1.6. Conjuntos não Mensuráveis

Uma forma de construir um exemplo de um subconjunto não mensurável de n\mathds{R}^{n} é repetir os passos da demonstração da Proposição 1.2.3.

1.6.1 Exemplo.

Considere a relação binária \sim no bloco [0,1]n[0,1]^{n} definida por:

xyxyn,x\sim y\Longleftrightarrow x-y\in\mathds{Q}^{n},

para todos x,y[0,1]nx,y\in[0,1]^{n}. É fácil ver que \sim é uma relação de equivalência em [0,1]n[0,1]^{n}. Seja AA um conjunto escolha para \sim. Como na demonstração da Proposição 1.2.3, vemos que os conjuntos (A+q)qn(A+q)_{q\in\mathds{Q}^{n}} são dois a dois disjuntos e que:

[0,1]nqn[1,1]n(A+q)[1,2]n.[0,1]^{n}\subset\!\!\!\!\!\!\!\!\!\bigcup_{q\in\mathds{Q}^{n}\cap[-1,1]^{n}}\!% \!\!\!\!\!(A+q)\subset[-1,2]^{n}.

Usando o Lema 1.4.10 e o resultado do Exercício 1.10, vemos que a mensurabilidade de AA implicaria em:

0<1=𝔪([0,1]n)qn[1,1]n𝔪(A)𝔪([1,2]n)=3n<+,0<1=\mathfrak{m}\big{(}[0,1]^{n}\big{)}\leq\!\!\!\!\!\!\!\!\!\sum_{q\in\mathds% {Q}^{n}\cap[-1,1]^{n}}\!\!\!\!\!\!\mathfrak{m}(A)\leq\mathfrak{m}\big{(}[-1,2]% ^{n}\big{)}=3^{n}<+\infty,

já que n[1,1]n\mathds{Q}^{n}\cap[-1,1]^{n} é enumerável. Obtemos então uma contradição, o que mostra que AA é um subconjunto não mensurável do bloco [0,1]n[0,1]^{n}.

No que segue, investigaremos mais a fundo o fenômeno da não mensurabilidade, produzindo alguns exemplos mais radicais de conjuntos não mensuráveis. Começamos com alguns lemas.

1.6.2 Lema.

Seja UnU\subset\mathds{R}^{n} um aberto. Então, dado ε>0\varepsilon>0, existe δ>0\delta>0 tal que para todo xnx\in\mathds{R}^{n} com x<δ\|x\|<\delta, temos:

𝔪(U(U+x))𝔪(U)+ε.\mathfrak{m}\big{(}U\cup(U+x)\big{)}\leq\mathfrak{m}(U)+\varepsilon. (1.6.1)
Demonstração.

A desigualdade (1.6.1) é trivial para 𝔪(U)=+\mathfrak{m}(U)=+\infty, de modo que podemos supor que 𝔪(U)<+\mathfrak{m}(U)<+\infty. Para cada k1k\geq 1, consideramos o conjunto UkU_{k} definido por:

Uk={xn:d(x,Uc)>1k}.U_{k}=\big{\{}x\in\mathds{R}^{n}:d(x,U^{\mathrm{c}})>\tfrac{1}{k}\big{\}}.

Como UU é aberto, temos que d(x,Uc)>0d(x,U^{\mathrm{c}})>0 se e somente se xUx\in U; isso implica que U=k=1UkU=\bigcup_{k=1}^{\infty}U_{k} e portanto UkUU_{k}\nearrow U. A continuidade da função xd(x,Uc)x\mapsto d(x,U^{\mathrm{c}}) implica que cada UkU_{k} é aberto e portanto mensurável. Pelo Lema 1.4.48, temos 𝔪(U)=limk𝔪(Uk)\mathfrak{m}(U)=\lim_{k\to\infty}\mathfrak{m}(U_{k}) e portanto existe k1k\geq 1 tal que:

𝔪(Uk)𝔪(U)ε.\mathfrak{m}(U_{k})\geq\mathfrak{m}(U)-\varepsilon.

