6.1. Produto de -Álgebras
Sejam , espaços mensuráveis, i.e., e são conjuntos, é uma -álgebra de partes de e é uma -álgebra de partes de . Segue do Lema 5.1.14 que a classe de conjuntos:
é um semi-anel; evidentemente, não é de se esperar que seja uma -álgebra de partes de .
6.1.1 Definição.
Sejam , espaços mensuráveis. A -álgebra de partes de gerada por , denotada por , é chamada a -álgebra produto de por . O espaço mensurável é chamado o produto de por .
O seguinte lema dá uma caracterização interessante para a -álgebra produto.
6.1.2 Lema.
Sejam , espaços mensuráveis e denote por , as projeções. Então a -álgebra produto é a menor -álgebra de partes de que torna as aplicações e ambas mensuráveis; mais explicitamente:
-
•
as projeções:
são mensuráveis;
-
•
se é uma -álgebra de partes de e se as projeções:
são mensuráveis então .
Demonstração.
Para todo , temos:
donde é mensurável se é munido da -álgebra produto. Similarmente, é mensurável se é munido da -álgebra produto. Seja agora uma -álgebra de partes de que torna as projeções e ambas mensuráveis. Daí:
para todos , . Logo e portanto, como é uma -álgebra, temos . ∎
A principal propriedade da -álgebra produto é expressa pelo seguinte:
6.1.3 Lema.
Sejam , , espaços mensuráveis e seja uma função com funções coordenadas e . Se é munido da -álgebra produto então é mensurável se e somente se e são ambas mensuráveis.
Demonstração.
Sejam , as projeções; temos e . Se é mensurável, então e também são mensuráveis, sendo composições de funções mensuráveis. Suponha agora que e são mensuráveis e provemos que é mensurável. Pelo Lema 2.1.5, para estabelecer a mensurabilidade de é suficiente verificar que:
para todos , ; a conclusão segue então da igualdade:
No Exercício 6.1 pedimos ao leitor para demonstrar que a propriedade constante do enunciado do Lema 6.1.3 caracteriza completamente a -álgebra produto.
6.1.4 Exemplo.
Sejam , espaços mensuráveis. Se os produtos e são munidos respectivamente das -álgebras e então segue do Lema 6.1.3 que a função:
é uma bijeção mensurável cuja aplicação inversa também é mensurável. De fato, as funções coordenadas de são as projeções do produto cartesiano e as funções coordenadas de são as projeções do produto cartesiano . Temos em particular que a bijeção induz uma bijeção:
da -álgebra sobre a -álgebra .
6.1.5 Exemplo.
6.1.6 Exemplo.
6.1.7 Exemplo.
Identificando com (veja (2.8.1)) então o produto da -álgebra de Borel de pela -álgebra de Borel de coincide com a -álgebra de Borel de , ou seja:
De fato, as projeções , são contínuas e portanto são Borel mensuráveis, pelo Lema 2.1.15. Mais explicitamente, temos que se é munido da -álgebra de Borel então e são ambas mensuráveis; segue então do Lema 6.1.2 que:
Para mostrar a inclusão oposta, é suficiente mostrar que todo aberto de pertence à -álgebra produto . Temos que para todo existem abertos , tais que . Além do mais, a cobertura aberta possui uma subcobertura enumerável, i.e., existe um subconjunto enumerável de tal que:
Mas , e , para todo ; segue então que , o que completa a demonstração de (6.1.3).
Vejamos como produtos de -álgebras relacionam-se com restrições de -álgebras.
6.1.8 Lema.
Sejam , espaços mensuráveis e , subconjuntos (não necessariamente mensuráveis). Então:
Demonstração.
Temos que é a -álgebra de partes de gerada por ; evidentemente:
A conclusão segue do resultado do Exercício 2.3. ∎
6.1.9 Exemplo.
Sejam , espaços mensuráveis e , conjuntos de geradores para as -álgebras e respectivamente. Em geral, não é verdade que é um conjunto de geradores para a -álgebra produto . Por exemplo, se , e então:
e a -álgebra gerada por é igual a:
No entanto, a -álgebra produto é igual a:
Apesar do que vimos no Exemplo 6.1.9, temos o seguinte:
6.1.10 Lema.
Sejam , espaços mensuráveis e , conjuntos de geradores para as -álgebras e respectivamente. Suponha que é igual a uma união enumerável de elementos de e que é igual a uma união enumerável de elementos de (esse é o caso, por exemplo, se e ). Então é um conjunto de geradores para a -álgebra .
