. Classes Monotônicas e Classes -aditivas
Seja uma classe de conjuntos e o -anel gerado por .
Digamos que nós saibamos que todo elemento de satisfaz uma certa propriedade
e que nós gostaríamos de verificar que todo elemento de também satisfaz .
Em geral pode ser inviável apresentar uma descrição concreta dos elementos de a partir
dos elementos de (compare a complexidade do -anel dos Boreleanos da reta com
a simplicidade da classe dos intervalos da reta, que é um conjunto de geradores para os Boreleanos).
Uma possibilidade seria mostrar que a classe de todos os conjuntos que satisfazem a propriedade é um
-anel; isso implicaria imediatamente que tal classe deve conter . No entanto,
existem situações concretas em que é difícil verificar que a classe dos conjuntos que satisfazem a propriedade
é fechada por uniões enumeráveis e diferenças, mas é simples verificar que tal classe é fechada por
operações como uniões (finitas ou enumeráveis) disjuntas ou diferenças próprias. O objetivo desta seção
é o de provar resultados do seguinte tipo: se a classe de conjuntos satisfaz certas hipóteses
e se a classe de conjuntos que satisfaz a propriedade é fechada por certas operações então
todo elemento do -anel gerado por satisfaz a propriedade .
Começamos com a seguinte:
.
Seja uma classe de conjuntos. Dizemos que é uma
classe monotônica
se e se satisfaz as seguintes condições:
-
•
se é uma seqüência em e então ;
-
•
se é uma seqüência em e então .
Dizemos que é uma
classe -aditiva
se é não vazia e satisfaz as seguintes condições:
-
•
se e então ;
-
•
se e então ;
-
•
se é uma seqüência em e então .
Claramente, se é uma classe -aditiva então ; de fato,
tome qualquer e observe que .
.
Sejam , medidas finitas num
-anel . Usando o Lema 5.1.6, vê-se facilmente que a classe de conjuntos:
(5.2.1)
é ao mesmo tempo uma classe -aditiva e uma classe monotônica.
Em analogia à Definição 5.1.19, enunciamos a seguinte:
.
Se é uma classe de conjuntos arbitrária então a
classe monotônica gerada por (resp., a
classe -aditiva gerada por ) é a menor classe monotônica (resp., classe -aditiva) que contém , i.e.,
é uma classe monotônica (resp., classe -aditiva) tal que:
-
(1)
;
-
(2)
se é uma classe monotônica (resp., classe -aditiva) tal que
então .
Dizemos também que é um conjunto de geradores
para a classe monotônica (resp., classe -aditiva) .
No Exercício 5.17 pedimos ao leitor para justificar o fato de que a classe monotônica (resp.,
a classe -aditiva) gerada por uma classe de conjuntos está de fato bem definida,
ou seja, existe uma única classe monotônica (resp., classe -aditiva) satisfazendo as propriedades
(1) e (2) acima.
(lema da classe monotônica).
Se é um anel então a classe monotônica gerada por coincide com o -anel
gerado por . Em particular, toda classe monotônica que contém um anel contém
também o -anel gerado por .
Demonstração.
Seja o -anel gerado por e seja a classe monotônica gerada
por . Segue do Lema 5.1.9 que todo -anel é uma classe monotônica e portanto
contém . Para mostrar que contém , basta verificar que
é um -anel. Dividimos o restante da demonstração em vários passos.
-
Passo 1.
Se então .
Seja fixado e considere a classe de conjuntos:
(5.2.2)
Afirmamos que (5.2.2) é uma classe monotônica. De fato, o conjunto vazio está em (5.2.2)
pois . Se é uma seqüência em (5.2.2) e então
e , para todo . Como e
é uma classe monotônica, segue que ; portanto está em (5.2.2).
Se é uma seqüência em (5.2.2) com então verifica-se de modo análogo
que está em (5.2.2), usando o fato que . Logo (5.2.2)
é uma classe monotônica. Se o conjunto estiver no anel então
para todo e portanto (5.2.2) contém ; concluímos então que (5.2.2)
contém , o que prova que , para todo e todo .
Seja agora arbitrário. Pelo que acabamos de mostrar, (5.2.2) contém ; logo
(5.2.2) também contém . Isso prova que , para todos .
-
Passo 2.
Se é uma seqüência em então .
Para cada , seja ; temos e
para todo , pelo passo 1. Como é uma classe monotônica, segue que
.
-
Passo 3.
Se e então .
Seja fixado e considere a classe de conjuntos:
(5.2.3)
Afirmamos que (5.2.3) é uma classe monotônica. De fato, o conjunto vazio está em (5.2.3),
pois . Se é uma seqüência em (5.2.3) tal que
(resp., tal que ) então e , para todo ;
conclui-se então que está em (5.2.3) observando-se que
(resp., que ). Isso prova que (5.2.3) é uma
classe monotônica. Claramente, se então
e portanto (5.2.3) contém ;
concluímos então que (5.2.3) contém , o que prova que ,
para todo e todo .
-
Passo 4.
Se então .
