5.1. Medidas em Classes de Conjuntos
Recorde da Definição 1.4.42 que um espaço de medida consiste de um conjunto , de uma -álgebra de partes de e de uma medida definida nessa -álgebra. Uma -álgebra de partes de é uma coleção de subconjuntos de que inclui o próprio conjunto e que é fechada por todas as operações conjuntistas, desde que realizadas apenas uma quantidade enumerável de vezes (veja Definição 1.4.32 e Observação 1.4.33). Espaços de medida são ambientes confortáveis para o desenvolvimento de uma teoria de integração (veja Capítulo 2) justamente porque a classe dos conjuntos mensuráveis (i.e., a -álgebra) é fechada pelas várias operações conjuntistas que precisamos fazer durante o desenvolvimento da teoria. Em contra-partida, -álgebras são muitas vezes classes de conjuntos um tanto complexas e não é sempre fácil construir exemplos não triviais de medidas definidas em -álgebras (considere, por exemplo, o trabalho que tivemos na Seção 1.4 para construir a medida de Lebesgue). Nosso objetivo agora é o de mostrar como construir uma medida numa -álgebra a partir de uma medida definida a priori apenas em uma classe de conjuntos mais simples. Começamos então definindo a noção de medida em uma classe de conjuntos arbitrária.
5.1.1 Definição.
Seja uma classe11 1 Neste texto, as palavras “classe” e “conjunto” têm exatamente o mesmo significado. Observamos que em textos de teoria dos conjuntos e lógica, quando teorias axiomáticas como NBG e KM (vide [1]) são expostas, as palavras “classe” e “conjunto” têm significados diferentes (a saber: uma classe é um conjunto quando existe uma classe tal que ). de conjuntos tal que o conjunto vazio pertence a . Uma medida finitamente aditiva em é uma função tal que e tal que, se é uma seqüência finita de elementos dois a dois disjuntos de tal que também está em , então:
Uma medida em é uma função tal que e tal que, se é uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de tal que também está em , então:
Claramente toda medida é também uma medida finitamente aditiva; basta tomar para todo em (5.1.2).
Observe que uma medida finitamente aditiva pode em geral não ser uma medida. A expressão “finitamente aditiva” não deve ser encarada como um adjetivo que está sendo acrescido à palavra “medida”; deve-se pensar na expressão “medida finitamente aditiva” como sendo um substantivo. Para evitar mal-entendidos, usaremos muitas vezes a expressão medida -aditiva como sendo um sinônimo de “medida”, quando queremos enfatizar que não estamos falando apenas de uma medida finitamente aditiva.
5.1.2 Observação.
Alguns comentários de natureza conjuntista: para , a igualdade (5.1.1) é equivalente a , de modo que a condição na definição de medida finitamente aditiva é redundante se admitirmos em (5.1.1). A condição (5.1.2), no entanto, não implica pois essa condição é consistente com , para todo (veja Exercício 5.1).
Note que se é uma classe de conjuntos arbitrária então sempre existe um conjunto tal que , isto é, tal que todo elemento de é um subconjunto de . De fato, basta tomar .
5.1.3 Observação.
A expressão “classe de conjuntos” usada na Definição 5.1.1 é redundante se entendemos que a teoria dos conjuntos usada no texto está fundamentada por uma teoria axiomática como ZFC, já que em ZFC todo objeto é um conjunto e portanto todo conjunto é também um conjunto de conjuntos. Na prática, no entanto, alguns objetos (como números naturais ou números reais) não são costumeiramente pensados como conjuntos e por questões didáticas consideramos que seja mais claro na Definição 5.1.1 (e em outras situações similares) enfatizar que é uma classe de conjuntos.
Muito pouco pode-se provar sobre medidas em classes de conjuntos arbitrárias (com ), pois é bem possível que, a menos de situações triviais, não existam seqüências de elementos dois a dois disjuntos de cuja união está em . Em particular, a tese dos Lemas 1.4.46 e 1.4.48 não são em geral satisfeitas para medidas em classes de conjuntos arbitrárias, como ilustra o seguinte exemplo.