Demonstração.
Seja a -álgebra gerada por . Como está contido em , temos que . Pelo Lema 6.1.2, para provar a inclusão oposta é suficiente verificar que as projeções , são mensuráveis quando é munido da -álgebra . Para todo , temos:
por hipótese, existe uma família enumerável de elementos de tal que . Daí , para todo e:
Segue do Lema 2.1.5 que a função é mensurável quando é munido da -álgebra . De modo análogo, verifica-se que é mensurável quando é munido da -álgebra . Isso completa a demonstração. ∎
6.1.11 Corolário.
Dados espaços mensuráveis , e então:
Demonstração.
Temos que é um conjunto de geradores para que possui o conjunto como elemento; além do mais, é (trivialmente) um conjunto de geradores para que possui o conjunto como elemento. Segue então do Lema 6.1.10 que é um conjunto de geradores para . De modo análogo, vê-se que é um conjunto de geradores para . Obviamente:
A conclusão segue. ∎
Em vista do Corolário 6.1.11, podemos escrever expressões como:
sem nos preocuparmos com a colocação de parênteses.
6.1.12 Corolário.
Sejam , …, espaços mensuráveis. Então coincide com a -álgebra gerada pela classe de conjuntos:
Demonstração.
Segue facilmente do Lema 6.1.10 usando indução. ∎
6.1.13 Notação.
Dados conjuntos , e um subconjunto de então para todo nós denotamos por a fatia vertical de definida por:
e para todo nós denotamos por a fatia horizontal de definida por:
6.1.14 Observação.
Se as aplicações e são definidas como no Exemplo 6.1.5 então:
para todos , e todo . Se e são espaços mensuráveis e , nós concluímos então que e , para todos , . Se é uma medida na -álgebra então para todo faz sentido considerar a função:
Temos o seguinte:
6.1.15 Lema.
Sejam um espaço mensurável e um espaço de medida. Se e se a medida é -finita então a função (6.1.5) é mensurável.
Demonstração.
Assuma primeiramente que a medida é finita. Nós vamos mostrar que:
é uma classe -aditiva que contém . Como é uma classe de conjuntos fechada por interseções finitas (na verdade, pelo Lema 5.1.14, é até mesmo um semi-anel), seguirá do lema da classe -aditiva (Lema 5.2.5) que (6.1.6) contém . Isso implicará que a função (6.1.5) é mensurável para todo , sob a hipótese que a medida é finita. O fato que (6.1.6) é uma classe -aditiva segue diretamente das seguintes observações:
-
•
dados com então , e:
para todo ;
-
•
dados com então , e:
para todo ;
-
•
se é uma seqüência em com então e:
para todo .
Para ver que (6.1.6) contém , sejam , e ; temos:
para todo . Logo (6.1.5) é mensurável e está em (6.1.6). Isso completa a demonstração do lema no caso em que a medida é finita. Passemos ao caso geral. Como a medida é -finita, existe uma seqüência em tal que e , para todo ; substituindo por para , nós podemos supor que os conjuntos são dois a dois disjuntos (veja Exercício 1.19). Daí, para todo e todo temos e:
Mas , para todo e:
onde na última igualdade usamos o Lema 6.1.8. Como a medida é finita, a primeira parte da demonstração implica que a função:
é mensurável para todo ; segue então de (6.1.7) que a função (6.1.5) é mensurável. Isso completa a demonstração. ∎
6.1.16 Observação.
Se é um espaço de medida, é um espaço mensurável e se a medida é -finita então evidentemente para todo temos que a função:
é mensurável. Isso pode ser demonstrado fazendo as modificações óbvias na demonstração do Lema 6.1.15 ou aplicando o resultado do Lema 6.1.15 ao conjunto , onde é definida como no Exemplo 6.1.4.