Seja fixado e considere a classe de conjuntos:
(5.2.4)
De forma análoga ao que foi feito no passo 3, prova-se que (5.2.4)
é uma classe monotônica usando o fato que (resp., ) implica
em (resp., ).
Finalmente, o que provamos no passo 3 implica que (5.2.4) contém
e daí segue que (5.2.4) contém . Logo ,
para todos .∎
(lema da classe -aditiva).
Seja uma classe de conjuntos fechada por interseções finitas,
i.e., , para
todos . Então a classe -aditiva gerada por coincide com o -anel
gerado por . Em particular, toda classe -aditiva que contém uma classe fechada por interseções
finitas contém também o -anel gerado por .
Demonstração.
Seja o -anel gerado por e seja a classe -aditiva gerada
por . Evidentemente todo -anel é uma classe -aditiva e portanto
contém . Para mostrar que contém , basta verificar que
é um -anel. Assuma por um momento que já tenhamos mostrado que é fechado
por interseções finitas. Segue então do Lema 5.1.20 que é um anel.
Além do mais, se é uma seqüência em então para
todo e , donde . Concluímos então
que é um -anel. Para completar a demonstração, verificaremos que ,
para todos . Seja fixado e considere a classe de conjuntos:
(5.2.5)
Afirmamos que (5.2.5) é uma classe -aditiva. Em primeiro lugar, o conjunto vazio está em
(5.2.5), pois . Dados e em (5.2.5)
com então e ;
como é uma classe -aditiva, segue que
e portanto está em (5.2.5). Suponha agora que e são elementos de (5.2.5)
com . Temos e ; segue então que
. Como ,
concluímos que está em (5.2.5). Para concluir a demonstração de que (5.2.5)
é uma classe -aditiva, seja uma seqüência em (5.2.5) com .
Daí , para todo e ; segue então que
e portanto está em (5.2.5). Demonstramos então que (5.2.5) é uma classe
-aditiva. Se o conjunto pertence a então ,
para todo e portanto (5.2.5) contém ; concluímos então que
(5.2.5) contém , isto é, , para todo e todo
. Seja agora arbitrário. Pelo que acabamos de mostrar, (5.2.5)
contém e portanto contém ; concluímos então que , para todos
.
∎
Vejamos agora algumas aplicações interessantes dos Lemas 5.2.4
e 5.2.5.
.
Sejam ,
medidas finitas num -anel . Seja
uma classe fechada por interseções finitas tal que é o -anel
gerado por . Se para todo então .
Demonstração.
Como vimos no Exemplo 5.2.2, a classe (5.2.1) formada pelos conjuntos
onde e coincidem é uma classe -aditiva. Como (5.2.1) contém
e é fechada por interseções finitas, segue do Lema 5.2.5
que (5.2.1) contém . Logo .
∎
O Lema 5.2.6 pode ser pensado como um lema de unicidade de extensão de medidas;
de fato, um enunciado alternativo para o Lema 5.2.6 é o seguinte:
uma medida finita numa classe de conjuntos fechada por interseções
finitas extende-se no máximo de uma maneira a uma medida finita no -anel gerado
por . Logo adiante apresentaremos uma generalização desse resultado.
Outro resultado interessante é o seguinte lema de aproximação.
.
Seja uma medida finita num -anel
e seja um anel tal que é o -anel
gerado por . Então para todo e todo existe
tal que . Em particular, pelo
resultado do Exercício 5.12, temos .
Demonstração.
Considere a classe de conjuntos:
(5.2.6)
Evidentemente (5.2.6) contém o anel . Se mostrarmos que
(5.2.6) é uma classe monotônica, a tese seguirá do Lema 5.2.4.
Seja uma seqüência em (5.2.6) tal que
(resp., tal que ) e seja dado .
Temos que (resp.,
que ) e portanto .
Como a medida é finita, obtemos
e portanto existe tal que .
Como está em (5.2.6), existe tal que
. Mas (veja Exercício 5.11):
e portanto, pelo item (e) do Lema 5.1.6:
Isso prova que está em (5.2.6) e completa a demonstração.
∎
A hipótese de finitude das medidas nos Lemas 5.2.6 e 5.2.7
é muito restritiva. Vamos agora relaxar essa hipótese.
.
Seja uma classe de conjuntos com
e seja uma medida em . Dizemos que
um conjunto (não necessariamente em ) é
-finito com respeito a se existe uma seqüência
em tal que e , para todo
. Dizemos que a medida é -finita se todo conjunto em
é -finito com respeito a .
Evidentemente, se e então é -finito
com respeito a ; em particular, toda medida finita é -finita.
Note que se é -finito com respeito a e
então também é -finito com respeito a . Em particular,
se é um conjunto tal que e então
é -finita se e somente se é -finito com respeito a , isto é,
se somente se existe uma seqüência em tal que
e , para todo .
.
Seja uma classe de conjuntos com
e seja uma medida em ; denote
por o -anel gerado por . Se a medida é
-finita então todo elemento de é
-finito com respeito a . De fato, pelo resultado do Exercício 5.20,
todo pode ser coberto por uma união
enumerável de elementos de ; mas cada elemento de pode ser coberto
por uma união enumerável de elementos de de medida finita. Logo pode
ser coberto por uma união enumerável de elementos de de medida finita.