5.1.4 Exemplo.
5.1.5 Observação.
Seja uma classe de conjuntos com e seja uma função tal que . Para verificar que é uma medida finitamente aditiva em , não é suficiente verificar que:
para todos com e (veja Exercício 5.2). No entanto, se a classe é fechada por uniões finitas (i.e., se , para todos ) então evidentemente é uma medida finitamente aditiva se e somente se e (5.1.3) é satisfeita, para todos com e .
Se a classe de conjuntos onde a medida está definida é fechada por diferenças então as patologias observadas no Exemplo 5.1.4 não ocorrem. Esse é o conteúdo do seguinte:
5.1.6 Lema.
Seja uma classe de conjuntos tal que e tal que , para todos tais que (diz-se nesse caso que a classe de conjuntos é fechada por diferença própria). Temos que:
-
(a)
se é uma medida finitamente aditiva então dados com , temos ;
-
(b)
se é uma medida finitamente aditiva então dados com e , temos:
-
(c)
se é uma medida -aditiva e se é uma seqüência de elementos de tal que e então:
(5.1.4) -
(d)
se é uma medida -aditiva e se é uma seqüência de elementos de tal que , e então a igualdade (5.1.4) vale.
Suponha adicionalmente que , para todos . Então valem também:
-
(e)
se é uma medida finitamente aditiva então dados com , temos:
-
(f)
se é uma medida -aditiva então dados e uma seqüência em com , temos:
Demonstração.
A demonstração dos itens (a), (b), (c) e (d) é idêntica à demonstração dos Lemas 1.4.46 e 1.4.48. Passemos à demonstração do item (e). Para cada , seja , de modo que:
Observamos que , para todo ; de fato:
Agora sejam e , para ; note que:
de modo que , para todo . Pelo resultado do Exercício 1.19, os conjuntos são dois a dois disjuntos22 2 Na verdade, o Exercício 1.19 considera uma seqüência infinita de conjuntos, mas basta fazer , para todo . e:
Daí, usando o fato que é finitamente aditiva e o resultado do item (a), obtemos:
já que , para todo . Isso completa a demonstração do item (e). A demonstração do item (f) é totalmente análoga, basta trocar por no argumento acima. ∎
Temos pouco interesse em estudar medidas em classes de conjuntos totalmente arbitrárias. Vamos então introduzir algumas classes de conjuntos sobre as quais será interessante definir medidas. Recorde da Definição 1.4.32 (veja também Observação 1.4.33) que uma álgebra de partes de um conjunto é uma coleção de partes de que inclui o próprio e que é fechada por união finita e complementação. Embora durante o estudo da teoria de integração seja interessante assumir que o espaço subjacente a um espaço de medida seja um conjunto mensurável, quando desenvolvemos a teoria de construção de medidas é prático trabalhar também com medidas definidas em classes de conjuntos que não incluem o espaço entre seus elementos. Temos então a seguinte:
5.1.7 Definição.
Seja uma classe de conjuntos. Dizemos que é um anel se é não vazio e se as seguintes condições são satisfeitas:
-
(a)
, para todos ;
-
(b)
, para todos .
Dizemos que é um -anel se é não vazio, satisfaz a condição (a) acima e também a condição:
-
(b’)
, para toda seqüência de elementos de .
Note que todo -anel é também um anel. De fato, se é um -anel e se , podemos tomar e para todo na condição (b’); daí .
5.1.8 Observação.
Se é um anel (em particular, se é um -anel) então o conjunto vazio é um elemento de . De fato, como é não vazio, existe um elemento ; daí .
Se é um conjunto e é uma coleção de partes de então é fácil ver que é uma álgebra (resp., uma -álgebra) de partes de se e somente se é um anel (resp., um -anel) tal que (veja Exercício 5.3).
Temos o seguinte análogo do Lema 1.4.37 para anéis e -anéis.
5.1.9 Lema.
Se é um anel e se então . Além do mais, se é um -anel e se é uma seqüência de elementos de então .
Demonstração.
