5.3. Medidas Exteriores e o Teorema da Extensão

A estratégia que nós usamos na Seção 1.4 para construir a medida de Lebesgue em n\mathds{R}^{n} foi a seguinte: nós definimos inicialmente a medida exterior de Lebesgue 𝔪:(n)[0,+]\mathfrak{m}^{*}:\wp(\mathds{R}^{n})\to[0,+\infty] (que não é sequer uma medida finitamente aditiva) e depois uma σ\sigma-álgebra (n)\mathcal{M}(\mathds{R}^{n}) de partes de n\mathds{R}^{n} restrita a qual a medida exterior 𝔪\mathfrak{m}^{*} é uma medida. Essa estratégia trata-se na verdade de um caso particular de um procedimento geral. Nesta seção nós definiremos o conceito geral de medida exterior e mostraremos que a toda medida exterior pode-se associar naturalmente um σ\sigma-anel restrita ao qual a medida exterior é uma medida.

Começamos definindo as classes de conjuntos que servirão como domínio para as medidas exteriores.

5.3.1 Definição.

Uma classe de conjuntos \mathcal{H} é dita um σ\sigma-anel hereditário se \mathcal{H} é não vazia e satisfaz as seguintes condições:

  • (a)

    se AA\in\mathcal{H} e BAB\subset A então BB\in\mathcal{H};

  • (b)

    se (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência de elementos de \mathcal{H} então k=1Ak\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\in\mathcal{H}.

Evidentemente todo σ\sigma-anel hereditário é um σ\sigma-anel.

5.3.2 Exemplo.

Dado um conjunto arbitrário XX então a coleção (X)\wp(X) de todas as partes de XX é um σ\sigma-anel hereditário. A coleção de todos os subconjuntos enumeráveis de XX também é um σ\sigma-anel hereditário. Note que se \mathcal{H} é um σ\sigma-anel hereditário contido em (X)\wp(X) então =(X)\mathcal{H}=\wp(X) se e somente se XX\in\mathcal{H}.

5.3.3 Definição.

Seja \mathcal{H} um σ\sigma-anel hereditário. Uma medida exterior em \mathcal{H} é uma função μ:[0,+]\mu^{*}:\mathcal{H}\to[0,+\infty] satisfazendo as seguintes condições:

  • (a)

    μ(∅︀)=0\mu^{*}(\emptyset)=0;

  • (b)

    (monotonicidade) se A,BA,B\in\mathcal{H} e ABA\subset B então μ(A)μ(B)\mu^{*}(A)\leq\mu^{*}(B);

  • (c)

    (σ\sigma-subaditividade) se (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência de elementos de \mathcal{H} então:

    μ(k=1Ak)k=1μ(Ak).\mu^{*}\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\Big{)}\leq\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{*}% (A_{k}). (5.3.1)

Claramente, se μ:[0,+]\mu^{*}:\mathcal{H}\to[0,+\infty] é uma medida exterior, então dados A1,,AtA_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{H} temos:

μ(k=1tAk)k=1tμ(Ak);\mu^{*}\Big{(}\bigcup_{k=1}^{t}A_{k}\Big{)}\leq\sum_{k=1}^{t}\mu^{*}(A_{k});

de fato, basta tomar Ak=∅︀A_{k}=\emptyset para todo k>tk>t em (5.3.1).

5.3.4 Exemplo.

Segue dos Lemas 1.4.4 e 1.4.5 que a medida exterior de Lebesgue 𝔪\mathfrak{m}^{*} é uma medida exterior no σ\sigma-anel hereditário (n)\wp(\mathds{R}^{n}).

Usando a Proposição 1.4.53 como inspiração nós damos a seguinte:

5.3.5 Definição.

Sejam \mathcal{H} um σ\sigma-anel hereditário e μ:[0,+]\mu^{*}:\mathcal{H}\to[0,+\infty] uma medida exterior. Um conjunto EE\in\mathcal{H} é dito μ\mu^{*}-mensurável se para todo AA\in\mathcal{H} vale a igualdade:

μ(A)=μ(AE)+μ(AE).\mu^{*}(A)=\mu^{*}(A\cap E)+\mu^{*}(A\setminus E). (5.3.2)

Como A=(AE)(AE)A=(A\cap E)\cup(A\setminus E), temos μ(A)μ(AE)+μ(AE)\mu^{*}(A)\leq\mu^{*}(A\cap E)+\mu^{*}(A\setminus E), para todos A,EA,E\in\mathcal{H} e portanto (5.3.2) é na verdade equivalente a:

μ(A)μ(AE)+μ(AE).\mu^{*}(A)\geq\mu^{*}(A\cap E)+\mu^{*}(A\setminus E).
5.3.6 Observação.

Se 𝔪:(n)[0,+]\mathfrak{m}^{*}:\wp(\mathds{R}^{n})\to[0,+\infty] denota a medida exterior de Lebesgue então segue da Proposição 1.4.53 que os conjuntos 𝔪\mathfrak{m}^{*}-mensuráveis são precisamente os subconjuntos Lebesgue mensuráveis de n\mathds{R}^{n}.

5.3.7 Teorema.

Sejam \mathcal{H} um σ\sigma-anel hereditário e μ:[0,+]\mu^{*}:\mathcal{H}\to[0,+\infty] uma medida exterior. Então:

  • (a)

    a coleção 𝔐\mathfrak{M}\subset\mathcal{H} de todos os conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis é um σ\sigma-anel;

  • (b)

    dados AA\in\mathcal{H} e uma seqüência (Ek)k1(E_{k})_{k\geq 1} de elementos dois a dois disjuntos de 𝔐\mathfrak{M} então:

    μ(Ak=1Ek)=k=1μ(AEk);\mu^{*}\Big{(}A\cap\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\Big{)}=\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{% *}(A\cap E_{k}); (5.3.3)
  • (c)

    a restrição de μ\mu^{*} a 𝔐\mathfrak{M} é uma medida σ\sigma-aditiva;

  • (d)

    se EE\in\mathcal{H} é tal que μ(E)=0\mu^{*}(E)=0 então E𝔐E\in\mathfrak{M}.

Demonstração.

Seja XX um conjunto arbitrário tal que AXA\subset X, para todo AA\in\mathcal{H} (tome, por exemplo, X=AAX=\bigcup_{A\in\mathcal{H}}A). Convencionando que complementares são sempre tomados com respeito a XX, podemos reescrever a condição (5.3.2) na forma mais conveniente:

μ(A)=μ(AE)+μ(AEc).\mu^{*}(A)=\mu^{*}(A\cap E)+\mu^{*}(A\cap E^{\mathrm{c}}).

A demonstração do teorema será dividida em vários passos.

  • Passo 1.

    Se E1,E2𝔐E_{1},E_{2}\in\mathfrak{M} então E1E2𝔐E_{1}\cup E_{2}\in\mathfrak{M}.

    Seja dado AA\in\mathcal{H}. Usando o fato que E1E_{1} e E2E_{2} são μ\mu^{*}-mensuráveis, obtemos:

    μ(A)=μ(AE1)+μ(AE1c)=μ(AE1)+μ(AE1cE2)+μ(AE1cE2c)=μ(AE1)+μ(AE1cE2)+μ(A(E1E2)c);\mu^{*}(A)=\mu^{*}(A\cap E_{1})+\mu^{*}(A\cap E_{1}^{\mathrm{c}})=\mu^{*}(A% \cap E_{1})\\ +\mu^{*}(A\cap E_{1}^{\mathrm{c}}\cap E_{2})+\mu^{*}(A\cap E_{1}^{\mathrm{c}}% \cap E_{2}^{\mathrm{c}})\\ =\mu^{*}(A\cap E_{1})+\mu^{*}(A\cap E_{1}^{\mathrm{c}}\cap E_{2})+\mu^{*}\big{% (}A\cap(E_{1}\cup E_{2})^{\mathrm{c}}\big{)}; (5.3.4)

    mas A(E1E2)=(AE1)(AE1cE2)A\cap(E_{1}\cup E_{2})=(A\cap E_{1})\cup(A\cap E_{1}^{\mathrm{c}}\cap E_{2}) e portanto:

    μ(A(E1E2))μ(AE1)+μ(AE1cE2).\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{1}\cup E_{2})\big{)}\leq\mu^{*}(A\cap E_{1})+\mu^{*}(A% \cap E_{1}^{\mathrm{c}}\cap E_{2}). (5.3.5)

    De (5.3.4) e (5.3.5) vem:

    μ(A)=μ(AE1)+μ(AE1cE2)+μ(A(E1E2)c)μ(A(E1E2))+μ(A(E1E2)c),\mu^{*}(A)=\mu^{*}(A\cap E_{1})+\mu^{*}(A\cap E_{1}^{\mathrm{c}}\cap E_{2})+% \mu^{*}\big{(}A\cap(E_{1}\cup E_{2})^{\mathrm{c}}\big{)}\\ \geq\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{1}\cup E_{2})\big{)}+\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{1}\cup E% _{2})^{\mathrm{c}}\big{)},

    o que prova que E1E2𝔐E_{1}\cup E_{2}\in\mathfrak{M}.