Tome δ=1k\delta=\frac{1}{k} e seja xnx\in\mathds{R}^{n} com x<δ\|x\|<\delta. Para todo yUky\in U_{k}, temos d(y,yx)=x<1kd(y,y-x)=\|x\|<\frac{1}{k} e portanto yxUy-x\in U, i.e., yU+xy\in U+x. Segue então que UkU(U+x)U_{k}\subset U\cap(U+x) e portanto:

𝔪(U(U+x))𝔪(U)ε.\mathfrak{m}\big{(}U\cap(U+x)\big{)}\geq\mathfrak{m}(U)-\varepsilon.

A conclusão é obtida agora do cálculo abaixo:

𝔪(U(U+x))=𝔪(U)+𝔪(U+x)𝔪(U(U+x))=2𝔪(U)𝔪(U(U+x))𝔪(U)+ε,\mathfrak{m}\big{(}U\cup(U+x)\big{)}=\mathfrak{m}(U)+\mathfrak{m}(U+x)-% \mathfrak{m}\big{(}U\cap(U+x)\big{)}\\ =2\mathfrak{m}(U)-\mathfrak{m}\big{(}U\cap(U+x)\big{)}\leq\mathfrak{m}(U)+\varepsilon,

onde usamos o Lema 1.4.10 e o resultado do Exercício 1.18. ∎

1.6.3 Definição.

Se AA é um subconjunto de n\mathds{R}^{n}, então o conjunto das diferenças de AA é definido por:

A={xy:x,yA}.A^{-}=\big{\{}x-y:x,y\in A\big{\}}.
1.6.4 Lema.

Se AnA\subset\mathds{R}^{n} é um conjunto mensurável com medida de Lebesgue positiva então AA^{-} contém uma vizinhança da origem.

Demonstração.

Se 𝔪(A)=+\mathfrak{m}(A)=+\infty então AA contém um conjunto mensurável A0A_{0} tal que 0<𝔪(A0)<+0<\mathfrak{m}(A_{0})<+\infty (isso segue, por exemplo, do Corolário 1.4.58). Como A0AA_{0}^{-}\subset A^{-}, podemos considerar apenas o caso em que 𝔪(A)<+\mathfrak{m}(A)<+\infty. Pelo Lema 1.4.12, existe um aberto UnU\subset\mathds{R}^{n} contendo AA tal que 𝔪(U)<2𝔪(A)\mathfrak{m}(U)<2\mathfrak{m}(A). Seja ε>0\varepsilon>0 tal que 𝔪(U)+ε<2𝔪(A)\mathfrak{m}(U)+\varepsilon<2\mathfrak{m}(A). Pelo Lema 1.6.2, existe δ>0\delta>0 tal que 𝔪(U(U+x))𝔪(U)+ε\mathfrak{m}\big{(}U\cup(U+x)\big{)}\leq\mathfrak{m}(U)+\varepsilon, para todo xnx\in\mathds{R}^{n} com x<δ\|x\|<\delta. Afirmamos que AA^{-} contém a bola aberta de centro na origem e raio δ\delta. Senão, existiria xnx\in\mathds{R}^{n} com x<δ\|x\|<\delta e xAx\not\in A^{-}; daí AA e A+xA+x seriam conjuntos mensuráveis disjuntos (veja Exercício 1.10) e portanto, usando o Lema 1.4.10, concluiríamos que:

2𝔪(A)=𝔪(A)+𝔪(A+x)=𝔪(A(A+x))𝔪(U(U+x))𝔪(U)+ε<2𝔪(A),2\mathfrak{m}(A)=\mathfrak{m}(A)+\mathfrak{m}(A+x)=\mathfrak{m}\big{(}A\cup(A+% x)\big{)}\leq\mathfrak{m}(U\cup(U+x)\big{)}\\ \leq\mathfrak{m}(U)+\varepsilon<2\mathfrak{m}(A),

e obteríamos portanto uma contradição. ∎

1.6.5 Corolário.

Seja AA um subconjunto de n\mathds{R}^{n}. Se AA^{-} não contém uma vizinhança da origem então 𝔪(A)=0\mathfrak{m}_{*}(A)=0.