Seja um anel e sejam . Então os conjuntos , , estão todos em e portanto:
Suponha agora que é um -anel e seja uma seqüência de elementos de . Então:
e portanto . ∎
Infelizmente, a classe dos intervalos da reta real não é um anel, pois não é fechada por uniões finitas. Para incluir essa importante classe de conjuntos na nossa teoria, precisamos da seguinte:
5.1.10 Definição.
Seja uma classe de conjuntos. Dizemos que é um semi-anel se é não vazio e se as seguintes condições são satisfeitas:
-
(a)
, para todos ;
-
(b)
se então existem e conjuntos , dois a dois disjuntos, de modo que .
Segue diretamente do Lema 5.1.9 que todo anel é um semi-anel (note que se então podemos tomar e na condição (b)).
5.1.11 Observação.
Se é um semi-anel então . De fato, como é não vazio, existe um elemento ; daí existem e conjuntos dois a dois disjuntos de modo que . Portanto , para todo .
Um semi-anel de subconjuntos de um conjunto que possui o próprio como elemento é às vezes chamado uma semi-álgebra de partes de (veja Exercício 5.4). Nós não teremos nenhum uso para essa terminologia.
5.1.12 Exemplo.
O conjuntos de todos os intervalo da reta real (incluindo aí o vazio e os conjuntos unitários) é um semi-anel. De fato, a interseção de dois intervalos é sempre um intervalo e a diferença de dois intervalos é ou um intervalo ou uma união de dois intervalos disjuntos. Verifica-se facilmente também que a coleção:
é um semi-anel (note que para ).
5.1.13 Notação.
Dadas classes de conjuntos e nós escrevemos:
5.1.14 Lema.
Se , são semi-anéis então também é um semi-anel.
Demonstração.
Obviamente é não vazio, já que e são não vazios. Dados e então:
como , , segue que . Temos também:
onde:
Os conjuntos , são dois a dois disjuntos; para completar a demonstração, basta ver que cada é uma união finita disjunta de elementos de . Como , são semi-anéis, podemos escrever:
com dois a dois disjuntos e dois a dois disjuntos. Daí:
onde , e , para todos , . Claramente as uniões em (5.1.6) são disjuntas e a demonstração está completa. ∎
5.1.15 Corolário.
Se , …, são semi-anéis então a classe de conjuntos:
é um semi-anel.
Demonstração.
Segue diretamente do Lema 5.1.14 usando indução. ∎
Uma medida (ou uma medida finitamente aditiva) numa classe de conjuntos é dita finita quando , para todo . Vamos agora determinar as medidas finitamente aditivas finitas no semi-anel (5.1.5).
Dizemos que uma função definida num subconjunto de é crescente (resp., decrescente) quando (resp., ) para todos com . Dizemos que é estritamente crescente (resp., estritamente decrescente) quando (resp., ), para todos com .
5.1.16 Proposição.
Seja o semi-anel definido em (5.1.5). Se é uma função crescente então a função definida por:
para todos com é uma medida finitamente aditiva finita em . Além do mais, toda medida finitamente aditiva finita em é igual a , para alguma função crescente ; se , são funções crescentes então se e somente se a função é constante.
Demonstração.
Todo elemento não vazio de se escreve de modo único na forma , com . O conjunto vazio é igual a para todo ; como , para todo , segue que a função está de fato bem definida pela igualdade (5.1.7). Além do mais, o fato de ser crescente implica que toma valores em e evidentemente . Sejam , , com , , ,
e suponha que os intervalos , , sejam dois a dois disjuntos. Vamos mostrar que:
Se então para todo e os dois lados de (5.1.8) são nulos. Suponha então que . Podemos desconsiderar os índices tais que , pois isso não altera o lado direito de (5.1.8); suponha então que , para todo . Fazendo, se necessário, uma permutação nos índices , podemos supor que . O Lema 5.1.17 que provaremos logo a seguir nos diz então que:
donde a igualdade (5.1.8) segue. Isso completa a demonstração do fato que é uma medida finitamente aditiva finita em . Note que se , são funções crescentes então se e somente se:
para todos com ; logo se e somente se:
para todos com . Isso prova que se e somente se é uma função constante. Finalmente, seja uma medida finitamente aditiva finita em e vamos mostrar que existe uma função crescente tal que . Defina fazendo:
Vamos mostrar que:
para todos com ; seguirá então automaticamente que é crescente, já que , para todos . Em primeiro lugar, se então é igual à união disjunta de com ; logo:
donde (5.1.9) é satisfeita. Similarmente, se , mostra-se (5.1.9) observando que é igual à união disjunta de com . Para completar a demonstração de (5.1.9), consideramos o caso em que ; daí é igual à união disjunta de com , donde:
Isso completa a demonstração de (5.1.9). Concluímos então que é uma função crescente e que . ∎