  • Passo 2.

    Se E1,E2𝔐E_{1},E_{2}\in\mathfrak{M}, AA\in\mathcal{H} e E1E2=∅︀E_{1}\cap E_{2}=\emptyset então:

    μ(A(E1E2))=μ(AE1)+μ(AE2).\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{1}\cup E_{2})\big{)}=\mu^{*}(A\cap E_{1})+\mu^{*}(A\cap E% _{2}). (5.3.6)

    Como A(E1E2)A\cap(E_{1}\cup E_{2})\in\mathcal{H} e E1𝔐E_{1}\in\mathfrak{M}, temos:

    μ(A(E1E2))=μ(A(E1E2)E1)+μ(A(E1E2)E1c)=μ(AE1)+μ(AE2),\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{1}\cup E_{2})\big{)}=\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{1}\cup E_{2% })\cap E_{1}\big{)}+\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{1}\cup E_{2})\cap E_{1}^{\mathrm{c}% }\big{)}\\ =\mu^{*}(A\cap E_{1})+\mu^{*}(A\cap E_{2}),

    onde na última igualdade usamos que E1E2=∅︀E_{1}\cap E_{2}=\emptyset.

  • Passo 3.

    Se E1,E2𝔐E_{1},E_{2}\in\mathfrak{M} e E1E2=∅︀E_{1}\cap E_{2}=\emptyset então:

    μ(E1E2)=μ(E1)+μ(E2).\mu^{*}(E_{1}\cup E_{2})=\mu^{*}(E_{1})+\mu^{*}(E_{2}).

    Basta tomar A=E1E2A=E_{1}\cup E_{2} em (5.3.6).

  • Passo 4.

    Se E1,E2𝔐E_{1},E_{2}\in\mathfrak{M} e E1E2E_{1}\subset E_{2} então E2E1𝔐E_{2}\setminus E_{1}\in\mathfrak{M}.

    Seja dado AA\in\mathcal{H}. Evidentemente:

    μ(A(E2E1))=μ(AE2E1c);\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{2}\setminus E_{1})\big{)}=\mu^{*}(A\cap E_{2}\cap E_{1}% ^{\mathrm{c}}); (5.3.7)

    como E1E2E_{1}\subset E_{2}, temos (E2E1)c=E1E2c(E_{2}\setminus E_{1})^{\mathrm{c}}=E_{1}\cup E_{2}^{\mathrm{c}} e portanto:

    μ(A(E2E1)c)=μ((AE1)(AE2c))μ(AE1)+μ(AE2c)=μ(AE2E1)+μ(AE2c).\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{2}\setminus E_{1})^{\mathrm{c}}\big{)}=\mu^{*}\big{(}(A% \cap E_{1})\cup(A\cap E_{2}^{\mathrm{c}})\big{)}\\ \leq\mu^{*}(A\cap E_{1})+\mu^{*}(A\cap E_{2}^{\mathrm{c}})=\mu^{*}(A\cap E_{2}% \cap E_{1})+\mu^{*}(A\cap E_{2}^{\mathrm{c}}). (5.3.8)

    Somando (5.3.7) e (5.3.8) obtemos:

    μ(A(E2E1))+μ(A(E2E1)c)μ(AE2E1c)+μ(AE2E1)+μ(AE2c)=μ(AE2)+μ(AE2c)=μ(A),\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{2}\setminus E_{1})\big{)}+\mu^{*}\big{(}A\cap(E_{2}% \setminus E_{1})^{\mathrm{c}}\big{)}\leq\mu^{*}(A\cap E_{2}\cap E_{1}^{\mathrm% {c}})+\mu^{*}(A\cap E_{2}\cap E_{1})\\ +\mu^{*}(A\cap E_{2}^{\mathrm{c}})=\mu^{*}(A\cap E_{2})+\mu^{*}(A\cap E_{2}^{% \mathrm{c}})=\mu^{*}(A),

    o que prova que E2E1𝔐E_{2}\setminus E_{1}\in\mathfrak{M}.

  • Passo 5.

    Se E1,E2𝔐E_{1},E_{2}\in\mathfrak{M} então E2E1𝔐E_{2}\setminus E_{1}\in\mathfrak{M}.

    Pelo passo 1, temos E1E2𝔐E_{1}\cup E_{2}\in\mathfrak{M}; como E1E1E2E_{1}\subset E_{1}\cup E_{2}, segue do passo 4 que (E1E2)E1𝔐(E_{1}\cup E_{2})\setminus E_{1}\in\mathfrak{M}. Mas (E1E2)E1=E2E1(E_{1}\cup E_{2})\setminus E_{1}=E_{2}\setminus E_{1}.

  • Passo 6.

    Se (Ek)k1(E_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de 𝔐\mathfrak{M} então k=1Ek𝔐\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\in\mathfrak{M}.

    Usando indução e os passos 1 e 2 obtemos que k=1tEk𝔐\bigcup_{k=1}^{t}E_{k}\in\mathfrak{M} e:

    μ(Ak=1tEk)=k=1tμ(AEk),\mu^{*}\Big{(}A\cap\bigcup_{k=1}^{t}E_{k}\Big{)}=\sum_{k=1}^{t}\mu^{*}(A\cap E% _{k}),

    para todo AA\in\mathcal{H} e todo t1t\geq 1; daí:

    μ(A)=μ(Ak=1tEk)+μ(A(k=1tEk)c)=(k=1tμ(AEk))+μ(A(k=1tEk)c).\mu^{*}(A)=\mu^{*}\Big{(}A\cap\bigcup_{k=1}^{t}E_{k}\Big{)}+\mu^{*}\Big{(}A% \cap\Big{(}\bigcup_{k=1}^{t}E_{k}\Big{)}^{\!\mathrm{c}\,}\Big{)}\\ =\Big{(}\sum_{k=1}^{t}\mu^{*}(A\cap E_{k})\Big{)}+\mu^{*}\Big{(}A\cap\Big{(}% \bigcup_{k=1}^{t}E_{k}\Big{)}^{\!\mathrm{c}\,}\Big{)}.

    Como A(k=1tEk)cA(k=1Ek)cA\cap\big{(}\bigcup_{k=1}^{t}E_{k}\big{)}^{\mathrm{c}}\supset A\cap\big{(}% \bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\big{)}^{\mathrm{c}}, obtemos:

    μ(A)(k=1tμ(AEk))+μ(A(k=1Ek)c);\mu^{*}(A)\geq\Big{(}\sum_{k=1}^{t}\mu^{*}(A\cap E_{k})\Big{)}+\mu^{*}\Big{(}A% \cap\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\Big{)}^{\!\mathrm{c}\,}\Big{)}; (5.3.9)

    fazendo tt\to\infty em (5.3.9) vem:

    μ(A)(k=1μ(AEk))+μ(A(k=1Ek)c)μ(Ak=1Ek)+μ(A(k=1Ek)c)μ(A),\mu^{*}(A)\geq\Big{(}\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{*}(A\cap E_{k})\Big{)}+\mu^{*}% \Big{(}A\cap\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\Big{)}^{\!\mathrm{c}\,}\Big{)}% \\ \geq\mu^{*}\Big{(}A\cap\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\Big{)}+\mu^{*}\Big{(}A\cap% \Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\Big{)}^{\!\mathrm{c}\,}\Big{)}\geq\mu^{*}(A), (5.3.10)

    onde nas duas últimas desigualdades usamos a σ\sigma-subaditividade de μ\mu^{*}. Isso prova que k=1Ek𝔐\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\in\mathfrak{M}.

