2.3 Fórmula de Russo

O próximo resultado é uma fórmula para a derivada em pp da probabilidade de um evento crescente. Para obtê-la, usaremos a construção acoplada do modelo de percolação usando a família de variáveis uniformes 𝒵{\cal Z} vista no capítulo anterior (o modelo padrão).

Consideramos então, para uma dada configuração das variáveis em 𝒵{\cal Z}, a configuração de elos pp-abertos ωp\omega_{p}, isto é, (ωp(e))e𝔼d(\omega_{p}(e))_{e\in\mathbb{E}^{d}} tal que

ωp(e)={1,se Ze<p0,caso contrário\omega_{p}(e)=\cases{1,&se $Z_{e}<p$\cr 0,&caso contrário}

para todo e𝔼de\in\mathbb{E}^{d}.

Seja AA um evento crescente que depende de um conjunto finito de elos 𝒢{\cal G} de 𝔼d\mathbb{E}^{d} e considere

Pp+δ(A)Pp(A)=(ωpA,ωp+δA).P_{p+\delta}(A)-P_{p}(A)=\mathbb{P}(\omega_{p}\notin A,\omega_{p+\delta}\in A). (2.3.1)

Como AA é crescente, se ωpA\omega_{p}\notin A e ωp+δA\omega_{p+\delta}\in A, então há elos e𝒢e\in\mathcal{G} tais que ωp(e)=0\omega_{p}(e)=0 mas ωp+δ(e)=1\omega_{p+\delta}(e)=1, isto é, pZe<p+δp\leq Z_{e}<p+\delta. Denote por 𝒩p,δ{\cal N}_{p,\delta} o conjunto de tais elos. A probabilidade de que |𝒩p,δ|2|{\cal N}_{p,\delta}|\geq 2 é o(δ)o(\delta). Por outro lado, se ωpA\omega_{p}\notin A, ωp+δA\omega_{p+\delta}\in A e |𝒩p,δ|=1|{\cal N}_{p,\delta}|=1, então o (estado do) elo ee em questão deve ser essencial em ωp\omega_{p} para (a ocorrência ou não de) AA no sentido de que ωpA\omega_{p}\notin A, mas ωpA\omega_{p}^{\prime}\in A, onde ωp\omega_{p}^{\prime} é a configuração obtida de ωp\omega_{p} trocando o status do elo ee de 0 para 11. A última probabilidade em (2.3.1) fica, então,

(ωpA,ωp+δA,|𝒩p,δ|=1)+o(δ).\mathbb{P}(\omega_{p}\notin A,\omega_{p+\delta}\in A,|{\cal N}_{p,\delta}|=1)+% o(\delta).

A probabilidade acima pode ser escrita como

e𝒢(ωpA,ωp+δA,𝒩p,δ={e}).\sum_{e\in{\cal G}}\mathbb{P}(\omega_{p}\notin A,\omega_{p+\delta}\in A,{\cal N% }_{p,\delta}=\{e\}).

O evento dentro da probabilidade na soma é equivalente ao evento

{e é essencial em ωp para A,pZe<p+δ,𝒩p,δ={e}}.\{\mbox{$e$ é essencial em $\omega_{p}$ para $A$},p\leq Z_{e}<p+\delta,{\cal N% }_{p,\delta}=\{e\}\}.

Aquela probabilidade pode ser escrita, então, como

[e é essencial em ωp para A,pZe<p+δ]\displaystyle\mathbb{P}[\mbox{$e$ é essencial em $\omega_{p}$ para $A$},p\leq Z% _{e}<p+\delta] (2.3.2)
\displaystyle- [e é essencial em ωp para A,pZe<p+δ,𝒩p,δ{e}].\displaystyle\mathbb{P}[\mbox{$e$ é essencial em $\omega_{p}$ para $A$},p\leq Z% _{e}<p+\delta,{\cal N}_{p,\delta}\neq\{e\}]. (2.3.3)

A probabilidade em (2.3.3) é limitada superiormente por

(|𝒩p,δ|2)=o(δ).\mathbb{P}(|{\cal N}_{p,\delta}|\geq 2)=o(\delta).

Observemos agora que a ocorrência ou não do evento {ee é essencial em ωp\omega_{p} para AA} não depende de ω(e)\omega(e). Logo, a probabilidade em (2.3.2) fatora.

Combinando os argumentos acima, temos

Pp+δ(A)Pp(A)\displaystyle P_{p+\delta}(A)-P_{p}(A) =\displaystyle= e(e é essencial em ωp para A)(pZe<p+δ)+o(δ)\displaystyle\sum_{e}\mathbb{P}(\mbox{$e$ é essencial em $\omega_{p}$ para $A$% })\mathbb{P}(p\leq Z_{e}<p+\delta)+o(\delta)
=\displaystyle= δe(e é essencial em ωp para A)+o(δ)\displaystyle\delta\sum_{e}\mathbb{P}(\mbox{$e$ é essencial em $\omega_{p}$ % para $A$})+o(\delta)
=\displaystyle= δE(N(A))+o(δ),\displaystyle\delta E(N(A))+o(\delta),

onde N(A)N(A) denota o número de elos essenciais em ωp\omega_{p} para AA (e EE é a esperança com respeito a \mathbb{P}).

Modificando um pouco a terminologia, e voltando ao modelo com as variáveis de Bernoulli, dado um evento qualquer AA\in{\cal E} e uma configuração ωΩ\omega\in\Omega, definimos um elo ee como pivotal para AA (mais precisamente, para (A,ωA,\omega)) se, denotando por ω\omega^{\prime} a configuração idêntica a ω\omega em todos os elos com exceção de ee, em que ω\omega e ω\omega^{\prime} são diferentes, uma das duas coisas acontece: ou

ωAeωA\omega\in A\quad\mbox{e}\quad\omega^{\prime}\notin A

ou

ωAeωA.\omega\notin A\quad\mbox{e}\quad\omega^{\prime}\in A.

Seja N(A)N(A) o número de elos pivotais para AA. O argumento acima prova o seguinte.

Teorema 2.3.1

Fórmula de Russo [14]

Se AA for um evento crescente dependendo de um conjunto finito de elos, então

ddpPp(A)=Ep(N(A)).\frac{d}{dp}P_{p}(A)=E_{p}(N(A)). (2.3.4)

A equação (2.3.4) também pode ser escrita

ddpPp(A)=ePp(e é pivotal para A).\frac{d}{dp}P_{p}(A)=\sum_{e}P_{p}(\mbox{$e$ é pivotal para $A$}).

O uso que se fará da fórmula de Russo parte da observação de que o evento {ee é pivotal para AA} é independente do elo ee e portanto independente do evento {ee está aberto}, para deduzir que

Pp(e é pivotal para A)=1pPp(e está aberto e é pivotal para A).P_{p}(\mbox{$e$ é pivotal para $A$})=\frac{1}{p}P_{p}(\mbox{$e$ está aberto e % é pivotal para $A$}).

Logo, se AA for crescente, aplicando a fórmula de Russo temos

ddpPp(A)\displaystyle\frac{d}{dp}P_{p}(A) =\displaystyle= 1pePp(e está aberto e é pivotal para A)\displaystyle\frac{1}{p}\sum_{e}P_{p}(\mbox{$e$ está aberto e é pivotal para $% A$}) (2.3.5)
=\displaystyle= 1pePp(A{e é pivotal para A})\displaystyle\frac{1}{p}\sum_{e}P_{p}(A\cap\{\mbox{$e$ é pivotal para $A$}\}) (2.3.6)
=\displaystyle= 1pePp(A)Pp(e é pivotal para A|A)\displaystyle\frac{1}{p}\sum_{e}P_{p}(A)P_{p}(\mbox{$e$ é pivotal para $A$}|A) (2.3.7)
=\displaystyle= 1pEp(N(A)|A)Pp(A).\displaystyle\frac{1}{p}E_{p}(N(A)|A)P_{p}(A). (2.3.8)

Dividindo a primeira e última expressões por Pp(A)P_{p}(A) e integrando em [p1,p2][p_{1},p_{2}] (0<p1p210<p_{1}\leq p_{2}\leq 1), chegamos a

Pp2(A)=Pp1(A)exp(p1p21pEp(N(A)|A)𝑑p).P_{p_{2}}(A)=P_{p_{1}}(A)\exp\left(\int_{p_{1}}^{p_{2}}\frac{1}{p}E_{p}(N(A)|A% )dp\right). (2.3.9)

A identidade acima será aplicada no próximo capítulo.