5.1.17 Lema.
Sejam , , tais que , , , ,
e tais que os intervalos , , sejam dois a dois disjuntos. Então , e para .
Demonstração.
Dividimos a demonstração em passos.
-
Passo 1.
, para .
Seja fixado e suponha por absurdo que . Seja o mínimo entre e . Daí:
donde , contradizendo nossas hipóteses.
-
Passo 2.
, para .
Seja fixado. Temos , , donde ; também:
donde . Sabemos então que existe tal que . Se fosse , teríamos:
donde ; por outro lado, se fosse , teríamos , donde novamente . Vemos então que a única possibilidade é , isto é, . Logo e portanto, pelo passo 1, .
-
Passo 3.
.
Temos , donde e . Por outro lado, implica , para algum . Se então e portanto . Senão, , contradizendo .
-
Passo 4.
.
Para todo , temos , donde e portanto ; logo ou . Como , vemos que . Suponha por absurdo que . Seja o mínimo entre e ; temos , donde e , o que nos dá uma contradição.∎
Recorde da Definição 1.4.35 que se é uma coleção arbitrária de partes de um conjunto então a -álgebra de partes de gerada por é a menor -álgebra de partes de que contém . De forma totalmente análoga, podemos definir as noções de álgebra, anel e -anel gerados por uma dada classe de conjuntos.
5.1.18 Definição.
Se é um conjunto arbitrário e se é uma coleção arbitrária de partes de então a álgebra de partes de gerada por é a menor álgebra de partes de que contém , i.e., é uma álgebra de partes de tal que:
-
(1)
;
-
(2)
se é uma álgebra de partes de tal que então .
Dizemos também que é um conjunto de geradores para a álgebra .
No Exercício 5.6 pedimos ao leitor para justificar o fato de que a álgebra gerada por uma coleção está de fato bem definida, ou seja, existe uma única álgebra satisfazendo as propriedades (1) e (2) acima.
5.1.19 Definição.
Se é uma classe de conjuntos arbitrária então o anel gerado por (resp., o -anel gerado por ) é o menor anel (resp., -anel) que contém , i.e., é um anel (resp., -anel) tal que:
-
(1)
;
-
(2)
se é um anel (resp., -anel) tal que então .
Dizemos também que é um conjunto de geradores para o anel (resp., -anel) .
No Exercício 5.7 pedimos ao leitor para justificar o fato de que o anel (resp., -anel) gerado por uma classe de conjuntos está de fato bem definido, ou seja, existe um único anel (resp., -anel) satisfazendo as propriedades (1) e (2) acima.
É interessante observar que não é possível definir uma noção de semi-anel gerado por uma classe de conjuntos (veja Exercício 5.10).
Dada uma medida num semi-anel , nós gostaríamos de estendê-la para o anel (e até para o -anel) gerado por . Extensões de medidas para -anéis serão estudadas na Seção 5.3. No momento, nós mostraremos apenas como estender uma medida de um semi-anel para o anel gerado pelo mesmo. Para isso, precisaremos entender melhor a estrutura do anel gerado por um dado semi-anel.
O próximo lema nos dá uma caracterização diferente para o conceito de anel.
5.1.20 Lema.
Seja uma classe de conjuntos não vazia. Então é um anel se e somente se as seguintes condições são satisfeitas:
-
(a)
, para todos tais que ;
-
(b)
, para todos com ;
-
(c)
, para todos .
Demonstração.