  • Passo 7.

    Se (Ek)k1(E_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência em 𝔐\mathfrak{M} então k=1Ek𝔐\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\in\mathfrak{M}.

    Para cada k1k\geq 1, seja Fk=Eki=0k1EiF_{k}=E_{k}\setminus\bigcup_{i=0}^{k-1}E_{i}, onde E0=∅︀E_{0}=\emptyset. Segue dos passos 1 e 5 que Fk𝔐F_{k}\in\mathfrak{M}, para todo k1k\geq 1. Além do mais, pelo resultado do Exercício 1.19, os conjuntos (Fk)k1(F_{k})_{k\geq 1} são dois a dois disjuntos e k=1Ek=k=1Fk\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}=\bigcup_{k=1}^{\infty}F_{k}. Segue então do passo 6 que k=1Ek𝔐\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\in\mathfrak{M}.

  • Passo 8.

    O item (a) da tese do teorema vale.

    Segue dos passos 5 e 7, já que obviamente ∅︀𝔐\emptyset\in\mathfrak{M}.

  • Passo 9.

    O item (b) da tese do teorema vale.

    Segue de (5.3.10) que:

    μ(A)=(k=1μ(AEk))+μ(A(k=1Ek)c),\mu^{*}(A)=\Big{(}\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{*}(A\cap E_{k})\Big{)}+\mu^{*}\Big{(% }A\cap\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\Big{)}^{\!\mathrm{c}\,}\Big{)}, (5.3.11)

    para qualquer AA\in\mathcal{H} e para qualquer seqüência (Ek)k1(E_{k})_{k\geq 1} de elementos dois a dois disjuntos de 𝔐\mathfrak{M}. A conclusão é obtida substituindo AA por A(k=1Ek)A\cap\big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\big{)} em (5.3.11).

  • Passo 10.

    O item (c) da tese do teorema vale.

    Basta fazer A=k=1EkA=\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k} em (5.3.3).

  • Passo 11.

    O item (d) da tese do teorema vale.

    Sejam EE\in\mathcal{H} com μ(E)=0\mu^{*}(E)=0 e AA\in\mathcal{H}. Segue da monotonicidade de μ\mu^{*} que:

    μ(AE)+μ(AEc)μ(E)+μ(A)=μ(A).\mu^{*}(A\cap E)+\mu^{*}(A\cap E^{\mathrm{c}})\leq\mu^{*}(E)+\mu^{*}(A)=\mu^{*% }(A).

    Logo EE é μ\mu^{*}-mensurável.∎

5.3.8 Observação.

Seja μ:(X)[0,+]\mu^{*}:\wp(X)\to[0,+\infty] uma medida exterior, onde XX é um conjunto arbitrário. É imediato que o próprio conjunto XX é μ\mu^{*}-mensurável. Segue então do Teorema 5.3.7 que a coleção de conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis é uma σ\sigma-álgebra de partes de XX (veja o Exercício 5.3).

5.3.9 Exemplo.

É bem possível que o σ\sigma-anel de conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis associado a uma medida exterior μ\mu^{*} seja completamente trivial. De fato, seja XX um conjunto arbitrário e seja (X)\mathcal{H}\subset\wp(X) o σ\sigma-anel hereditário constituído pelos subconjuntos enumeráveis de XX. Defina μ:[0,+]\mu^{*}:\mathcal{H}\to[0,+\infty] fazendo:

μ(A)={|A|+1,se A∅︀,0,se A=∅︀,\mu^{*}(A)=\begin{cases}|A|+1,&\text{se $A\neq\emptyset$},\\ \hfil 0,&\text{se $A=\emptyset$},\end{cases}

onde |A|{+}|A|\in\mathds{N}\cup\{+\infty\} denota o número de elementos de AA. É fácil ver que μ\mu^{*} é uma medida exterior em \mathcal{H}. Seja EE\in\mathcal{H} com E∅︀E\neq\emptyset e EXE\neq X; podemos então escolher um ponto xEx\in E e um ponto yXEy\in X\setminus E. Tomando A={x,y}A=\{x,y\}\in\mathcal{H} então:

μ(AE)+μ(AE)=2+23=μ(A),\mu^{*}(A\cap E)+\mu^{*}(A\setminus E)=2+2\neq 3=\mu^{*}(A),

donde vemos que EE não é μ\mu^{*}-mensurável. Concluímos então que, se XX é enumerável (de modo que =(X)\mathcal{H}=\wp(X)) então a σ\sigma-álgebra de conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis é igual a {∅︀,X}\{\emptyset,X\}; se XX é não enumerável então o σ\sigma-anel de conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis é {∅︀}\{\emptyset\}.

5.3.10 Definição.

Se 𝒞\mathcal{C} é uma classe de conjuntos arbitrária então o σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒞\mathcal{C} é o menor σ\sigma-anel hereditário \mathcal{H} que contém 𝒞\mathcal{C}, i.e., \mathcal{H} é um σ\sigma-anel hereditário tal que:

  1. (1)

    𝒞\mathcal{C}\subset\mathcal{H};

  2. (2)

    se \mathcal{H}^{\prime} é um σ\sigma-anel hereditário tal que 𝒞\mathcal{C}\subset\mathcal{H}^{\prime} então \mathcal{H}\subset\mathcal{H}^{\prime}.

Dizemos também que 𝒞\mathcal{C} é um conjunto de geradores para o σ\sigma-anel hereditário \mathcal{H}.

A existência e unicidade do σ\sigma-anel hereditário gerado por uma classe de conjuntos 𝒞\mathcal{C} pode ser demonstrada usando exatamente o mesmo roteiro que foi descrito nos Exercícios 1.22, 5.6, 5.7 e 5.17. No entanto, nós mostraremos a existência do σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒞\mathcal{C} exibindo explicitamente esse σ\sigma-anel hereditário (a unicidade do σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒞\mathcal{C} é evidente). Se 𝒞=∅︀\mathcal{C}=\emptyset então o σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒞\mathcal{C} é ={∅︀}\mathcal{H}=\{\emptyset\}; senão, temos o seguinte:

5.3.11 Lema.

Seja 𝒞\mathcal{C} uma classe de conjuntos não vazia. O σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒞\mathcal{C} é igual a:

={A:existe uma seqüência (Ak)k1 em 𝒞 com Ak=1Ak}.\mathcal{H}=\Big{\{}A:\text{existe uma seqüência $(A_{k})_{k\geq 1}$ em $% \mathcal{C}$ com $A\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}$}\Big{\}}. (5.3.12)
Demonstração.

Pelo resultado do Exercício 5.20, \mathcal{H} é um σ\sigma-anel que contém 𝒞\mathcal{C}. Obviamente, se AA\in\mathcal{H} e BAB\subset A então BB\in\mathcal{H}, de modo que \mathcal{H} é um σ\sigma-anel hereditário que contém 𝒞\mathcal{C}. Para verificar a condição (2) que aparece na Definição 5.3.10, observe que se \mathcal{H}^{\prime} é um σ\sigma-anel hereditário que contém 𝒞\mathcal{C} então k=1Ak\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\in\mathcal{H}^{\prime}, para toda seqüência (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} de elementos de 𝒞\mathcal{C}; logo todo subconjunto de k=1Ak\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k} está em \mathcal{H}^{\prime}, donde \mathcal{H}\subset\mathcal{H}^{\prime}. ∎

5.3.12 Exemplo.

Seja 𝒞\mathcal{C} uma classe de conjuntos tal que ∅︀𝒞\emptyset\in\mathcal{C} e seja dada uma aplicação μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] (não necessariamente uma medida) tal que μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0. Seja \mathcal{H} (veja (5.3.12)) o σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒞\mathcal{C}. Vamos definir uma medida exterior μ\mu^{*} em \mathcal{H} associada a μ\mu. Para cada AA\in\mathcal{H}, seja:

𝒞μ(A)={k=1μ(Ak):Ak=1Ak,Ak𝒞,para todo k1},\mathcal{C}_{\mu}(A)=\Big{\{}\sum_{k=1}^{\infty}\mu(A_{k}):A\subset\bigcup_{k=% 1}^{\infty}A_{k},\ A_{k}\in\mathcal{C},\ \text{para todo $k\geq 1$}\Big{\}},

e defina:

μ(A)=inf𝒞μ(A).\mu^{*}(A)=\inf\,\mathcal{C}_{\mu}(A).

