2.1 Desigualdade de FKG

Eventos e, mais geralmente, variáveis aleatórias crescentes do modelo de percolação têm a propriedade de serem positivamente correlacionadas.

Teorema 2.1.1 (Desigualdade de FKG)

Sejam ZZ e YY duas variáveis aleatórias crescentes e limitadas em Ω\Omega. Então

Ep(ZY)Ep(Z)Ep(Y).E_{p}(ZY)\geq E_{p}(Z)E_{p}(Y). (2.1.1)

Prova do Teorema 2.1.1

Vamos supor inicialmente que ZZ e YY sejam cilíndricas, isto é, dependam apenas de um conjunto finito de elos {e1,e2,,en}\{e_{1},e_{2},\ldots,e_{n}\}. Provaremos o teorema neste caso por indução em nn.

Para n=1n=1, Z=f(Xe1)Z=f(X_{e_{1}}) e Y=g(Xe1)Y=g(X_{e_{1}}), onde ff e gg são crescentes. Seja YY^{\prime} uma cópia independente de Xe1X_{e_{1}} (isto é, YY^{\prime} e Xe1X_{e_{1}} são i.i.d.). Então

[f(Xe1)f(Y)][g(Xe1)g(Y)]0,[f(X_{e_{1}})-f(Y^{\prime})][g(X_{e_{1}})-g(Y^{\prime})]\geq 0,

pelo fato de ff e gg serem crescentes. Portanto

Ep{[f(Xe1)f(Y)][g(Xe1)g(Y)]}0.E_{p}\left\{[f(X_{e_{1}})-f(Y^{\prime})][g(X_{e_{1}})-g(Y^{\prime})]\right\}% \geq 0.

Expandindo o termo à esquerda, temos

Ep[f(Xe1)g(Xe1)]+Ep[f(Y)g(Y)]\displaystyle E_{p}[f(X_{e_{1}})g(X_{e_{1}})]+E_{p}[f(Y^{\prime})g(Y^{\prime})] (2.1.2)
\displaystyle\geq Ep[f(Xe1)g(Y)]+Ep[f(Y)g(Xe1)].\displaystyle E_{p}[f(X_{e_{1}})g(Y^{\prime})]+E_{p}[f(Y^{\prime})g(X_{e_{1}})].

Pela independência entre Xe1X_{e_{1}} e YY^{\prime}, a expressão à direita fica

Ep[f(Xe1)]Ep[g(Y)]+Ep[f(Y)]Ep[g(Xe1)].E_{p}[f(X_{e_{1}})]E_{p}[g(Y^{\prime})]+E_{p}[f(Y^{\prime})]E_{p}[g(X_{e_{1}})].

Como Xe1X_{e_{1}} e YY^{\prime} têm a mesma distribuição, a desigualdade (2.1.2) fica

Ep[f(Xe1)g(Xe1)]+Ep[f(Xe1)g(Xe1)]\displaystyle E_{p}[f(X_{e_{1}})g(X_{e_{1}})]+E_{p}[f(X_{e_{1}})g(X_{e_{1}})]
\displaystyle\geq Ep[f(Xe1)]Ep[g(Xe1)]+Ep[f(Xe1)]Ep[g(Xe1)],\displaystyle E_{p}[f(X_{e_{1}})]E_{p}[g(X_{e_{1}})]+E_{p}[f(X_{e_{1}})]E_{p}[% g(X_{e_{1}})],

isto é

2Ep[f(Xe1)g(Xe1)]2Ep[f(Xe1)]Ep[g(Xe1)]2E_{p}[f(X_{e_{1}})g(X_{e_{1}})]\geq 2E_{p}[f(X_{e_{1}})]E_{p}[g(X_{e_{1}})]

e o resultado está provado para n=1n=1.

Supondo-o válido para n=kn=k, seja n=k+1n=k+1. Então

Z=f(Xe1,,Xek,Xek+1)eY=g(Xe1,,Xek,Xek+1),Z=f(X_{e_{1}},\ldots,X_{e_{k}},X_{e_{k+1}})\quad\mbox{e}\quad Y=g(X_{e_{1}},% \ldots,X_{e_{k}},X_{e_{k+1}}),

com ff e gg crescentes.