Se é um anel então as condições (a) e (b) são satisfeitas por definição e a condição (c) é satisfeita pelo Lema 5.1.9. Reciprocamente, suponha que é uma classe de conjuntos não vazia satisfazendo as condições (a), (b) e (c) acima. Dados , devemos mostrar que e estão em . Pela condição (c), temos que ; como:
e , segue da condição (a) que está em . Também, como:
e os conjuntos e são disjuntos, segue da condição (b) que . ∎
5.1.21 Lema.
Seja um semi-anel. O anel gerado por é igual ao conjunto das uniões finitas disjuntas de elementos de , ou seja:
Demonstração.
Sabemos que o anel gerado por contém , já que o anel gerado por é uma classe de conjuntos fechada por uniões finitas que contém . Para mostrar que contém o anel gerado por , é suficiente mostrar que é um anel, já que obviamente contém . Para mostrar que é um anel, usamos o Lema 5.1.20. É evidente que satisfaz a condição (b) do enunciado do Lema 5.1.20. Para ver que é fechado por interseções finitas (i.e., satisfaz a condição (c) do enunciado do Lema 5.1.20), sejam e escreva:
com dois a dois disjuntos e dois a dois disjuntos. Temos:
onde para todos , e os conjuntos são dois a dois disjuntos. Finalmente, mostraremos que , para todos . Suponha primeiramente que ; daí:
onde e são dois a dois disjuntos. Como e estão em , temos que é uma união finita disjunta de elementos de , isto é, , para todo . Como a união em (5.1.10) é disjunta, segue que , já que satisfaz a condição (b) do enunciado do Lema 5.1.20. Finalmente, dados arbitrários, temos:
onde e são dois a dois disjuntos. Como e , temos que , para todo , pelo que acabamos de demonstrar; concluímos então que , já que é fechado por interseções finitas. ∎
5.1.22 Corolário.
Se é um semi-anel então toda união finita de elementos de é também igual a uma união finita disjunta de (possivelmente outros) elementos de ; em particular, o anel gerado por coincide também com o conjunto das uniões finitas (não necessariamente disjuntas) de elementos de .
Demonstração.
Toda união finita de elementos de pertence ao anel gerado por ; mas, pelo Lema 5.1.21, todo elemento de é igual a uma união finita disjunta de elementos de . ∎
Estamos agora em condições de prova o seguinte:
5.1.23 Teorema (pequeno teorema da extensão).
Seja uma medida finitamente aditiva num semi-anel e seja o anel gerado por . Então:
-
(a)
existe uma única medida finitamente aditiva em tal que ;
-
(b)
é uma medida -aditiva em se e somente se é uma medida -aditiva em .
Demonstração.
Pelo Lema 5.1.21, todo se escreve na forma , com dois a dois disjuntos. Se é uma medida finitamente aditiva em que estende então obrigatoriamente:
o que prova a unicidade de . Para provar a existência de , usamos a igualdade (5.1.11) para definir , onde e são dois a dois disjuntos. Precisamos, no entanto, mostrar primeiramente que está bem definida, já que é possível que:
com dois a dois disjuntos e dois a dois disjuntos. Nesse caso, devemos verificar que:
Note que, para todo , temos:
onde , para e os conjuntos são dois a dois disjuntos. Como também , o fato de ser uma medida finitamente aditiva em implica que:
De maneira análoga, vemos que:
para todo . De (5.1.13) e (5.1.14) vem:
o que prova (5.1.12). Logo está bem definida. Devemos verificar agora que é uma medida finitamente aditiva em . É óbvio que e em particular . Como é fechado por uniões finitas, é suficiente demonstrar que:
para todos com (veja Observação 5.1.5). Dados com , escrevemos:
com dois a dois disjuntos e dois a dois disjuntos. Daí é união disjunta de e portanto:
Isso completa a demonstração de que é uma medida finitamente aditiva. Note que se é uma medida -aditiva então obviamente também é uma medida -aditiva, já que é apenas uma restrição de . Suponha então que é uma medida -aditiva e vamos mostrar que também é. Seja uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de e suponha que ; devemos mostrar que:
Suponha inicialmente que . Cada pode ser escrito na forma:
com dois a dois disjuntos. Daí é igual à união disjunta dos conjuntos , , , sendo que todos os estão em ; como é uma medida -aditiva em , segue que:
Mas, pela definição de , temos , e portanto a igualdade (5.1.15) fica demonstrada no caso em que . Vamos agora ao caso geral; como , é possível escrever na forma:
com dois a dois disjuntos. Temos então:
para todo e todo . Usando respectivemente o fato que é uma medida finitamente aditiva e a parte da -aditividade de que já foi demonstrada, obtemos:
Então:
o que prova (5.1.15) e completa a demonstração. ∎
5.1.24 Corolário.
As afirmações que aparecem nos itens (a), (c), (d), (e) e (f) do enunciado do Lema 5.1.6 são verdadeiras sob a hipótese de que a classe de conjuntos seja um semi-anel; a afirmação que aparece no item (b) também é verdadeira, sob a hipótese de que esteja em .
Demonstração.
Seja o anel gerado pelo semi-anel e seja a medida finitamente aditiva em que estende . Como o anel é fechado por diferenças, o Lema 5.1.6 pode ser aplicado à medida finitamente aditiva . A conclusão segue. ∎
5.1.25 Exemplo.
Seja uma função crescente e considere a medida finitamente aditiva finita correspondente a definida no enunciado da Proposição 5.1.16. Vamos determinar uma condição necessária sobre para que seja uma medida -aditiva. Note em primeiro lugar que, como a função é crescente, então para todo o limite à direita:
existe e é maior ou igual a . Suponha que seja uma medida -aditiva e seja fixado. Nós temos:
pelo Corolário 5.1.24, isso nos dá:
Logo e portanto é contínua à direita. Na verdade, nós veremos adiante na Proposição 5.1.32 que é uma medida -aditiva se e somente se a função crescente é contínua à direita.
5.1.1. O critério da classe compacta
Nós vimos no Teorema 5.1.23 que toda medida finitamente aditiva num semi-anel estende-se de modo único a uma medida finitamente aditiva no anel gerado por ; a extensão é uma medida -aditiva se e somente se o for. Enquanto é muitas vezes possível mostrar por técnicas elementares que uma função é uma medida finitamente aditiva (veja, por exemplo, a demonstração da Proposição 5.1.16), a situação não é tão simples quando se quer provar a -aditividade33 3 Uma análise ingênua da situação poderia levar a crer que, sob hipóteses adequadas para a função , poder-se-ia provar a -aditividade de na Proposição 5.1.16 utilizando alguma versão do Lema 5.1.17 para seqüências infinitas de intervalos . A situação não é tão simples, como mostra o Exercício 5.15. de . Nesta subseção nós provaremos um critério prático para verificação da -aditividade de uma medida finitamente aditiva num semi-anel. Como corolário, nós determinaremos exatamente quais são as funções crescentes para as quais a medida finitamente aditiva é uma medida -aditiva.
Precisamos da seguinte:
5.1.26 Definição.
Uma classe de conjuntos é dita compacta quando para toda seqüência em com existe tal que .
5.1.27 Exemplo.
Se é uma classe arbitrária de subconjuntos compactos de então é uma classe compacta. De fato, seja uma seqüência em com . Temos:
e em particular os conjuntos constituem uma cobertura aberta do compacto . Logo existem tais que:
Tomando então:
5.1.28 Proposição (critério da classe compacta).
Seja uma medida finitamente aditiva num semi-anel . Suponha que existe uma classe compacta tal que para todo e para todo existem , tais que e:
Então é uma medida -aditiva.
Note que as hipóteses da Proposição 5.1.28 implicam em particular que a medida finitamente aditiva é finita; de fato, a desigualdade (5.1.16) implica que .
Antes de demonstrar a Proposição 5.1.28, precisamos de alguns resultados preparatórios. O próximo lema nos dá um critério para a -aditividade de medidas finitamente aditivas em anéis.
5.1.29 Lema.
Seja uma medida finitamente aditiva num anel . Suponha que para toda seqüência em tal que temos . Então é uma medida -aditiva em .
Demonstração.