Evidentemente, μ(A)[0,+]\mu^{*}(A)\in[0,+\infty], para todo AA\in\mathcal{H} (note que 𝒞μ(A)∅︀\mathcal{C}_{\mu}(A)\neq\emptyset, já que AA\in\mathcal{H}). Observe também que para todo A𝒞A\in\mathcal{C}, temos:

μ(A)μ(A);\mu^{*}(A)\leq\mu(A); (5.3.13)

de fato, basta tomar A1=AA_{1}=A e Ak=∅︀A_{k}=\emptyset para todo k2k\geq 2 para ver que μ(A)\mu(A) está em 𝒞μ(A)\mathcal{C}_{\mu}(A). Vamos mostrar que μ\mu^{*} é uma medida exterior em \mathcal{H}. De (5.3.13) segue que μ(∅︀)=0\mu^{*}(\emptyset)=0. Se A,BA,B\in\mathcal{H} e ABA\subset B então 𝒞μ(B)𝒞μ(A)\mathcal{C}_{\mu}(B)\subset\mathcal{C}_{\mu}(A), donde μ(A)μ(B)\mu^{*}(A)\leq\mu^{*}(B), provando a monotonicidade de μ\mu^{*}. Finalmente, provemos a σ\sigma-subaditividade de μ\mu^{*}. Seja (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} uma seqüência em \mathcal{H}. Dado ε>0\varepsilon>0 então para todo k1k\geq 1 existe uma seqüência (Aki)i1(A_{ki})_{i\geq 1} em 𝒞\mathcal{C} tal que:

Aki=1Akiei=1μ(Aki)μ(Ak)+ε2k.A_{k}\subset\bigcup_{i=1}^{\infty}A_{ki}\quad\text{e}\quad\sum_{i=1}^{\infty}% \mu(A_{ki})\leq\mu^{*}(A_{k})+\frac{\varepsilon}{2^{k}}.

Daí k=1Akk=1i=1Aki\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}\bigcup_{i=1}^{\infty}% A_{ki} e k=1i=1μ(Aki)𝒞μ(k=1Ak)\sum_{k=1}^{\infty}\sum_{i=1}^{\infty}\mu(A_{ki})\in\mathcal{C}_{\mu}\big{(}% \bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\big{)}; portanto:

μ(k=1Ak)k=1i=1μ(Aki)k=1(μ(Ak)+ε2k)=(k=1μ(Ak))+ε.\mu^{*}\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\Big{)}\leq\sum_{k=1}^{\infty}\sum_{i% =1}^{\infty}\mu(A_{ki})\leq\sum_{k=1}^{\infty}\Big{(}\mu^{*}(A_{k})+\frac{% \varepsilon}{2^{k}}\Big{)}=\Big{(}\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{*}(A_{k})\Big{)}+\varepsilon.

Como ε>0\varepsilon>0 é arbitrário, a σ\sigma-subaditividade de μ\mu^{*} segue.

5.3.13 Definição.

Seja 𝒞\mathcal{C} uma classe de conjuntos tal que ∅︀𝒞\emptyset\in\mathcal{C} e seja dada uma aplicação μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] (não necessariamente uma medida) tal que μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0. Se \mathcal{H} denota o σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒞\mathcal{C} então a medida exterior μ:[0,+]\mu^{*}:\mathcal{H}\to[0,+\infty] definida como no Exemplo 5.3.12 é chamada a medida exterior determinada por μ\mu.

5.3.14 Exemplo.

Se 𝒞(n)\mathcal{C}\subset\wp(\mathds{R}^{n}) é a classe dos blocos retangulares nn-dimensionais e se μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] é a aplicação que associa a cada bloco retangular nn-dimensional seu volume então o σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒞\mathcal{C} é (n)\wp(\mathds{R}^{n}) e a medida exterior μ\mu^{*} determinada por μ\mu coincide com a medida exterior de Lebesgue em n\mathds{R}^{n}.

Observamos que, mesmo se μ:𝒞[0,+]\mu:\mathcal{C}\to[0,+\infty] é uma medida, é possível que tenhamos uma desigualdade estrita em (5.3.13) (veja Exercício 5.22). No entanto, temos o seguinte:

5.3.15 Lema.

Seja 𝒮\mathcal{S} um semi-anel e μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] uma medida em 𝒮\mathcal{S}. Denote por \mathcal{H} o σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒮\mathcal{S} e por μ:[0,+]\mu^{*}:\mathcal{H}\to[0,+\infty] a medida exterior determinada por μ\mu. Então:

  • (a)

    μ(A)=μ(A)\mu^{*}(A)=\mu(A), para todo A𝒮A\in\mathcal{S};

  • (b)

    todo elemento de 𝒮\mathcal{S} é μ\mu^{*}-mensurável.

Demonstração.

Seja \mathcal{R} o anel gerado por 𝒮\mathcal{S} e seja μ~:[0,+]\tilde{\mu}:\mathcal{R}\to[0,+\infty] a única medida em \mathcal{R} que estende μ\mu (veja Teorema 5.1.23). Nós vamos mostrar que μ(A)=μ~(A)\mu^{*}(A)=\tilde{\mu}(A), para todo AA\in\mathcal{R}; isso implicará em particular que o item (a) vale. Seja AA\in\mathcal{R} e sejam A1,,At𝒮A_{1},\ldots,A_{t}\in\mathcal{S} dois a dois disjuntos de modo que A=k=1tAkA=\bigcup_{k=1}^{t}A_{k} (veja Lema 5.1.21). Tomando Ak=∅︀A_{k}=\emptyset para k>tk>t concluímos que:

μ(A)k=1μ(Ak)=k=1tμ(Ak)=μ~(A).\mu^{*}(A)\leq\sum_{k=1}^{\infty}\mu(A_{k})=\sum_{k=1}^{t}\mu(A_{k})=\tilde{% \mu}(A).

Por outro lado, se (Bk)k1(B_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência em 𝒮\mathcal{S} tal que Ak=1BkA\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}B_{k} então segue do item (f) do Lema 5.1.6 aplicado à medida μ~\tilde{\mu} que:

μ~(A)k=1μ~(Bk)=k=1μ(Bk),\tilde{\mu}(A)\leq\sum_{k=1}^{\infty}\tilde{\mu}(B_{k})=\sum_{k=1}^{\infty}\mu% (B_{k}),

donde μ~(A)μ(A)\tilde{\mu}(A)\leq\mu^{*}(A). Provamos então que μ(A)=μ~(A)\mu^{*}(A)=\tilde{\mu}(A). Seja agora E𝒮E\in\mathcal{S} e provemos que EE é μ\mu^{*}-mensurável. Dado AA\in\mathcal{H} arbitrariamente, devemos verificar que μ(A)μ(AE)+μ(AE)\mu^{*}(A)\geq\mu^{*}(A\cap E)+\mu^{*}(A\setminus E). Para isso, é suficiente mostrar que para toda seqüência (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} em 𝒮\mathcal{S} com Ak=1AkA\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k} vale a desigualdade:

k=1μ(Ak)μ(AE)+μ(AE).\sum_{k=1}^{\infty}\mu(A_{k})\geq\mu^{*}(A\cap E)+\mu^{*}(A\setminus E). (5.3.14)

