5.1 O Teorema do valor intermediário

Funções contínuas possuem propriedades muito particulares. Considere por exemplo uma função contínua num intervalo fechado, f:[a,b]f:[a,b]\to\mathbb{R}. Então, ao xx variar entre aa e bb, o gráfico de ff corta qualquer reta horizontal intermediária, de altura hh entre f(a)f(a) e f(b)f(b), pelo menos uma vez:

Teorema 5.1 (Teorema do Valor Intermediário).

Seja f:[a,b]f:[a,b]\to\mathbb{R} uma função contínua, tal que f(a)<f(b)f(a)<f(b). Então para todo h[f(a),f(b)]h\in[f(a),f(b)], existe c[a,b]c\in[a,b] tal que f(c)=hf(c)=h. Uma afirmação parecida vale quando f(a)>f(b)f(a)>f(b)

Exercício 5.6.

Para cada função abaixo, estude a propriedade do valor intermediário (isto é, fixe uma reta de altura hh e vê se o gráfico de ff corta a reta).

  1. 1.

    f:[1,2]f:[-1,2]\to\mathbb{R}, f(x):=x2f(x){:=}x^{2}.

  2. 2.

    g:[1,1]g:[-1,1]\to\mathbb{R}, g(x):={|x|x se x0,0 se x=0.g(x){:=}\begin{cases}\frac{|x|}{x}&\text{ se }x\neq 0\,,\\ 0&\text{ se }x=0\,.\\ \end{cases}

  3. 3.

    h:[0,2]h:[0,2]\to\mathbb{R}, h(x):={2x1 se 0x<1,2x3 se 1x2.h(x){:=}\begin{cases}2x-1&\text{ se }0\leq x<1\,,\\ 2x-3&\text{ se }1\leq x\leq 2\,.\\ \end{cases}

O Teorema do valor intermediário pode ser usado para a resolução numérica de equações:

Exemplo 5.8.

Considere a função f(x):=12x2x5f(x){:=}\tfrac{1}{2}-x^{2}-x^{5}, no intervalo [1,1][-1,1]. Como ff é contínua e muda de sinal entre 1-1 e +1+1, f(1)=12>0f(-1)=\frac{1}{2}>0, f(+1)=32<0f(+1)=-\frac{3}{2}<0, o Teorema do Valor Intermediário implica que deve existir pelo menos um ponto x[1,1]x_{*}\in[-1,1] tal que f(x)=0f(x^{*})=0.

Como calcular xx_{*}? Por definição, x[1,1]x_{*}\in[-1,1] é solução da equação do quinto grau:

x5+x212=0,x^{5}+x^{2}-\tfrac{1}{2}=0\,,

Como não existe um método geral para a resolução de tais equações, vejamos um método que, sem ser exato, fornece pelo menos uma aproximação de xx_{*}.

A ideia é de localizar xx_{*} usando recursivamente o Teorema do Valor intermediário. Para começar, observemos que como f(0)>0f(0)>0, f(1)<0f(1)<0, ff muda de sinal também no intervalo [0,1][0,1], o que implica que x[0,1]x_{*}\in[0,1].

Calculemos então o valor de ff no meio do intervalo [0,1][0,1] e observemos que f(12)>0f(\frac{1}{2})>0. Portanto, ff muda de sinal entre 12\frac{1}{2} e 11, o que implica que x[12,1]x_{*}\in[\frac{1}{2},1]. Em seguida, f(34)<0f(\frac{3}{4})<0 implica que ff muda de sinal entre 12\frac{1}{2} e 34\frac{3}{4}, isto é, x[12,34]x_{*}\in[\frac{1}{2},\frac{3}{4}]. Continuando assim, obtemos uma sequência decrescente de intervalos encaixados, cada um contendo xx_{*}:

[0,1][12,1][12,34][0,1]\supset[\tfrac{1}{2},1]\supset[\tfrac{1}{2},\tfrac{3}{4}]\supset\cdots

Os tamanhos dos intervalos decrescem exponencialmente rápido: o primeiro tem tamanho 11, o segundo tamanho 12\frac{1}{2}, etc., o nn-ésimo tem tamanho 2n2^{-n}. Logo, qualquer ponto do nn-ésimo intervalo dá uma aproximação de xx_{*} com uma precisão de 2n2^{-n}.

O método descrito acima, que consiste em usar o Teorema do Valor intermediário a cada etapa, é chamado de método da bisseção.