Agora

Ep(ZY)\displaystyle E_{p}(ZY) =\displaystyle= Ep[f(Xe1,,Xek,Xek+1)g(Xe1,,Xek,Xek+1)]\displaystyle E_{p}\left[f(X_{e_{1}},\ldots,X_{e_{k}},X_{e_{k+1}})g(X_{e_{1}},% \ldots,X_{e_{k}},X_{e_{k+1}})\right]
=\displaystyle= Ep{Ep[f(Xe1,,Xek,Xek+1)g(Xe1,,Xek,Xek+1)|Xek+1]}.\displaystyle E_{p}\left\{E_{p}\left[f(X_{e_{1}},\ldots,X_{e_{k}},X_{e_{k+1}})% g(X_{e_{1}},\ldots,X_{e_{k}},X_{e_{k+1}})|X_{e_{k+1}}\right]\right\}.

Na esperança condicional acima, Xek+1X_{e_{k+1}} está fixo e portanto ff e gg podem ser vistas como funções de Xe1,,XekX_{e_{1}},\ldots,X_{e_{k}} e a hipótese de indução pode ser aplicada para dar que a última expressão acima é maior ou igual a

Ep{Ep[f(Xe1,,Xek,Xek+1)|Xek+1]Ep[g(Xe1,,Xek,Xek+1)|Xek+1]}.E_{p}\left\{E_{p}\left[f(X_{e_{1}},\ldots,X_{e_{k}},X_{e_{k+1}})|X_{e_{k+1}}% \right]E_{p}\left[g(X_{e_{1}},\ldots,X_{e_{k}},X_{e_{k+1}})|X_{e_{k+1}}\right]% \right\}.

Agora é claro que as esperanças condicionais acima são funções crescentes de Xek+1X_{e_{k+1}}. Novo uso da hipótese de indução produz o resultado para n=k+1n=k+1, completando o passo de indução.

Para completar a demonstração, consideremos ZZ e YY não necessariamente cilíndricas. Seja e1,e2,e_{1},e_{2},\ldots uma enumeração de 𝔼d\mathbb{E}^{d}. Pelo Teorema da Convergência de Martingais (veja [9]),

Z=limnEp[Z|Xe1,,Xen]Z=\lim_{n\to\infty}E_{p}\left[Z|X_{e_{1}},\ldots,X_{e_{n}}\right]

e de maneira semelhante para YY. Pelo passo anterior, a desigualdade de FKG vale quando ZZ e YY são substituidos por

Ep[Z|Xe1,,Xen]eEp[Y|Xe1,,Xen].E_{p}\left[Z|X_{e_{1}},\ldots,X_{e_{n}}\right]\quad\mbox{e}\quad E_{p}\left[Y|% X_{e_{1}},\ldots,X_{e_{n}}\right].

Uma passagem ao limite em nn e o Teorema da Convergência Dominada nos dão o resultado geral. \quad\triangle

Corolário 2.1.1

Se AA e BB forem eventos crescentes, então

Pp(AB)Pp(A)Pp(B).P_{p}(A\cap B)\geq P_{p}(A)P_{p}(B). (2.1.3)

Prova

Basta aplicar o Teorema 2.1.1 com Z=IAZ=\mbox{\bf I}_{A} e Y=IBY=\mbox{\bf I}_{B} \quad\triangle

Observamos que a desigualdade em (2.1.3) é equivalente a

Pp(A|B)Pp(A),P_{p}(A|B)\geq P_{p}(A),

o que nos diz que a ocorrência de um evento crescente aumenta a probabilidade de ocorrência de um outro evento crescente.

O Teorema 2.1.1 vale também para duas v.a.’s decrescentes (na ordem parcial), pois a desigualdade não muda se substituirmos ZZ e YY respectivamente por Z-Z e Y-Y, que são crescentes. Segue que o Corolário 2.1.1 vale também para dois eventos decrescentes.

As desigualdades acima foram primeiro provadas por Harris [2] e posteriormente generalizadas para outros modelos por Fortuin, Kasteleyn e Ginibre [12], cujas iniciais batizaram-nas.