Temos AkE,AkEA_{k}\cap E,A_{k}\setminus E\in\mathcal{R} e Ak=(AkE)(AkE)A_{k}=(A_{k}\cap E)\cup(A_{k}\setminus E), para todo k1k\geq 1 e portanto:

μ(Ak)=μ~(Ak)=μ~(AkE)+μ~(AkE)=μ(AkE)+μ(AkE);\mu(A_{k})=\tilde{\mu}(A_{k})=\tilde{\mu}(A_{k}\cap E)+\tilde{\mu}(A_{k}% \setminus E)=\mu^{*}(A_{k}\cap E)+\mu^{*}(A_{k}\setminus E);

daí:

k=1μ(Ak)=k=1μ(AkE)+k=1μ(AkE).\sum_{k=1}^{\infty}\mu(A_{k})=\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{*}(A_{k}\cap E)+\sum_{k=% 1}^{\infty}\mu^{*}(A_{k}\setminus E). (5.3.15)

Como AEk=1(AkE)A\cap E\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}(A_{k}\cap E) e AEk=1(AkE)A\setminus E\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}(A_{k}\setminus E), segue da monotonicidade e da σ\sigma-subaditividade de μ\mu^{*} que:

μ(AE)k=1μ(AkE),μ(AE)k=1μ(AkE).\mu^{*}(A\cap E)\leq\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{*}(A_{k}\cap E),\quad\mu^{*}(A% \setminus E)\leq\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{*}(A_{k}\setminus E). (5.3.16)

De (5.3.15) e (5.3.16) segue (5.3.14), o que prova que EE é μ\mu^{*}-mensurável. ∎

Como conseqüência direta do Lema 5.3.15 e do Teorema 5.3.7 obtemos o seguinte:

5.3.16 Teorema (teorema da extensão).

Seja μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] uma medida num semi-anel 𝒮\mathcal{S}. Então μ\mu estende-se a uma medida no σ\sigma-anel gerado por 𝒮\mathcal{S}; se μ\mu é σ\sigma-finita então essa extensão é única e σ\sigma-finita.

Demonstração.

Seja μ\mu^{*} a medida exterior determinada por μ\mu; pelo Teorema 5.3.7, a coleção 𝔐\mathfrak{M} dos conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis é um σ\sigma-anel e a restrição de μ\mu^{*} a 𝔐\mathfrak{M} é uma medida. Mas, pelo Lema 5.3.15, 𝔐\mathfrak{M} contém 𝒮\mathcal{S} e μ\mu^{*} é uma extensão de μ\mu; logo 𝔐\mathfrak{M} contém o σ\sigma-anel gerado por 𝒮\mathcal{S} e a restrição de μ\mu^{*} a esse σ\sigma-anel é uma medida que estende μ\mu. Se μ\mu é σ\sigma-finita então essa extensão é única e σ\sigma-finita, pelo Corolário 5.2.13. ∎

5.3.17 Exemplo.

Seja 𝒮\mathcal{S} o semi-anel constituído pelos intervalos da forma ]a,b]\left]a,b\right], a,ba,b\in\mathds{R} (veja (5.1.5)) e seja μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] definida por μ(]a,b])=ba\mu\big{(}\left]a,b\right]\big{)}=b-a, para todos a,ba,b\in\mathds{R} com aba\leq b. Segue da Proposição 5.1.32 que μ\mu é uma medida em 𝒮\mathcal{S}. O σ\sigma-anel 𝒜=()\mathcal{A}=\mathcal{B}(\mathds{R}) gerado por 𝒮\mathcal{S} é precisamente a σ\sigma-álgebra de Borel de \mathds{R} (veja Exercício 5.9). Como μ\mu é finita (e portanto σ\sigma-finita), o Teorema 5.3.16 nos diz que μ\mu estende-se de modo único a uma medida em ()\mathcal{B}(\mathds{R}). Note que a medida de Lebesgue 𝔪:()[0,+]\mathfrak{m}:\mathcal{M}(\mathds{R})\to[0,+\infty] construída na Seção 1.4 restrita ao σ\sigma-anel ()\mathcal{B}(\mathds{R}) é uma medida em ()\mathcal{B}(\mathds{R}) que estende μ\mu. Concluímos então que a restrição da medida de Lebesgue 𝔪\mathfrak{m} a ()\mathcal{B}(\mathds{R}) é precisamente a única extensão da medida μ\mu ao σ\sigma-anel ()\mathcal{B}(\mathds{R}).

5.3.18 Exemplo.

Sejam 𝒮\mathcal{S} o semi-anel constituído pelos intervalos da forma ]a,b]\left]a,b\right], a,ba,b\in\mathds{R} (veja (5.1.5)), F:F:\mathds{R}\to\mathds{R} uma função crescente e contínua à direita e μF:𝒮[0,+]\mu_{F}:\mathcal{S}\to[0,+\infty] definida por μF(]a,b])=F(b)F(a)\mu_{F}\big{(}\left]a,b\right]\big{)}=F(b)-F(a), para todos a,ba,b\in\mathds{R} com aba\leq b. Segue da Proposição 5.1.32 que μF\mu_{F} é uma medida em 𝒮\mathcal{S}. Como μF\mu_{F} é finita (e portanto σ\sigma-finita), o Teorema 5.3.16 nos diz que μF\mu_{F} estende-se de modo único a uma medida (também σ\sigma-finita) no σ\sigma-anel 𝒜=()\mathcal{A}=\mathcal{B}(\mathds{R}) gerado por 𝒮\mathcal{S}. Vamos denotar essa extensão de μF\mu_{F} também por μF\mu_{F}. A medida μF:()[0,+]\mu_{F}:\mathcal{B}(\mathds{R})\to[0,+\infty] é chamada a medida de Lebesgue–Stieltjes associada à função crescente e contínua à direita F:F:\mathds{R}\to\mathds{R}. Note que se μ:()[0,+]\mu:\mathcal{B}(\mathds{R})\to[0,+\infty] é uma medida arbitrária que seja finita sobre intervalos limitados então a Proposição 5.1.16 nos diz que existe uma função crescente F:F:\mathds{R}\to\mathds{R} tal que μF=μ|𝒮\mu_{F}=\mu|_{\mathcal{S}}; a função FF é única, a menos da possível adição de constantes. Como μ|𝒮\mu|_{\mathcal{S}} é uma medida σ\sigma-aditiva, a Proposição 5.1.32 nos diz que FF é contínua à direita. Temos portanto que μ\mu é a única extensão de μF:𝒮[0,]\mu_{F}:\mathcal{S}\to[0,\infty] a ()\mathcal{B}(\mathds{R}). Concluímos então que toda medida em ()\mathcal{B}(\mathds{R}) que seja finita sobre intervalos limitados é a medida de Lebesgue–Stieltjes associada a alguma função crescente e contínua à direita F:F:\mathds{R}\to\mathds{R}; a função FF é única, a menos da possível adição de constantes.

Note que se μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] é uma medida num semi-anel 𝒮\mathcal{S} então a extensão de μ\mu que construímos está definida num σ\sigma-anel 𝔐\mathfrak{M} que pode ser maior do que o σ\sigma-anel gerado por 𝒮\mathcal{S}. Por exemplo, se 𝒮\mathcal{S} e μ\mu são definidos como no Exemplo 5.3.17 então o σ\sigma-anel gerado por 𝒮\mathcal{S} é a σ\sigma-álgebra de Borel da reta, mas o σ\sigma-anel 𝔐\mathfrak{M} de conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis coincide com a σ\sigma-álgebra de conjuntos Lebesgue mensuráveis (veja Exercício 5.24 e Observação 5.3.6).

Vamos agora investigar um pouco mais a fundo o σ\sigma-anel 𝔐\mathfrak{M} e a extensão de μ\mu definida em 𝔐\mathfrak{M}.