Seja uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de tal que a união está em ; vamos mostrar que . Para cada , seja ; temos:
onde a união em (5.1.17) é disjunta. Note que cada está em , já que . Como é uma medida finitamente aditiva em , obtemos:
Claramente e portanto ; a conclusão é obtida fazendo em (5.1.18). ∎
5.1.30 Corolário.
A Proposição 5.1.28 é verdadeira sob a hipótese adicional de que seja um anel.
Demonstração.
Já que é um anel, podemos usar o Lema 5.1.29 para estabelecer o fato de que é uma medida -aditiva. Seja uma seqüência em tal que . Vamos mostrar que:
Seja dado e para cada sejam , tais que:
Temos:
e portanto existe tal que ; daí e portanto:
Usando o item (e) do Lema 5.1.6, obtemos:
Logo , para todo , o que prova (5.1.19) e completa a demonstração. ∎
Para demonstrar a Proposição 5.1.28 nós consideraremos a medida finitamente aditiva que estende para o anel gerado por e nós usaremos uma classe compacta de modo que e satisfaçam as hipóteses da Proposição 5.1.28.
5.1.31 Lema.
Seja uma classe compacta e seja a classe formada por todas as uniões finitas de elementos de , isto é:
Então também é uma classe compacta.
Demonstração.
Seja uma seqüência de elementos de tal que ; devemos mostrar que existe tal que . Suponha por absurdo que , para todo . Para cada escrevemos:
onde é um conjunto finito não vazio e , para todo . Para cada , existe e portanto para cada , temos ; daí existe um índice tal que . Em particular:
Nós vamos construir uma seqüência tal que:
uma vez que essa seqüência esteja construída, teremos:
o que nos dará uma contradição e completará a demonstração. Nosso plano é construir indutivamente uma seqüência tal que para todo , existam uma infinidade de índices tais que:
Em primeiro lugar, como é uma seqüência de elementos do conjunto finito , deve existir tal que para uma infinidade de índices . Suponha que tenhamos construído de modo que a igualdade (5.1.22) é válida para uma infinidade de índices . Se é o conjunto infinito constituído pelos índices tais que a igualdade (5.1.22) é satisfeita então é uma família infinita de elementos do conjunto finito e portanto existe tal que , para uma infinidade de índices ; daí:
para uma infinidade de índices . Nós obtivemos então uma seqüência tal que para todo a igualdade (5.1.22) é satisfeita para uma infinidade de índices ; em particular, para todo existe tal que a igualdade (5.1.22) é satisfeita e daí, usando (5.1.20), obtemos:
Como é uma classe compacta e para todo , segue que . Obtivemos então (5.1.21), o que nos dá uma contradição e completa a demonstração. ∎
Demonstração da Proposição 5.1.28.
Seja o anel gerado por e a única medida finitamente aditiva em que estende (veja Teorema 5.1.23); nós vamos mostrar que é uma medida -aditiva em e isso completará a demonstração. Seja a classe compacta definida no enunciado do Lema 5.1.31; vamos mostrar que para todo e para todo existem , tais que e . Seguirá então do Corolário 5.1.30 que é uma medida -aditiva. Pelo Lema 5.1.21, podemos escrever , com dois a dois disjuntos e . Para cada , existem e com e . Tomando e então e:
já que os conjuntos são dois a dois disjuntos. Isso completa a demonstração. ∎
Como aplicação da Proposição 5.1.28, nós vamos determinar para quais funções crescentes a medida finitamente aditiva correspondente é -aditiva.
5.1.32 Proposição.
Seja uma função crescente e seja a medida finitamente aditiva finita correspondente a definida no enunciado da Proposição 5.1.16. Então é uma medida -aditiva se e somente se a função é contínua à direita.
Demonstração.
Nós já vimos no Exemplo 5.1.25 que se é uma medida -aditiva então a função é contínua à direita. Reciprocamente, suponha que é contínua à direita e vamos demonstrar que a medida finitamente aditiva é uma medida -aditiva. Seja:
pelo Exemplo 5.1.27, é uma classe compacta. Vamos verificar as hipóteses da Proposição 5.1.28. Sejam dados e . Se , tomamos . Se então com , e, como é contínua à direita no ponto , existe tal que e . Tomamos então , , de modo que e: