮\mathcal{S} se e somente se μ~\tilde{\mu} é uma medida σ\sigma-aditiva em \mathcal{R}.

Demonstração.

Pelo Lema 5.1.21, todo AA\in\mathcal{R} se escreve na forma A=k=1tAkA=\bigcup_{k=1}^{t}A_{k}, com A1,,At𝒮A_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos. Se μ~\tilde{\mu} é uma medida finitamente aditiva em \mathcal{R} que estende μ\mu então obrigatoriamente:

μ~(A)=k=1tμ(Ak),\tilde{\mu}(A)=\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k}), (5.1.11)

o que prova a unicidade de μ~\tilde{\mu}. Para provar a existência de μ~\tilde{\mu}, usamos a igualdade (5.1.11) para definir μ~\tilde{\mu}, onde A=k=1tAkA=\bigcup_{k=1}^{t}A_{k} e A1,,At𝒮A_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{S} são dois a dois disjuntos. Precisamos, no entanto, mostrar primeiramente que μ~\tilde{\mu} está bem definida, já que é possível que:

A=k=1tAk=l=1rAl,A=\bigcup_{k=1}^{t}A_{k}=\bigcup_{l=1}^{r}A^{\prime}_{l},

com A1,,At𝒮A_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos e A1,,Ar𝒮A^{\prime}_{1},\ldots,A^{\prime}_{r}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos. Nesse caso, devemos verificar que:

k=1tμ(Ak)=l=1rμ(Al).\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k})=\sum_{l=1}^{r}\mu(A^{\prime}_{l}). (5.1.12)

Note que, para todo k=1,,tk=1,\ldots,t, temos:

Ak=AkA=l=1r(AkAl),A_{k}=A_{k}\cap A=\bigcup_{l=1}^{r}(A_{k}\cap A^{\prime}_{l}),

onde AkAl𝒮A_{k}\cap A^{\prime}_{l}\in\mathcal{S}, para l=1,,rl=1,\ldots,r e os conjuntos AkAlA_{k}\cap A^{\prime}_{l} são dois a dois disjuntos. Como também Ak𝒮A_{k}\in\mathcal{S}, o fato de μ\mu ser uma medida finitamente aditiva em 𝒮\mathcal{S} implica que:

μ(Ak)=l=1rμ(AkAl).\mu(A_{k})=\sum_{l=1}^{r}\mu(A_{k}\cap A^{\prime}_{l}). (5.1.13)

De maneira análoga, vemos que:

μ(Al)=k=1tμ(AlAk),\mu(A^{\prime}_{l})=\sum_{k=1}^{t}\mu(A^{\prime}_{l}\cap A_{k}), (5.1.14)

para todo l=1,,rl=1,\ldots,r. De (5.1.13) e (5.1.14) vem:

k=1tμ(Ak)=k=1tl=1rμ(AkAl)=l=1rk=1tμ(AlAk)=l=1rμ(Al),\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k})=\sum_{k=1}^{t}\sum_{l=1}^{r}\mu(A_{k}\cap A^{\prime}_% {l})=\sum_{l=1}^{r}\sum_{k=1}^{t}\mu(A^{\prime}_{l}\cap A_{k})=\sum_{l=1}^{r}% \mu(A^{\prime}_{l}),

o que prova (5.1.12). Logo μ~\tilde{\mu} está bem definida. Devemos verificar agora que μ~\tilde{\mu} é uma medida finitamente aditiva em \mathcal{R}. É óbvio que μ~|𝒮=μ\tilde{\mu}|_{\mathcal{S}}=\mu e em particular μ~(∅︀)=0\tilde{\mu}(\emptyset)=0. Como \mathcal{R} é fechado por uniões finitas, é suficiente demonstrar que:

μ~(AB)=μ~(A)+μ~(B),\tilde{\mu}(A\cup B)=\tilde{\mu}(A)+\tilde{\mu}(B),

para todos A,BA,B\in\mathcal{R} com AB=∅︀A\cap B=\emptyset (veja Observação 5.1.5). Dados A,BA,B\in\mathcal{R} com AB=∅︀A\cap B=\emptyset, escrevemos:

A=k=1tAk,B=l=1rBl,A=\bigcup_{k=1}^{t}A_{k},\quad B=\bigcup_{l=1}^{r}B_{l},

com A1,,At𝒮A_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos e B1,,Br𝒮B_{1},\ldots,B_{r}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos. Daí ABA\cup B é união disjunta de A1,,At,B1,,Br𝒮A_{1},\ldots,A_{t},B_{1},\ldots,B_{r}\in\mathcal{S} e portanto:

μ~(AB)=k=1tμ(Ak)+l=1rμ(Bl)=μ~(A)+μ~(B).\tilde{\mu}(A\cup B)=\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k})+\sum_{l=1}^{r}\mu(B_{l})=\tilde{% \mu}(A)+\tilde{\mu}(B).

Isso completa a demonstração de que μ~\tilde{\mu} é uma medida finitamente aditiva. Note que se μ~\tilde{\mu} é uma medida σ\sigma-aditiva então obviamente μ\mu também é uma medida σ\sigma-aditiva, já que μ\mu é apenas uma restrição de μ~\tilde{\mu}. Suponha então que μ\mu é uma medida σ\sigma-aditiva e vamos mostrar que μ~\tilde{\mu} também é. Seja (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de \mathcal{R} e suponha que A=k=1AkA=\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\in\mathcal{R}; devemos mostrar que:

μ~(A)=k=1μ~(Ak).\tilde{\mu}(A)=\sum_{k=1}^{\infty}\tilde{\mu}(A_{k}). (5.1.15)

Suponha inicialmente que A𝒮A\in\mathcal{S}. Cada AkA_{k}\in\mathcal{R} pode ser escrito na forma:

Ak=u=1rkAku,A_{k}=\bigcup_{u=1}^{r_{k}}A_{ku},

com Ak1,,Akrk𝒮A_{k1},\ldots,A_{kr_{k}}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos. Daí A𝒮A\in\mathcal{S} é igual à união disjunta dos conjuntos AkuA_{ku}, k1k\geq 1, u=1,,rku=1,\ldots,r_{k}, sendo que todos os AkuA_{ku} estão em 𝒮\mathcal{S}; como μ\mu é uma medida σ\sigma-aditiva em 𝒮\mathcal{S}, segue que:

μ~(A)=μ(A)=k=1u=1rkμ(Aku).\tilde{\mu}(A)=\mu(A)=\sum_{k=1}^{\infty}\sum_{u=1}^{r_{k}}\mu(A_{ku}).

Mas, pela definição de μ~\tilde{\mu}, temos μ~(Ak)=u=1rkμ(Aku)\tilde{\mu}(A_{k})=\sum_{u=1}^{r_{k}}\mu(A_{ku}), e portanto a igualdade (5.1.15) fica demonstrada no caso em que A𝒮A\in\mathcal{S}. Vamos agora ao caso geral; como AA\in\mathcal{R}, é possível escrever AA na forma:

A=l=1rBl,A=\bigcup_{l=1}^{r}B_{l},

com B1,,Br𝒮B_{1},\ldots,B_{r}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos. Temos então:

Ak=AkA=l=1r(AkBl),Bl=BlA=k=1(BlAk),A_{k}=A_{k}\cap A=\bigcup_{l=1}^{r}(A_{k}\cap B_{l}),\quad B_{l}=B_{l}\cap A=% \bigcup_{k=1}^{\infty}(B_{l}\cap A_{k}),

para todo k1k\geq 1 e todo l=1,,rl=1,\ldots,r. Usando respectivemente o fato que μ~\tilde{\mu} é uma medida finitamente aditiva e a parte da σ\sigma-aditividade de μ~\tilde{\mu} que já foi demonstrada, obtemos:

μ~(Ak)=l=1rμ~(AkBl),μ~(Bl)=k=1μ~(BlAk).\tilde{\mu}(A_{k})=\sum_{l=1}^{r}\tilde{\mu}(A_{k}\cap B_{l}),\quad\tilde{\mu}% (B_{l})=\sum_{k=1}^{\infty}\tilde{\mu}(B_{l}\cap A_{k}).

Então:

μ~(A)=l=1rμ~(Bl)=l=1rk=1μ~(BlAk)=k=1l=1rμ~(AkBl)=k=1μ~(Ak),\tilde{\mu}(A)=\sum_{l=1}^{r}\tilde{\mu}(B_{l})=\sum_{l=1}^{r}\sum_{k=1}^{% \infty}\tilde{\mu}(B_{l}\cap A_{k})=\sum_{k=1}^{\infty}\sum_{l=1}^{r}\tilde{% \mu}(A_{k}\cap B_{l})=\sum_{k=1}^{\infty}\tilde{\mu}(A_{k}),

o que prova (5.1.15) e completa a demonstração. ∎

5.1.24 Corolário.

As afirmações que aparecem nos itens (a), (c), (d), (e) e (f) do enunciado do Lema 5.1.6 são verdadeiras sob a hipótese de que a classe de conjuntos 𝒞\mathcal{C} seja um semi-anel; a afirmação que aparece no item (b) também é verdadeira, sob a hipótese de que A2A1A_{2}\setminus A_{1} esteja em 𝒞\mathcal{C}.

Demonstração.

Seja \mathcal{R} o anel gerado pelo semi-anel 𝒞\mathcal{C} e seja μ~\tilde{\mu} a medida finitamente aditiva em \mathcal{R} que estende μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty]. Como o anel \mathcal{R} é fechado por diferenças, o Lema 5.1.6 pode ser aplicado à medida finitamente aditiva μ~\tilde{\mu}. A conclusão segue. ∎

5.1.25 Exemplo.

Seja F:F:\mathds{R}\to\mathds{R} uma função crescente e considere a medida finitamente aditiva finita μF:𝒮[0,+[\mu_{F}:\mathcal{S}\to\left[0,+\infty\right[ correspondente a FF definida no enunciado da Proposição 5.1.16. Vamos determinar uma condição necessária sobre FF para que μF\mu_{F} seja uma medida σ\sigma-aditiva. Note em primeiro lugar que, como a função FF é crescente, então para todo aa\in\mathds{R} o limite à direita:

F(a+)=deflimxa+F(x)F(a^{+})\stackrel{{\scriptstyle\text{def}}}{{=}}\lim_{x\to a^{+}}F(x)\in% \mathds{R}

existe e é maior ou igual a F(a)F(a). Suponha que μF\mu_{F} seja uma medida σ\sigma-aditiva e seja aa\in\mathds{R} fixado. Nós temos:

]a,a+1n]∅︀;\left]a,a+\tfrac{1}{n}\right]\searrow\emptyset;

pelo Corolário 5.1.24, isso nos dá:

0=μF(∅︀)=limnμF(]a,a+1n])=limn[F(a+1n)F(a)]=F(a+)F(a).0=\mu_{F}(\emptyset)=\lim_{n\to\infty}\mu_{F}\big{(}\left]a,a+\tfrac{1}{n}% \right]\!\big{)}=\lim_{n\to\infty}\big{[}F\big{(}a+\tfrac{1}{n}\big{)}-F(a)% \big{]}=F(a^{+})-F(a).

Logo F(a)=F(a+)F(a)=F(a^{+}) e portanto FF é contínua à direita. Na verdade, nós veremos adiante na Proposição 5.1.32 que μF\mu_{F} é uma medida σ\sigma-aditiva se e somente se a função crescente FF é contínua à direita.

5.1.1. O critério da classe compacta

Nós vimos no Teorema 5.1.23 que toda medida finitamente aditiva μ\mu num semi-anel 𝒮\mathcal{S} estende-se de modo único a uma medida finitamente aditiva μ~\tilde{\mu} no anel gerado por 𝒮\mathcal{S}; a extensão μ~\tilde{\mu} é uma medida σ\sigma-aditiva se e somente se μ\mu o for. Enquanto é muitas vezes possível mostrar por técnicas elementares que uma função μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] é uma medida finitamente aditiva (veja, por exemplo, a demonstração da Proposição 5.1.16), a situação não é tão simples quando se quer provar a σ\sigma-aditividade33 3 Uma análise ingênua da situação poderia levar a crer que, sob hipóteses adequadas para a função FF, poder-se-ia provar a σ\sigma-aditividade de μF\mu_{F} na Proposição 5.1.16 utilizando alguma versão do Lema 5.1.17 para seqüências infinitas de intervalos ]ai,bi]\left]a_{i},b_{i}\right]. A situação não é tão simples, como mostra o Exercício 5.15. de μ\mu. Nesta subseção nós provaremos um critério prático para verificação da σ\sigma-aditividade de uma medida finitamente aditiva num semi-anel. Como corolário, nós determinaremos exatamente quais são as funções crescentes F:F:\mathds{R}\to\mathds{R} para as quais a medida finitamente aditiva μF\mu_{F} é uma medida σ\sigma-aditiva.

Precisamos da seguinte:

5.1.26 Definição.

Uma classe de conjuntos 𝒞\mathcal{C} é dita compacta quando para toda seqüência (Ck)k1(C_{k})_{k\geq 1} em 𝒞\mathcal{C} com k=1Ck=∅︀\bigcap_{k=1}^{\infty}C_{k}=\emptyset existe t1t\geq 1 tal que k=1tCk=∅︀\bigcap_{k=1}^{t}C_{k}=\emptyset.

5.1.27 Exemplo.

Se 𝒞\mathcal{C} é uma classe arbitrária de subconjuntos compactos de n\mathds{R}^{n} então 𝒞\mathcal{C} é uma classe compacta. De fato, seja (Ck)k1(C_{k})_{k\geq 1} uma seqüência em 𝒞\mathcal{C} com k=1Ck=∅︀\bigcap_{k=1}^{\infty}C_{k}=\emptyset. Temos:

n=k=1Ckc,\mathds{R}^{n}=\bigcup_{k=1}^{\infty}C_{k}^{\mathrm{c}},

e em particular os conjuntos (Ckc)k1(C_{k}^{\mathrm{c}})_{k\geq 1} constituem uma cobertura aberta do compacto C1C_{1}. Logo existem t1,,tr1t_{1},\ldots,t_{r}\geq 1 tais que:

C1Ct1cCtrc.C_{1}\subset C_{t_{1}}^{\mathrm{c}}\cup\ldots\cup C_{t_{r}}^{\mathrm{c}}.

Tomando t=max{t1,,tr}t=\max\{t_{1},\ldots,t_{r}\} então:

C1CtC1Ct1Ctr=∅︀.C_{1}\cap\ldots\cap C_{t}\subset C_{1}\cap C_{t_{1}}\cap\ldots\cap C_{t_{r}}=\emptyset.
5.1.28 Proposição (critério da classe compacta).

Seja μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] uma medida finitamente aditiva num semi-anel 𝒮\mathcal{S}. Suponha que existe uma classe compacta 𝒞\mathcal{C} tal que para todo A𝒮A\in\mathcal{S} e para todo ε>0\varepsilon>0 existem B𝒮B\in\mathcal{S}, C𝒞C\in\mathcal{C} tais que BCAB\subset C\subset A e:

μ(A)<μ(B)+ε.\mu(A)<\mu(B)+\varepsilon. (5.1.16)

Então μ\mu é uma medida σ\sigma-aditiva.

Note que as hipóteses da Proposição 5.1.28 implicam em particular que a medida finitamente aditiva μ\mu é finita; de fato, a desigualdade (5.1.16) implica que μ(A)<+\mu(A)<+\infty.

Antes de demonstrar a Proposição 5.1.28, precisamos de alguns resultados preparatórios. O próximo lema nos dá um critério para a σ\sigma-aditividade de medidas finitamente aditivas em anéis.

5.1.29 Lema.

Seja μ:[0,+]\mu:\mathcal{R}\to[0,+\infty] uma medida finitamente aditiva num anel \mathcal{R}. Suponha que para toda seqüência (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} em \mathcal{R} tal que Ak∅︀A_{k}\searrow\emptyset temos limkμ(Ak)=0\lim_{k\to\infty}\mu(A_{k})=0. Então μ\mu é uma medida σ\sigma-aditiva em \mathcal{R}.

Demonstração.

Seja (Bk)k1(B_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de \mathcal{R} tal que a união B=k=1BkB=\bigcup_{k=1}^{\infty}B_{k} está em \mathcal{R}; vamos mostrar que μ(B)=k=1μ(Bk)\mu(B)=\sum_{k=1}^{\infty}\mu(B_{k}). Para cada k1k\geq 1, seja Ak=i=k+1BiA_{k}=\bigcup_{i=k+1}^{\infty}B_{i}; temos:

B=B1BkAk,B=B_{1}\cup\ldots\cup B_{k}\cup A_{k}, (5.1.17)

onde a união em (5.1.17) é disjunta. Note que cada AkA_{k} está em \mathcal{R}, já que Ak=B(B1Bk)A_{k}=B\setminus(B_{1}\cup\ldots\cup B_{k}). Como μ\mu é uma medida finitamente aditiva em \mathcal{R}, obtemos:

μ(B)=μ(Ak)+i=1kμ(Bi).\mu(B)=\mu(A_{k})+\sum_{i=1}^{k}\mu(B_{i}). (5.1.18)

Claramente Ak∅︀A_{k}\searrow\emptyset e portanto limkμ(Ak)=0\lim_{k\to\infty}\mu(A_{k})=0; a conclusão é obtida fazendo kk\to\infty em (5.1.18). ∎

5.1.30 Corolário.

A Proposição 5.1.28 é verdadeira sob a hipótese adicional de que 𝒮\mathcal{S} seja um anel.

Demonstração.

Já que 𝒮\mathcal{S} é um anel, podemos usar o Lema 5.1.29 para estabelecer o fato de que μ\mu é uma medida σ\sigma-aditiva. Seja (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} uma seqüência em 𝒮\mathcal{S} tal que Ak∅︀A_{k}\searrow\emptyset. Vamos mostrar que:

limkμ(Ak)=0.\lim_{k\to\infty}\mu(A_{k})=0. (5.1.19)

Seja dado ε>0\varepsilon>0 e para cada k1k\geq 1 sejam Bk𝒮B_{k}\in\mathcal{S}, Ck𝒞C_{k}\in\mathcal{C} tais que:

BkCkAk,μ(Ak)<μ(Bk)+ε2k.B_{k}\subset C_{k}\subset A_{k},\quad\mu(A_{k})<\mu(B_{k})+\frac{\varepsilon}{% 2^{k}}.

Temos:

k=1Ckk=1Ak=∅︀,\bigcap_{k=1}^{\infty}C_{k}\subset\bigcap_{k=1}^{\infty}A_{k}=\emptyset,

e portanto existe t1t\geq 1 tal que k=1tCk=∅︀\bigcap_{k=1}^{t}C_{k}=\emptyset; daí k=1tBk=∅︀\bigcap_{k=1}^{t}B_{k}=\emptyset e portanto:

At=k=1t(AtBk)k=1t(AkBk).A_{t}=\bigcup_{k=1}^{t}(A_{t}\setminus B_{k})\subset\bigcup_{k=1}^{t}(A_{k}% \setminus B_{k}).

Usando o item (e) do Lema 5.1.6, obtemos:

μ(At)k=1tμ(AkBk)=k=1t(μ(Ak)μ(Bk))<k=1tε2k<k=1ε2k=ε.\mu(A_{t})\leq\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k}\setminus B_{k})=\sum_{k=1}^{t}\big{(}\mu% (A_{k})-\mu(B_{k})\big{)}<\sum_{k=1}^{t}\frac{\varepsilon}{2^{k}}<\sum_{k=1}^{% \infty}\frac{\varepsilon}{2^{k}}=\varepsilon.

Logo μ(Ak)μ(At)<ε\mu(A_{k})\leq\mu(A_{t})<\varepsilon, para todo ktk\geq t, o que prova (5.1.19) e completa a demonstração. ∎

Para demonstrar a Proposição 5.1.28 nós consideraremos a medida finitamente aditiva μ~\tilde{\mu} que estende μ\mu para o anel \mathcal{R} gerado por 𝒮\mathcal{S} e nós usaremos uma classe compacta 𝒞~\widetilde{\mathcal{C}} de modo que μ~\tilde{\mu} e 𝒞~\widetilde{\mathcal{C}} satisfaçam as hipóteses da Proposição 5.1.28.

5.1.31 Lema.

Seja 𝒞\mathcal{C} uma classe compacta e seja 𝒞~\widetilde{\mathcal{C}} a classe formada por todas as uniões finitas de elementos de 𝒞\mathcal{C}, isto é:

𝒞~={k=1tCk:C1,,Ct𝒞,t1}.\widetilde{\mathcal{C}}=\Big{\{}\bigcup_{k=1}^{t}C_{k}:C_{1},\ldots,C_{t}\in% \mathcal{C},\ t\geq 1\Big{\}}.

Então 𝒞~\widetilde{\mathcal{C}} também é uma classe compacta.

Demonstração.

Seja (C~k)k1(\widetilde{C}_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de elementos de 𝒞~\widetilde{\mathcal{C}} tal que k=1C~k=∅︀\bigcap_{k=1}^{\infty}\widetilde{C}_{k}=\emptyset; devemos mostrar que existe t1t\geq 1 tal que k=1tC~k=∅︀\bigcap_{k=1}^{t}\widetilde{C}_{k}=\emptyset. Suponha por absurdo que k=1tC~k∅︀\bigcap_{k=1}^{t}\widetilde{C}_{k}\neq\emptyset, para todo t1t\geq 1. Para cada k1k\geq 1 escrevemos:

C~k=iIkCki,\widetilde{C}_{k}=\bigcup_{i\in I_{k}}C_{ki},

onde IkI_{k} é um conjunto finito não vazio e Cki𝒞C_{ki}\in\mathcal{C}, para todo iIki\in I_{k}. Para cada t1t\geq 1, existe xtk=1tC~kx_{t}\in\bigcap_{k=1}^{t}\widetilde{C}_{k} e portanto para cada k=1,,tk=1,\ldots,t, temos xtC~kx_{t}\in\widetilde{C}_{k}; daí existe um índice iktIki^{t}_{k}\in I_{k} tal que xtCkiktx_{t}\in C_{ki^{t}_{k}}. Em particular:

xtk=1tCkikt∅︀.x_{t}\in\bigcap_{k=1}^{t}C_{ki^{t}_{k}}\neq\emptyset. (5.1.20)

Nós vamos construir uma seqüência (jk)k1k=1Ik(j_{k})_{k\geq 1}\in\prod_{k=1}^{\infty}I_{k} tal que:

k=1Ckjk∅︀;\bigcap_{k=1}^{\infty}C_{kj_{k}}\neq\emptyset;

uma vez que essa seqüência esteja construída, teremos:

k=1Ckjkk=1C~k∅︀,\bigcap_{k=1}^{\infty}C_{kj_{k}}\subset\bigcap_{k=1}^{\infty}\widetilde{C}_{k}% \neq\emptyset, (5.1.21)

o que nos dará uma contradição e completará a demonstração. Nosso plano é construir indutivamente uma seqüência (jk)k1k=1Ik(j_{k})_{k\geq 1}\in\prod_{k=1}^{\infty}I_{k} tal que para todo k1k\geq 1, existam uma infinidade de índices tkt\geq k tais que:

(j1,,jk)=(i1t,,ikt).(j_{1},\ldots,j_{k})=(i^{t}_{1},\ldots,i^{t}_{k}). (5.1.22)

Em primeiro lugar, como (i1t)t1(i^{t}_{1})_{t\geq 1} é uma seqüência de elementos do conjunto finito I1I_{1}, deve existir j1I1j_{1}\in I_{1} tal que j1=i1tj_{1}=i^{t}_{1} para uma infinidade de índices t1t\geq 1. Suponha que tenhamos construído (j1,,jk)I1××Ik(j_{1},\ldots,j_{k})\in I_{1}\times\cdots\times I_{k} de modo que a igualdade (5.1.22) é válida para uma infinidade de índices tkt\geq k. Se TT é o conjunto infinito constituído pelos índices tk+1t\geq k+1 tais que a igualdade (5.1.22) é satisfeita então (ik+1t)tT(i^{t}_{k+1})_{t\in T} é uma família infinita de elementos do conjunto finito Ik+1I_{k+1} e portanto existe jk+1Ik+1j_{k+1}\in I_{k+1} tal que jk+1=ik+1tj_{k+1}=i^{t}_{k+1}, para uma infinidade de índices tTt\in T; daí:

(j1,,jk,jk+1)=(i1t,,ikt,ik+1t),(j_{1},\ldots,j_{k},j_{k+1})=(i^{t}_{1},\ldots,i^{t}_{k},i^{t}_{k+1}),

para uma infinidade de índices tk+1t\geq k+1. Nós obtivemos então uma seqüência (jk)k1k=1Ik(j_{k})_{k\geq 1}\in\prod_{k=1}^{\infty}I_{k} tal que para todo k1k\geq 1 a igualdade (5.1.22) é satisfeita para uma infinidade de índices tkt\geq k; em particular, para todo k1k\geq 1 existe tkt\geq k tal que a igualdade (5.1.22) é satisfeita e daí, usando (5.1.20), obtemos:

r=1kCrjr=r=1kCrirtr=1tCrirt∅︀.\bigcap_{r=1}^{k}C_{rj_{r}}=\bigcap_{r=1}^{k}C_{ri^{t}_{r}}\supset\bigcap_{r=1% }^{t}C_{ri^{t}_{r}}\neq\emptyset.

Como 𝒞\mathcal{C} é uma classe compacta e r=1kCrjr∅︀\bigcap_{r=1}^{k}C_{rj_{r}}\neq\emptyset para todo k1k\geq 1, segue que r=1Crjr∅︀\bigcap_{r=1}^{\infty}C_{rj_{r}}\neq\emptyset. Obtivemos então (5.1.21), o que nos dá uma contradição e completa a demonstração. ∎

Demonstração da Proposição 5.1.28.

Seja \mathcal{R} o anel gerado por 𝒮\mathcal{S} e μ~:[0,+]\tilde{\mu}:\mathcal{R}\to[0,+\infty] a única medida finitamente aditiva em \mathcal{R} que estende μ\mu (veja Teorema 5.1.23); nós vamos mostrar que μ~\tilde{\mu} é uma medida σ\sigma-aditiva em \mathcal{R} e isso completará a demonstração. Seja 𝒞~\widetilde{\mathcal{C}} a classe compacta definida no enunciado do Lema 5.1.31; vamos mostrar que para todo AA\in\mathcal{R} e para todo ε>0\varepsilon>0 existem BB\in\mathcal{R}, C𝒞~C\in\widetilde{\mathcal{C}} tais que BCAB\subset C\subset A e μ~(A)<μ~(B)+ε\tilde{\mu}(A)<\tilde{\mu}(B)+\varepsilon. Seguirá então do Corolário 5.1.30 que μ~\tilde{\mu} é uma medida σ\sigma-aditiva. Pelo Lema 5.1.21, podemos escrever A=k=1tAkA=\bigcup_{k=1}^{t}A_{k}, com A1,,At𝒮A_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos e t1t\geq 1. Para cada k=1,,tk=1,\ldots,t, existem Bk𝒮B_{k}\in\mathcal{S} e Ck𝒞C_{k}\in\mathcal{C} com BkCkAkB_{k}\subset C_{k}\subset A_{k} e μ(Ak)<μ(Bk)+εt\mu(A_{k})<\mu(B_{k})+\frac{\varepsilon}{t}. Tomando B=k=1tBkB=\bigcup_{k=1}^{t}B_{k}\in\mathcal{R} e C=k=1tCk𝒞~C=\bigcup_{k=1}^{t}C_{k}\in\widetilde{\mathcal{C}} então BCAB\subset C\subset A e:

μ~(A)=k=1tμ(Ak)<k=1t(μ(Bk)+εt)=μ~(B)+ε,\tilde{\mu}(A)=\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k})<\sum_{k=1}^{t}\big{(}\mu(B_{k})+\tfrac% {\varepsilon}{t}\big{)}=\tilde{\mu}(B)+\varepsilon,

já que os conjuntos B1,,Bt𝒮B_{1},\ldots,B_{t}\in\mathcal{S} são dois a dois disjuntos. Isso completa a demonstração. ∎

Como aplicação da Proposição 5.1.28, nós vamos determinar para quais funções crescentes F:F:\mathds{R}\to\mathds{R} a medida finitamente aditiva correspondente μF\mu_{F} é σ\sigma-aditiva.

5.1.32 Proposição.

Seja F:F:\mathds{R}\to\mathds{R} uma função crescente e seja μF:𝒮[0,+[\mu_{F}:\mathcal{S}\to\left[0,+\infty\right[ a medida finitamente aditiva finita correspondente a FF definida no enunciado da Proposição 5.1.16. Então μF\mu_{F} é uma medida σ\sigma-aditiva se e somente se a função FF é contínua à direita.

Demonstração.

Nós já vimos no Exemplo 5.1.25 que se μF\mu_{F} é uma medida σ\sigma-aditiva então a função FF é contínua à direita. Reciprocamente, suponha que FF é contínua à direita e vamos demonstrar que a medida finitamente aditiva μF\mu_{F} é uma medida σ\sigma-aditiva. Seja:

𝒞={∅︀}{[a,b]:a,b,ab};\mathcal{C}=\{\emptyset\}\cup\big{\{}[a,b]:a,b\in\mathds{R},\ a\leq b\big{\}};

pelo Exemplo 5.1.27, 𝒞\mathcal{C} é uma classe compacta. Vamos verificar as hipóteses da Proposição 5.1.28. Sejam dados A𝒮A\in\mathcal{S} e ε>0\varepsilon>0. Se A=∅︀A=\emptyset, tomamos B=C=∅︀B=C=\emptyset. Se A∅︀A\neq\emptyset então A=]a,b]A=\left]a,b\right] com a,ba,b\in\mathds{R}, a<ba<b e, como FF é contínua à direita no ponto aa, existe δ>0\delta>0 tal que a<a+δ<ba<a+\delta<b e F(a+δ)<F(a)+εF(a+\delta)<F(a)+\varepsilon. Tomamos então B=]a+δ,b]𝒮B=\left]a+\delta,b\right]\in\mathcal{S}, C=[a+δ,b]𝒞C=[a+\delta,b]\in\mathcal{C}, de modo que BCAB\subset C\subset A e:

μF(A)=F(b)F(a)<F(b)F(a+δ)+ε=μF(B)+ε.\mu_{F}(A)=F(b)-F(a)<F(b)-F(a+\delta)+\varepsilon=\mu_{F}(B)+\varepsilon.\qed