5.3.19 Lema.

Sejam 𝒮\mathcal{S} um semi-anel, μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] uma medida em 𝒮\mathcal{S}, \mathcal{H} o σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒮\mathcal{S}, μ:[0,+]\mu^{*}:\mathcal{H}\to[0,+\infty] a medida exterior determinada por μ\mu, 𝔐\mathfrak{M} o σ\sigma-anel de conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis e 𝒜\mathcal{A} o σ\sigma-anel gerado por 𝒮\mathcal{S}. Então:

  • (a)

    para todo AA\in\mathcal{H} existe E𝒜E\in\mathcal{A} tal que AEA\subset E e μ(A)=μ(E)\mu^{*}(A)=\mu^{*}(E);

  • (b)

    se A𝔐A\in\mathfrak{M} é σ\sigma-finito com respeito à medida μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} então existem E,W𝒜E,W\in\mathcal{A} tais que WAEW\subset A\subset E, e μ(AW)=μ(EA)=0\mu^{*}(A\setminus W)=\mu^{*}(E\setminus A)=0.

Demonstração.

Começamos provando o item (a). Seja AA\in\mathcal{H}. Para todo n1n\geq 1 existe uma seqüência (Ank)k1(A_{nk})_{k\geq 1} em 𝒮\mathcal{S} tal que Ak=1AnkA\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{nk} e k=1μ(Ank)μ(A)+1n\sum_{k=1}^{\infty}\mu(A_{nk})\leq\mu^{*}(A)+\frac{1}{n}; se An=k=1AnkA_{n}=\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{nk} então An𝒜A_{n}\in\mathcal{A}, AAnA\subset A_{n} e da σ\sigma-subaditividade de μ\mu^{*} vem:

μ(An)k=1μ(Ank)=k=1μ(Ank)μ(A)+1n.\mu^{*}(A_{n})\leq\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{*}(A_{nk})=\sum_{k=1}^{\infty}\mu(A_% {nk})\leq\mu^{*}(A)+\frac{1}{n}.

Tomando E=n=1AnE=\bigcap_{n=1}^{\infty}A_{n} então E𝒜E\in\mathcal{A}, AEA\subset E e:

μ(A)μ(E)μ(An)μ(A)+1n,\mu^{*}(A)\leq\mu^{*}(E)\leq\mu^{*}(A_{n})\leq\mu^{*}(A)+\frac{1}{n},

para todo n1n\geq 1; daí μ(E)=μ(A)\mu^{*}(E)=\mu^{*}(A), o que prova o item (a). Passemos à prova do item (b). Seja A𝔐A\in\mathfrak{M} um conjunto σ\sigma-finito com respeito à medida μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}}. Existe então uma seqüência (Xk)k1(X_{k})_{k\geq 1} em 𝔐\mathfrak{M} com Ak=1XkA\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}X_{k} e μ(Xk)<+\mu^{*}(X_{k})<+\infty, para todo k1k\geq 1. Para cada k1k\geq 1, como AXk𝔐A\cap X_{k}\in\mathfrak{M}\subset\mathcal{H}, o item (a) nos dá Ek𝒜E_{k}\in\mathcal{A} com AXkEkA\cap X_{k}\subset E_{k} e μ(AXk)=μ(Ek)\mu^{*}(A\cap X_{k})=\mu^{*}(E_{k}). Como AXk,Ek𝔐A\cap X_{k},E_{k}\in\mathfrak{M}, μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} é uma medida e μ(AXk)<+\mu^{*}(A\cap X_{k})<+\infty, obtemos:

μ(Ek(AXk))=μ(Ek)μ(AXk)=0,\mu^{*}\big{(}E_{k}\setminus(A\cap X_{k})\big{)}=\mu^{*}(E_{k})-\mu^{*}(A\cap X% _{k})=0,

para todo k1k\geq 1. Seja E=k=1Ek𝒜E=\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}\in\mathcal{A}. Evidentemente:

A=k=1(AXk)k=1Ek=E;A=\bigcup_{k=1}^{\infty}(A\cap X_{k})\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k}=E;

além do mais:

EAk=1(Ek(AXk)),E\setminus A\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}\big{(}E_{k}\setminus(A\cap X_{k})% \big{)},

e portanto:

μ(EA)k=1μ(Ek(AXk))=0.\mu^{*}(E\setminus A)\leq\sum_{k=1}^{\infty}\mu^{*}\big{(}E_{k}\setminus(A\cap X% _{k})\big{)}=0.

Vamos agora mostrar a existência de W𝒜W\in\mathcal{A} com WAW\subset A e μ(AW)=0\mu^{*}(A\setminus W)=0. Como EAE\setminus A\in\mathcal{H}, o item (a) nos dá N𝒜N\in\mathcal{A} com EANE\setminus A\subset N e:

μ(N)=μ(EA)=0.\mu^{*}(N)=\mu^{*}(E\setminus A)=0.

Tome W=ENW=E\setminus N; temos que W𝒜W\in\mathcal{A} e WAW\subset A. Além do mais, AWNA\setminus W\subset N e portanto μ(AW)μ(N)=0\mu^{*}(A\setminus W)\leq\mu^{*}(N)=0. Isso completa a demonstração. ∎

5.3.20 Observação.

Pode ser interessante para o leitor comparar o enunciado do Lema 5.3.19 aos enunciados dos Lemas 1.4.50, 1.4.28 e do Corolário 1.4.31.

Vimos no Exemplo 5.2.14 que uma medida não σ\sigma-finita μ\mu num semi-anel 𝒮\mathcal{S} pode admitir extensões σ\sigma-finitas para o σ\sigma-anel gerado por 𝒮\mathcal{S}. No entanto, se consideramos apenas a forma específica de construir extensões que foi desenvolvida nesta seção então temos o seguinte:

5.3.21 Lema.

Sob as condições do Lema 5.3.19, as seguintes afirmações são equivalentes:

  • (a)

    a medida μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] é σ\sigma-finita;

  • (b)

    a medida μ|𝒜\mu^{*}|_{\mathcal{A}} é σ\sigma-finita;

  • (c)

    a medida μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} é σ\sigma-finita.

Demonstração.
  • \bullet

    (a)\Rightarrow(b).

    Segue da Observação 5.2.9.

  • \bullet

    (b)\Rightarrow(c).

    Dado A𝔐A\in\mathfrak{M} então AA\in\mathcal{H} e portanto AA está contido numa união enumerável de elementos de 𝒮\mathcal{S}; segue então que AA está contido num elemento de 𝒜\mathcal{A}. A conclusão é obtida observando que todo elemento de 𝒜\mathcal{A} está contido numa união enumerável de elementos de 𝒜\mathcal{A} de medida finita.

  • \bullet

    (c)\Rightarrow(a).

    Dado A𝒮A\in\mathcal{S} então A𝔐A\in\mathfrak{M} e portanto existe uma seqüência (Ak)k1(A_{k})_{k\geq 1} em 𝔐\mathfrak{M} tal que Ak=1AkA\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k} e μ(Ak)<+\mu^{*}(A_{k})<+\infty, para todo k1k\geq 1. Pela definição de μ\mu^{*}, se μ(Ak)<+\mu^{*}(A_{k})<+\infty então AkA_{k} está contido numa união enumerável de elementos de 𝒮\mathcal{S} de medida finita; logo AA está contido numa união enumerável de elementos de 𝒮\mathcal{S} de medida finita.∎

5.3.22 Exemplo.

Seja XX um conjunto não vazio. Considere o semi-anel 𝒮={∅︀,X}\mathcal{S}=\{\emptyset,X\} e a medida μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] definida por μ(∅︀)=0\mu(\emptyset)=0 e μ(X)=+\mu(X)=+\infty. Temos que o σ\sigma-anel 𝒜\mathcal{A} gerado por 𝒮\mathcal{S} é igual a 𝒮\mathcal{S} e o σ\sigma-anel hereditário gerado por 𝒮\mathcal{S} é igual a =(X)\mathcal{H}=\wp(X). É fácil ver que a medida exterior μ:(X)[0,+]\mu^{*}:\wp(X)\to[0,+\infty] determinada por μ\mu é dada por μ(∅︀)=0\mu^{*}(\emptyset)=0 e μ(A)=+\mu^{*}(A)=+\infty, para todo AXA\subset X não vazio. Temos então que o σ\sigma-anel 𝔐\mathfrak{M} de conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis é igual a (X)\wp(X). Esse exemplo ilustra a necessidade da hipótese de σ\sigma-finitude no item (b) do Lema 5.3.19.

5.3.1. Completamento de medidas

Seja μ:𝒜[0,+]\mu:\mathcal{A}\to[0,+\infty] uma medida num σ\sigma-anel 𝒜\mathcal{A}. É perfeitamente possível que exista um conjunto A𝒜A\in\mathcal{A} com μ(A)=0\mu(A)=0 tal que nem todo subconjunto de AA está em 𝒜\mathcal{A}.

5.3.23 Definição.

Uma medida μ:𝒜[0,+]\mu:\mathcal{A}\to[0,+\infty] num σ\sigma-anel 𝒜\mathcal{A} é dita completa se para todo A𝒜A\in\mathcal{A} com μ(A)=0\mu(A)=0 e para todo BAB\subset A temos B𝒜B\in\mathcal{A}.

5.3.24 Proposição.

Seja μ:[0,+]\mu^{*}:\mathcal{H}\to[0,+\infty] uma medida exterior num σ\sigma-anel hereditário \mathcal{H}. Se 𝔐\mathfrak{M} denota a coleção dos conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis então a medida μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} é completa.

Demonstração.

Segue diretamente do item (d) do Teorema 5.3.7. ∎

5.3.25 Lema.

Seja μ:𝒜[0,+]\mu:\mathcal{A}\to[0,+\infty] uma medida num σ\sigma-anel 𝒜\mathcal{A}. A classe de conjuntos:

𝒜¯={AN:A𝒜 e existe M𝒜 com NM e μ(M)=0}\overline{\mathcal{A}}=\big{\{}A\cup N:\text{$A\in\mathcal{A}$ e existe $M\in% \mathcal{A}$ com $N\subset M$ e $\mu(M)=0$}\big{\}}

é um σ\sigma-anel que contém 𝒜\mathcal{A} e existe uma única medida μ¯:𝒜¯[0,+]\bar{\mu}:\overline{\mathcal{A}}\to[0,+\infty] em 𝒜¯\overline{\mathcal{A}} que estende μ\mu. A medida μ¯\bar{\mu} é a menor extensão completa de μ\mu, no sentido que:

  • μ¯\bar{\mu} é uma medida completa;

  • se μ:𝒜[0,+]\mu^{\prime}:\mathcal{A}^{\prime}\to[0,+\infty] é uma medida completa num σ\sigma-anel 𝒜\mathcal{A}^{\prime} contendo 𝒜\mathcal{A} e se μ\mu^{\prime} estende μ\mu então 𝒜\mathcal{A}^{\prime} contém 𝒜¯\overline{\mathcal{A}} e μ\mu^{\prime} estende μ¯\bar{\mu}.

Demonstração.

Evidentemente 𝒜𝒜¯\mathcal{A}\subset\overline{\mathcal{A}}. Seja (AkNk)k1(A_{k}\cup N_{k})_{k\geq 1} uma seqüência em 𝒜¯\overline{\mathcal{A}}, onde para cada k1k\geq 1, Ak𝒜A_{k}\in\mathcal{A} e existe Mk𝒜M_{k}\in\mathcal{A} com NkMkN_{k}\subset M_{k} e μ(Mk)=0\mu(M_{k})=0. Temos:

k=1(AkNk)=(k=1Ak)(k=1Nk)𝒜¯,\bigcup_{k=1}^{\infty}(A_{k}\cup N_{k})=\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\Big% {)}\cup\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}N_{k}\Big{)}\in\overline{\mathcal{A}}, (5.3.17)

já que k=1Ak𝒜\bigcup_{k=1}^{\infty}A_{k}\in\mathcal{A}, k=1Nkk=1Mk𝒜\bigcup_{k=1}^{\infty}N_{k}\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}M_{k}\in\mathcal{A} e:

μ(k=1Mk)k=1μ(Mk)=0.\mu\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}M_{k}\Big{)}\leq\sum_{k=1}^{\infty}\mu(M_{k})=0.

Sejam A1N1,A2N2𝒜¯A_{1}\cup N_{1},A_{2}\cup N_{2}\in\overline{\mathcal{A}}, com A1,A2𝒜A_{1},A_{2}\in\mathcal{A}, N1M1N_{1}\subset M_{1}, N2M2N_{2}\subset M_{2}, M1,M2𝒜M_{1},M_{2}\in\mathcal{A} e μ(M1)=μ(M2)=0\mu(M_{1})=\mu(M_{2})=0. Se A=A1(A2M2)A=A_{1}\setminus(A_{2}\cup M_{2}) então A𝒜A\in\mathcal{A} e:

A(A1N1)(A2N2);A\subset(A_{1}\cup N_{1})\setminus(A_{2}\cup N_{2});

podemos então escrever:

(A1N1)(A2N2)=AN,(A_{1}\cup N_{1})\setminus(A_{2}\cup N_{2})=A\cup N,

onde N=[(A1N1)(A2N2)]AN=[(A_{1}\cup N_{1})\setminus(A_{2}\cup N_{2})]\setminus A. É fácil ver que NN1M2M1M2N\subset N_{1}\cup M_{2}\subset M_{1}\cup M_{2}. Como M1M2𝒜M_{1}\cup M_{2}\in\mathcal{A} e μ(M1M2)=0\mu(M_{1}\cup M_{2})=0, segue que (A1N1)(A2N2)𝒜¯(A_{1}\cup N_{1})\setminus(A_{2}\cup N_{2})\in\overline{\mathcal{A}}. Isso prova que 𝒜¯\overline{\mathcal{A}} é um σ\sigma-anel. Se μ¯\bar{\mu} é uma medida em 𝒜¯\overline{\mathcal{A}} que estende μ\mu então:

μ(A)=μ¯(A)μ¯(AN)μ¯(A)+μ¯(N)μ¯(A)+μ¯(M)=μ(A),\mu(A)=\bar{\mu}(A)\leq\bar{\mu}(A\cup N)\leq\bar{\mu}(A)+\bar{\mu}(N)\leq\bar% {\mu}(A)+\bar{\mu}(M)=\mu(A),

para todos A,M𝒜A,M\in\mathcal{A}, NMN\subset M, com μ(M)=0\mu(M)=0; daí:

μ¯(AN)=μ(A),\bar{\mu}(A\cup N)=\mu(A), (5.3.18)

para todos A,M𝒜A,M\in\mathcal{A}, NMN\subset M, com μ(M)=0\mu(M)=0. Isso prova a unicidade de μ¯\bar{\mu}; para provar a existência, nós usaremos a igualdade (5.3.18) para definir μ¯\bar{\mu} em 𝒜¯\overline{\mathcal{A}}. Para verificar que μ¯\bar{\mu} está de fato bem definida, devemos mostrar que μ(A1)=μ(A2)\mu(A_{1})=\mu(A_{2}), sempre que A1N1=A2N2A_{1}\cup N_{1}=A_{2}\cup N_{2}, N1M1N_{1}\subset M_{1}, N2M2N_{2}\subset M_{2}, A1,A2,M1,M2𝒜A_{1},A_{2},M_{1},M_{2}\in\mathcal{A} e μ(M1)=μ(M2)=0\mu(M_{1})=\mu(M_{2})=0. Temos:

A1A2N1N2M1M2,A_{1}\bigtriangleup A_{2}\subset N_{1}\cup N_{2}\subset M_{1}\cup M_{2},

donde μ(A1A2)=0\mu(A_{1}\bigtriangleup A_{2})=0; segue então do resultado do Exercício 5.12 que μ(A1)=μ(A2)\mu(A_{1})=\mu(A_{2}). Concluímos que μ¯\bar{\mu} está bem definida e é claro que μ¯\bar{\mu} estende μ\mu. Para verificar que μ¯\bar{\mu} é uma medida em 𝒜¯\overline{\mathcal{A}}, seja (AkNk)k1(A_{k}\cup N_{k})_{k\geq 1} uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de 𝒜¯\overline{\mathcal{A}}, onde para cada k1k\geq 1, Ak𝒜A_{k}\in\mathcal{A} e existe Mk𝒜M_{k}\in\mathcal{A} com NkMkN_{k}\subset M_{k} e μ(Mk)=0\mu(M_{k})=0. Temos:

μ¯(k=1(AkNk))=(5.3.17)μ(k=1Ak)=k=1μ(Ak)=k=1μ¯(AkNk),\bar{\mu}\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}(A_{k}\cup N_{k})\Big{)}\stackrel{{% \scriptstyle\eqref{eq:countunbarcalA}}}{{=}}\mu\Big{(}\bigcup_{k=1}^{\infty}A_% {k}\Big{)}=\sum_{k=1}^{\infty}\mu(A_{k})=\sum_{k=1}^{\infty}\bar{\mu}(A_{k}% \cup N_{k}),

o que prova que μ¯\bar{\mu} é uma medida. Vejamos que μ¯\bar{\mu} é completa. Sejam dados A,M𝒜A,M\in\mathcal{A}, NMN\subset M com μ(M)=0\mu(M)=0 e μ¯(AN)=0\bar{\mu}(A\cup N)=0; daí μ(A)=0\mu(A)=0. Se BB é um subconjunto de ANA\cup N então B=∅︀BB=\emptyset\cup B, onde ∅︀𝒜\emptyset\in\mathcal{A}, BAM𝒜B\subset A\cup M\in\mathcal{A} e μ(AM)=0\mu(A\cup M)=0. Logo B𝒜¯B\in\overline{\mathcal{A}} e a medida μ¯\bar{\mu} é completa. Finalmente, seja μ:𝒜[0,+]\mu^{\prime}:\mathcal{A}^{\prime}\to[0,+\infty] uma medida completa que estende μ\mu, definida num σ\sigma-anel 𝒜\mathcal{A}^{\prime}. Dados A,M𝒜A,M\in\mathcal{A}, NMN\subset M com μ(M)=0\mu(M)=0 então A,M𝒜A,M\in\mathcal{A}^{\prime} e μ(M)=0\mu^{\prime}(M)=0; como μ\mu^{\prime} é completa e NMN\subset M, temos N𝒜N\in\mathcal{A}^{\prime} e portanto AN𝒜A\cup N\in\mathcal{A}^{\prime}. Isso prova que 𝒜\mathcal{A}^{\prime} contém 𝒜¯\overline{\mathcal{A}}. Como a restrição de μ\mu^{\prime} a 𝒜¯\overline{\mathcal{A}} é uma medida em 𝒜¯\overline{\mathcal{A}} que estende μ\mu, vemos que essa restrição deve coincidir com μ¯\bar{\mu}; logo μ\mu^{\prime} é uma extensão de μ¯\bar{\mu}. Isso completa a demonstração. ∎

5.3.26 Definição.

A medida μ¯:𝒜¯[0,+]\bar{\mu}:\overline{\mathcal{A}}\to[0,+\infty] cuja existência e unicidade é garantida pelo Lema 5.3.25 é chamada o completamento da medida μ\mu.

5.3.27 Observação.

Se (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu) é um espaço de medida (i.e., XX é um conjunto, 𝒜\mathcal{A} é uma σ\sigma-álgebra de partes de XX e μ\mu é uma medida em 𝒜\mathcal{A}) e se μ¯:𝒜¯[0,+]\bar{\mu}:\overline{\mathcal{A}}\to[0,+\infty] é o completamento de μ\mu então 𝒜¯\overline{\mathcal{A}} é uma σ\sigma-álgebra de partes de XX, já que 𝒜¯\overline{\mathcal{A}} é um σ\sigma-anel e X𝒜𝒜¯X\in\mathcal{A}\subset\overline{\mathcal{A}} (veja Exercício 5.3). Logo (X,𝒜¯,μ¯)(X,\overline{\mathcal{A}},\bar{\mu}) também é um espaço de medida; nós dizemos então que (X,𝒜¯,μ¯)(X,\overline{\mathcal{A}},\bar{\mu}) é o completamento de (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu).

5.3.28 Proposição.

Sob as condições do Lema 5.3.19, se a medida μ:𝒮[0,+]\mu:\mathcal{S}\to[0,+\infty] é σ\sigma-finita então a medida μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} é o completamento da medida μ|𝒜\mu^{*}|_{\mathcal{A}}.

Demonstração.

Pela Proposição 5.3.24, a medida μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} é uma extensão completa de μ|𝒜\mu^{*}|_{\mathcal{A}} e portanto é uma extensão do completamento de μ|𝒜\mu^{*}|_{\mathcal{A}}. Para mostrar que μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} é o completamento de μ|𝒜\mu^{*}|_{\mathcal{A}}, devemos verificar que para todo A𝔐A\in\mathfrak{M} existem W,M𝒜W,M\in\mathcal{A} e NMN\subset M com A=WNA=W\cup N e μ(M)=0\mu^{*}(M)=0. Como μ\mu é σ\sigma-finita, temos que AA é σ\sigma-finito com respeito a μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} (veja Lema 5.3.21) e portanto, pelo Lema 5.3.19, existe W𝒜W\in\mathcal{A} com WAW\subset A e μ(AW)=0\mu^{*}(A\setminus W)=0. Tome N=AWN=A\setminus W, de modo que A=WNA=W\cup N. Aplicando novamente o Lema 5.3.19 obtemos M𝒜M\in\mathcal{A} com NMN\subset M e μ(M)=μ(N)=0\mu^{*}(M)=\mu^{*}(N)=0. Isso completa a demonstração. ∎

Se μ\mu e 𝒮\mathcal{S} são definidos como no Exemplo 5.3.17 e se μ\mu^{*} é a medida exterior determinada por μ\mu então a σ\sigma-álgebra 𝔐\mathfrak{M} de conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis coincide com a σ\sigma-álgebra ()\mathcal{M}(\mathds{R}) de subconjuntos Lebesgue mensuráveis da reta e a restrição de μ\mu^{*} a 𝔐\mathfrak{M} coincide exatamente com a medida de Lebesgue 𝔪\mathfrak{m}. Temos duas maneiras de verificar a validade dessa afirmação. Uma delas segue da Observação 5.3.6 usando o resultado do Exercício 5.24. A outra é a seguinte; vimos no Exemplo 5.3.17 que se 𝒜\mathcal{A} é o σ\sigma-anel gerado por 𝒮\mathcal{S} então 𝒜=()\mathcal{A}=\mathcal{B}(\mathds{R}) coincide com a σ\sigma-álgebra de Borel de \mathds{R} e a restrição de μ\mu^{*} a 𝒜\mathcal{A} coincide com a restrição da medida de Lebesgue a 𝒜\mathcal{A}. A Proposição 5.3.28 nos diz que μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} é o completamento de μ|𝒜\mu^{*}|_{\mathcal{A}} e o resultado do Exercício 1.17 nos diz que a medida de Lebesgue é o completamento da restrição da medida de Lebesgue à σ\sigma-álgebra de Borel. Logo μ|𝔐\mu^{*}|_{\mathfrak{M}} é precisamente a medida de Lebesgue.

Vemos então que a medida de Lebesgue na reta poderia ser introduzida usando apenas a teoria desenvolvida neste capítulo, sem que nenhuma menção fosse feita a resultados do Capítulo 1. De fato, podemos definir μ\mu e 𝒮\mathcal{S} como no Exemplo 5.3.17, tomar a única extensão de μ\mu a uma medida no σ\sigma-anel 𝒜\mathcal{A} gerado por 𝒮\mathcal{S} (Teorema 5.3.16) e depois tomar o completamento dessa extensão; esse completamento é exatamente a medida de Lebesgue em \mathds{R}. Alternativamente, consideramos a medida exterior μ\mu^{*} determinada por μ\mu e tomamos a restrição de μ\mu^{*} ao σ\sigma-anel de conjuntos μ\mu^{*}-mensuráveis; o resultado também é a medida de Lebesgue.

Usando a teoria que desenvolveremos no Capítulo 6 nós veremos que também a medida de Lebesgue em n\mathds{R}^{n} pode ser construída sem a utilização da teoria desenvolvida no Capítulo 1.