Demonstração.

Dado um compacto KAK\subset A então KK é mensurável e KK^{-} não contém uma vizinhança da origem. Segue então do Lema 1.6.4 que 𝔪(K)=0\mathfrak{m}(K)=0. ∎

Para construir exemplos de conjuntos não mensuráveis, vamos aplicar algumas técnicas da teoria de colorimento de grafos.

1.6.6 Definição.

Um grafo é um par ordenado G=(V,)G=(V,\mathcal{E}), onde VV é um conjunto arbitrário e \mathcal{E} é uma relação binária anti-reflexiva e simétrica em VV; mais precisamente, \mathcal{E} é um subconjunto de V×VV\times V tal que:

  • (x,x)(x,x)\not\in\mathcal{E}, para todo xVx\in V;

  • (x,y)(x,y)\in\mathcal{E} implica (y,x)(y,x)\in\mathcal{E}, para todos x,yVx,y\in V.

Os elementos de VV são chamados os vértices do grafo GG. Dados vértices x,yVx,y\in V com (x,y)(x,y)\in\mathcal{E} então dizemos que xx e yy são vértices adjacentes no grafo GG.

Se VV^{\prime} é um subconjunto de VV então =(V×V)\mathcal{E}^{\prime}=\mathcal{E}\cap(V^{\prime}\times V^{\prime}) é um relação binária anti-reflexiva e simétrica em VV^{\prime}, de modo que G=(V,)G^{\prime}=(V^{\prime},\mathcal{E}^{\prime}) é um grafo. Dizemos que G=(V,)G^{\prime}=(V^{\prime},\mathcal{E}^{\prime}) é o subgrafo cheio de GG determinado pelo conjunto de vértices VV^{\prime}.

1.6.7 Definição.

Seja G=(V,)G=(V,\mathcal{E}) um grafo. Um colorimento para GG é uma função ff definida em VV tal que f(x)f(y)f(x)\neq f(y), para todo (x,y)(x,y)\in\mathcal{E}. Para cada xVx\in V, dizemos que f(x)f(x) é a cor do vértice xx. Se kk é um inteiro positivo então um kk-colorimento de GG é um colorimento f:V{0,1,,k1}f:V\to\{0,1,\ldots,k-1\} de GG. Quando GG admite um kk-colorimento dizemos que GG é kk-colorível.

1.6.8 Definição.

Seja G=(V,)G=(V,\mathcal{E}) um grafo. Um caminho em GG é uma seqüência finita (xi)i=0p(x_{i})_{i=0}^{p}, p0p\geq 0, de vértices de GG tal que (xi,xi+1)(x_{i},x_{i+1})\in\mathcal{E} para todo i=0,,p1i=0,\ldots,p-1; dizemos também que (xi)i=0p(x_{i})_{i=0}^{p} é um caminho começando em x0x_{0} e terminando em xpx_{p}. O caminho (xi)i=0p(x_{i})_{i=0}^{p} é dito de comprimento pp. Por convenção, uma seqüência unitária formada por um único vértice x0Vx_{0}\in V é um caminho de comprimento zero começando em x0x_{0} e terminando em x0x_{0}. Quando existe um caminho em GG começando em xx e terminando em yy para todos x,yVx,y\in V, dizemos que GG é um grafo conexo. Um circuito em GG é um caminho (xi)i=0p(x_{i})_{i=0}^{p} em GG tal que x0=xpx_{0}=x_{p}.

É fácil ver que a relação binária \sim em VV definida por:

xyexiste um caminho em G começando em x e terminando em y,x\sim y\Longleftrightarrow\text{existe um caminho em $G$ começando em $x$ e % terminando em $y$},

é uma relação de equivalência em VV. Seja V0VV_{0}\subset V uma classe de equivalência determinada por \sim. Verifica-se facilmente que o subgrafo cheio G0G_{0} de GG determinado por V0V_{0} é conexo; dizemos que G0G_{0} é uma componente conexa do grafo GG.

1.6.9 Lema.

Um grafo G=(V,)G=(V,\mathcal{E}) é 22-colorível se e somente se não possui circuitos de comprimento ímpar.

Demonstração.

Assuma que o grafo GG é 22-colorível, i.e., existe um 22-colorimento f:V{0,1}f:V\to\{0,1\} de GG. Seja (xi)i=0p(x_{i})_{i=0}^{p} um circuito de GG. Mostremos que pp é par. Para fixar as idéias, assuma que f(x0)=0f(x_{0})=0. Como os vértices x0x_{0} e x1x_{1} são adjacentes, temos f(x1)f(x0)f(x_{1})\neq f(x_{0}) e portanto f(x1)=1f(x_{1})=1. Similarmente, vemos que f(x2)=0f(x_{2})=0 e, mais geralmente, f(xi)=0f(x_{i})=0 para ii par e f(xi)=1f(x_{i})=1 para ii ímpar. Como f(xp)=f(x0)=0f(x_{p})=f(x_{0})=0, concluímos que pp deve ser par. Reciprocamente, assuma agora que o grafo GG não possui circuito de comprimento ímpar e mostremos que GG é 22-colorível. É fácil ver que:

  • nenhuma componente conexa de GG possui um circuito de comprimento ímpar;

  • se cada componente conexa de GG é 22-colorível então GG é 22-colorível.

Podemos então supor que GG é conexo. Dados vértices x,yVx,y\in V de GG então os comprimentos de dois caminhos em GG começando em xx e terminando em yy têm a mesma paridade. De fato, se (xi)i=0p(x_{i})_{i=0}^{p} e (xi)i=0q(x^{\prime}_{i})_{i=0}^{q} são caminhos em GG começando em xx e terminando em yy então:

x=x0,x1,,xp=y=xq,xq1,,x0=x,x=x_{0},\ x_{1},\ \ldots,\ x_{p}=y=x^{\prime}_{q},\ x^{\prime}_{q-1},\ \ldots,% \ x^{\prime}_{0}=x,

é um circuito em GG de comprimento p+qp+q. Logo p+qp+q é par e portanto pp e qq possuem a mesma paridade. Fixamos agora um vértice x0Vx_{0}\in V e definimos f:V{0,1}f:V\to\{0,1\} fazendo f(x)=0f(x)=0 se todo caminho começando em x0x_{0} e terminando em xx tem comprimento par e f(x)=1f(x)=1 se todo caminho começando em x0x_{0} e terminando em xx tem comprimento ímpar. É fácil ver que ff é um 22-colorimento para GG. ∎

1.6.10 Definição.

Seja SS um subconjunto de n\mathds{R}^{n} que não contém a origem. O grafo de Cayley associado ao par (n,S)(\mathds{R}^{n},S), denotado por G(n,S)G(\mathds{R}^{n},S), é o grafo (V,)(V,\mathcal{E}) tal que V=nV=\mathds{R}^{n} e:

={(x,y)n×n:xyS ou yxS}.\mathcal{E}=\big{\{}(x,y)\in\mathds{R}^{n}\times\mathds{R}^{n}:\text{$x-y\in S% $ ou $y-x\in S$}\big{\}}.
1.6.11 Lema.

Seja SS um subconjunto de n\mathds{R}^{n} que não contém a origem. O grafo de Cayley G(n,S)G(\mathds{R}^{n},S) é 22-colorível se e somente se SS possui a seguinte propriedade:

  • (*)

    dados s1,,skSs_{1},\ldots,s_{k}\in S e n1,,nkn_{1},\ldots,n_{k}\in\mathds{Z} com i=1knisi=0\sum_{i=1}^{k}n_{i}s_{i}=0 então i=1kni\sum_{i=1}^{k}n_{i} é par.

Demonstração.

Em vista do Lema 1.6.9, basta mostrar que G(n,S)G(\mathds{R}^{n},S) não possui circuito de comprimento ímpar se e somente se SS possui a propriedade (*). Assuma que SS possui a propriedade (*) e que (xi)i=0p(x_{i})_{i=0}^{p} é um circuito de G(n,S)G(\mathds{R}^{n},S). Mostremos que pp é par. Para cada i=0,,p1i=0,\ldots,p-1 temos que xi+1xiSx_{i+1}-x_{i}\in S ou xixi+1Sx_{i}-x_{i+1}\in S; podemos então escrever xi+1xi=nisix_{i+1}-x_{i}=n_{i}s_{i}, com ni{±1}n_{i}\in\{\pm 1\} e siSs_{i}\in S. Daí:

i=0p1nisi=i=0p1(xi+1xi)=xpx0=0\sum_{i=0}^{p-1}n_{i}s_{i}=\sum_{i=0}^{p-1}(x_{i+1}-x_{i})=x_{p}-x_{0}=0

e logo i=0p1ni\sum_{i=0}^{p-1}n_{i} é par. Mas i=0p1|ni|\sum_{i=0}^{p-1}|n_{i}| tem a mesma paridade que i=0p1ni\sum_{i=0}^{p-1}n_{i} e portanto i=0p1|ni|=p\sum_{i=0}^{p-1}|n_{i}|=p é par. Reciprocamente, suponha que G(n,S)G(\mathds{R}^{n},S) não possui circuito de comprimento ímpar e mostremos que SS possui a propriedade (*). Sejam s1,,skSs_{1},\ldots,s_{k}\in S e n1,,nkn_{1},\ldots,n_{k}\in\mathds{Z} com i=1knisi=0\sum_{i=1}^{k}n_{i}s_{i}=0. Escreva si=sis^{\prime}_{i}=s_{i} se ni0n_{i}\geq 0 e si=sis^{\prime}_{i}=-s_{i} se ni<0n_{i}<0, de modo que nisi=|ni|sin_{i}s_{i}=|n_{i}|s^{\prime}_{i} e siSs^{\prime}_{i}\in S ou siS-s^{\prime}_{i}\in S, para todo i=1,,ki=1,\ldots,k. Temos que i=1k|ni|si=0\sum_{i=1}^{k}|n_{i}|s^{\prime}_{i}=0, ou seja:

s1+s1++s1|n1| termos+s2+s2++s2|n2| termos++sk+sk++sk|nk| termos=0.\underbrace{s^{\prime}_{1}+s^{\prime}_{1}+\cdots+s^{\prime}_{1}}_{\text{$|n_{1% }|$ termos}}+\underbrace{s^{\prime}_{2}+s^{\prime}_{2}+\cdots+s^{\prime}_{2}}_% {\text{$|n_{2}|$ termos}}+\cdots+\underbrace{s^{\prime}_{k}+s^{\prime}_{k}+% \cdots+s^{\prime}_{k}}_{\text{$|n_{k}|$ termos}}=0. (1.6.2)

Sejam p=i=1k|ni|p=\sum_{i=1}^{k}|n_{i}|, x0=0x_{0}=0 e, para j=1,2,,pj=1,2,\ldots,p, seja xjx_{j} a soma dos primeiros jj termos da soma que aparece do lado esquerdo da identidade (1.6.2). Temos que (xj)j=0p(x_{j})_{j=0}^{p} é um circuito em G(n,S)G(\mathds{R}^{n},S) de comprimento pp e portanto pp é par. Finalmente, como i=1k|ni|\sum_{i=1}^{k}|n_{i}| e i=1kni\sum_{i=1}^{k}n_{i} têm a mesma paridade, segue que i=1kni\sum_{i=1}^{k}n_{i} é par. ∎

1.6.12 Lema.

Seja Sn{0}S\subset\mathds{R}^{n}\setminus\{0\} e suponha que exista um 22-colorimento f:n{0,1}f:\mathds{R}^{n}\to\{0,1\} do grafo de Cayley G(n,S)G(\mathds{R}^{n},S). Se a origem é um ponto de acumulação de SS então os conjuntos A=f1(0)A=f^{-1}(0) e B=f1(1)B=f^{-1}(1) possuem medida interior nula.

Demonstração.

Dados x,yAx,y\in A então f(x)=f(y)=0f(x)=f(y)=0 e portanto os vértices xx e yy não podem ser adjacentes no grafo G(n,S)G(\mathds{R}^{n},S). Em particular, xySx-y\not\in S, o que mostra que o conjunto das diferenças AA^{-} é disjunto de SS. Como a origem é um ponto de acumulação de SS, segue que AA^{-} não pode conter uma vizinhança da origem e portanto, pelo Corolário 1.6.5, AA tem medida interior nula. Analogamente, vemos que BS=∅︀B^{-}\cap S=\emptyset e portanto 𝔪(B)=0\mathfrak{m}_{*}(B)=0. ∎

1.6.13 Exemplo.

Em vista dos Lemas 1.6.11 e 1.6.12, se exibirmos um subconjunto Sn{0}S\subset\mathds{R}^{n}\setminus\{0\} com a propriedade (*) e que possui a origem como ponto de acumulação então obteremos uma partição n=AB\mathds{R}^{n}=A\cup B de n\mathds{R}^{n} tal que 𝔪(A)=𝔪(B)=0\mathfrak{m}_{*}(A)=\mathfrak{m}_{*}(B)=0. Por exemplo, é fácil mostrar que o conjunto:

S={1m:m inteiro ímpar}{0}S=\big{\{}\tfrac{1}{m}:\text{$m$ inteiro ímpar}\big{\}}\subset\mathds{R}% \setminus\{0\}

tem a propriedade (*) e obviamente a origem é ponto de acumulução de SS. Em n\mathds{R}^{n}, podemos considerar o conjunto SnS^{n} (ou até mesmo S×{0}n1S\times\{0\}^{n-1}), que também tem a propriedade (*) e a origem como ponto de acumulação.

1.6.14 Exemplo.

Sejam A,BnA,B\subset\mathds{R}^{n} conjuntos disjuntos de medida interior nula tais que n=AB\mathds{R}^{n}=A\cup B (vide Exemplo 1.6.13). Definindo:

A=A[0,1]n,B=B[0,1]n,A^{\prime}=A\cap[0,1]^{n},\quad B^{\prime}=B\cap[0,1]^{n},

obtemos uma partição [0,1]n=AB[0,1]^{n}=A^{\prime}\cup B^{\prime} do bloco [0,1]n[0,1]^{n} em conjuntos AA^{\prime}, BB^{\prime} de medida interior nula. Usando o Corolário 1.4.61 vemos que:

1=𝔪([0,1]n)=𝔪(A)+𝔪(B)=𝔪(A)1=\mathfrak{m}\big{(}[0,1]^{n}\big{)}=\mathfrak{m}^{*}(A^{\prime})+\mathfrak{m% }_{*}(B^{\prime})=\mathfrak{m}^{*}(A^{\prime})

e portanto 𝔪(A)=1\mathfrak{m}^{*}(A^{\prime})=1. Similarmente, vemos que 𝔪(B)=1\mathfrak{m}^{*}(B^{\prime})=1. Obtivemos então subconjuntos do bloco [0,1]n[0,1]^{n} com medida interior nula e medida exterior igual a 11. Obtivemos também uma partição do bloco [0,1]n[0,1]^{n} em dois conjuntos de medida exterior igual a 11; note que:

1=𝔪([0,1]n)<𝔪(A)+𝔪(B)=2,1=\mathfrak{m}\big{(}[0,1]^{n}\big{)}<\mathfrak{m}^{*}(A^{\prime})+\mathfrak{m% }^{*}(B^{\prime})=2,

com [0,1]n=AB[0,1]^{n}=A^{\prime}\cup B^{\prime} e AA^{\prime}, BB^{\prime} disjuntos!