Vemos então que se é uma medida em que estende
então a -finitude de implica na -finitude de (a recíproca
não é verdadeira, como veremos no Exemplo 5.2.14).
.
Seja uma classe de conjuntos e um conjunto arbitrário. Denotamos
por a classe de conjuntos:
Note que se a classe de conjuntos é fechada por interseções finitas
e se então:
Em particular, nesse caso, se e
é uma medida em então a restrição de a também
é uma medida.
.
Se é um -anel e é um conjunto arbitrário então
é um -anel. Além do mais, se é o -anel gerado por uma classe
de conjuntos então é o -anel gerado por
.
Demonstração.
A prova de que é um -anel é deixada a cargo do leitor
(veja Exercício 5.18). Seja o -anel gerado
por . Como é um -anel que contém ,
temos que . Para mostrar que
está contido em , considere a coleção de conjuntos:
(5.2.7)
Verifica-se diretamente que (5.2.7) é um -anel. Como
(5.2.7) contém e é o -anel
gerado por , concluímos que (5.2.7) contém ,
ou seja, , para todo . Isso mostra que
e completa a demonstração.
∎
Estamos agora em condições de generalizar os Lemas 5.2.6 e 5.2.7.
.
Sejam ,
medidas num -anel . Seja
uma classe fechada por interseções finitas tal que
;
suponha que é o -anel
gerado por . Se
e é -finito com respeito a
então . Em particular, pela Observação 5.2.9,
se a medida é -finita
e se então .
Demonstração.
Seja com . Afirmamos que e coincidem
em . De fato, é uma classe fechada por interseções
finitas que gera o -anel (veja Lema 5.2.11);
como e coincidem em ,
segue do Lema 5.2.6 aplicado às medida finitas
e que e coincidem em .
Seja agora e suponha que é -finito com respeito a ;
mostremos que . Seja uma seqüência em com
e , para todo . Para cada seja
, onde . Pelo resultado
do Exercício 1.19, os conjuntos são dois a dois disjuntos
e . Temos
e portanto:
Mas para todo temos
e segue da primeira parte da demonstração que , para todo
. Logo .
∎
.
Seja uma classe de conjuntos fechada por interseções finitas tal que .
Se é uma medida -finita então possui no máximo
uma extensão a uma medida no -anel gerado por ; uma tal extensão (caso
exista) é automaticamente -finita.
Resultados sobre existência de extensões de medidas para -anéis serão estudados
mais adiante na Seção 5.3.
.
Nas hipóteses do Lema 5.2.12 é realmente necessário supor que
seja -finito com respeito a ; assumir apenas
a -finitude com respeito a e a não é suficiente.
De fato, considere as medidas e
definidas por:
para todo , onde denota o número de elementos
de um conjunto . Seja o semi-anel constituído pelos intervalos da forma
, (veja (5.1.5)). Temos ,
para todo , . Se é o -anel
gerado por (pelo resultado do Exercício 5.9,
coincide com a -álgebra de Borel de ) então as medidas
e são ambas -finitas. De fato, para todo ,
o conjunto unitário está em e:
além do mais, ,
e , para todo . No entanto, temos
, já que
e .
Generalizamos agora o Lema 5.2.7.
.
Seja uma medida num -anel
e seja um anel tal que é o -anel
gerado por . Suponha que é -finito com respeito
a (pela Observação 5.2.9, esse é o caso,
por exemplo, se a medida
é -finita). Se então para todo existe
tal que . Em particular, pelo
resultado do Exercício 5.12, temos .
Demonstração.
Seja um conjunto -finito com respeito a
tal que ; seja dado .
Seja uma seqüência em com
e , para todo . Para cada seja ,
de modo que , e .
Como , temos e portanto existe tal que
. Seja ; daí
e portanto:
e . Vamos agora aplicar o
Lema 5.2.7 à medida finita ; para
isso, note que, pelo Exercício 5.18, é um anel e,
pelo Lema 5.2.11, é o -anel gerado por .
Vemos então que existe
tal que . Daí (veja Exercício 5.11):
e portanto:
o que completa a demonstração.
∎
.
Sejam , e definidos como no Exemplo 5.2.14;
seja o anel gerado por , de modo que é o -anel
gerado por . Pelo Lema 5.1.21, todo elemento de
é uma união finita disjunta de elementos de e portanto
, para todo com . Temos que a medida
é -finita (mas não é). Dado
com (por exemplo, se é um subconjunto finito de )
então , para todo com
(veja Exercício 5.12). Logo a tese do Lema 5.2.15 não é verdadeira
para a medida e para o anel , embora
seja -finita.
.
Seja e o conjunto das partes finitas de ; daí
é um anel e é o -anel gerado por . Seja
a medida de contagem (veja a Definição 2.2). Note que
é uma medida finita (e portanto -finita). Dado com
então para todo temos .
Vemos que a hipótese é essencial no Lema 5.2.15.