6.2. Medidas Produto
Sejam , espaços de medida. Nós definimos uma aplicação fazendo:
para todos , ; recorde da Seção 1.1 que , para todo (mesmo para ). Observamos que a aplicação está de fato bem definida, pois todo elemento não vazio de escreve-se de modo único na forma com , e , se ou .
Temos o seguinte:
6.2.1 Lema.
Sejam , espaços de medida. A aplicação definida em (6.2.1) é uma medida em .
Demonstração.
Evidentemente . Seja uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de tal que está em . Temos que a aplicação (recorde (6.1.4)):
é mensurável e:
de fato, basta observar que se com , então
para todo e:
Similarmente, para todo a função é mensurável e sua integral é igual a . Como para todo a fatia vertical é igual à união disjunta das fatias verticais , temos:
Integrando dos dois lados e usando o resultado do Exercício 2.12 obtemos:
Logo é uma medida em . ∎
Se , são espaços de medida então é um semi-anel (Lema 5.1.14) e o -anel gerado por coincide com a -álgebra de partes de gerada por , já que (Exercício 5.8). Segue então do Teorema 5.3.16 que a medida em estende-se a uma medida na -álgebra produto . Tal extensão não é única em geral. No entanto, se as medidas e são ambas -finitas então a medida em também é -finita; de fato, se , com , , e para todo então e , para todos . Nesse caso, o Teorema 5.3.16 nos diz que estende-se de modo único a uma medida em e essa extensão também é -finita.
6.2.2 Definição.
Sejam , espaços de medida e suponha que e são -finitas. A medida produto de por é definida como sendo a única medida em que estende . A medida produto será também denotada por e o espaço de medida é chamado o produto de por .
Quando as medidas e não são -finitas, apesar da extensão da medida à -álgebra produto não ser em geral única (veja Exemplo 6.2.3 abaixo), a teoria desenvolvida na Seção 5.3 nos dá uma extensão natural de a (obtida por restrição da medida exterior determinada por ). No entanto, os principais teoremas da teoria das medidas produto não são válidos no caso de medidas não -finitas; optamos então por usar a terminologia “medida produto” apenas no caso em que e são -finitas.
6.2.3 Exemplo.
Sejam , a -álgebra de subconjuntos Lebesgue mensuráveis da reta, , a medida de Lebesgue e a medida de contagem (veja Definição 2.2). A medida é -finita, mas a medida não é. Vamos mostrar que a medida em possui ao menos duas extensões distintas para a -álgebra produto . Seja a medida exterior determinada por ; segue dos Lemas 5.1.14, 6.2.1, 5.3.15 e do Teorema 5.3.16 que a restrição de a é uma medida que estende . Seja a diagonal de , isto é:
Temos (veja Exemplo 6.1.7) e obviamente:
Como é (fechado e portanto) Boreleano em , segue que . Afirmamos que . De fato, seja uma seqüência com e , para todo e suponha que:
Para todo , existe tal que , i.e., tal que ; logo:
Afirmamos que existe algum índice tal que e tal que o conjunto é infinito. De fato, caso contrário, teríamos que para todo , ou é finito; mas isso implicaria que , para todo e portanto , uma contradição. Se é tal que e tal que é infinito então e a fortiori:
Isso prova que . Vamos agora exibir uma outra medida em que estende e tal que . Dado então segue da Observação 6.1.14 que para todo a fatia horizontal é Lebesgue mensurável e portanto podemos definir:
para todo . Se com , então:
donde estende . Afirmamos que é uma medida; de fato, se é uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de e se então, para todo , e:
Daí:
Finalmente, observe que:
Daí e são duas medidas distintas em que estendem .
6.2.4 Lema.
Sejam , espaços de medida e , coleções de conjuntos tais que:
-
(a)
é um conjunto de geradores para a -álgebra e é um conjunto de geradores para a -álgebra ;
-
(b)
é uma união enumerável de elementos de e é uma união enumerável de elementos de (esse é o caso, por exemplo, se está em e está em );
-
(c)
e são fechadas por interseções finitas;
-
(d)
, e as medidas e são -finitas.
Se é uma medida em tal que , para todos , então é igual à medida produto .
6.2.5 Observação.
As hipóteses (a) e (b) no Lema 6.2.4 são equivalentes à condição de que é o -anel gerado por e é o -anel gerado por (veja Exercícios 5.8 e 5.21). Em vista disso, a hipótese (d) implica que as medidas e são -finitas, de modo que está bem definida a medida produto (veja Observação 5.2.9). Sobre a hipótese , , veja a nota de rodapé na página 4.
Demonstração do Lema 6.2.4.
Vamos aplicar o Lema 5.2.12 às medidas e . Como é uma união enumerável de elementos de e cada elemento de está contido numa união enumerável de elementos de de medida finita, podemos escrever , com e , para todo ; similarmente, escrevemos , com e , para todo . Temos que todo elemento de está contido em e:
com , para todos ; isso prova que a medida é -finita. A igualdade (6.2.2) mostra também que o -anel gerado por coincide com a -álgebra gerada por (veja Exercício 5.8); mas, pelo Lema 6.1.10, a -álgebra gerada por é . Como a classe de conjuntos é fechada por interseções finitas, o Lema 5.2.12 implica que . ∎
6.2.6 Corolário.
Dados espaços de medida , e com , e -finitas então:
Demonstração.
Em vista do Corolário 6.2.6, podemos escrever expressões como:
sem nos preocupar com a colocação de parênteses. No Exercício 6.5 nós pedimos ao leitor para demonstrar uma versão do Lema 6.2.4 para o caso de um produto de um número finito arbitrário de medidas.
6.2.7 Observação.
6.2.8 Exemplo.
Se denota a restrição à da medida de Lebesgue de e denota a restrição à da medida de Lebesgue de então é igual à restrição à da medida de Lebesgue de . De fato, vimos no Exemplo 6.1.7 que ; o fato que é exatamente a restrição da medida de Lebesgue segue do Lema 6.2.4, tomando , , , , como sendo a classe dos blocos retangulares -dimensionais, como sendo a classe dos blocos retangulares -dimensionais e como sendo a restrição a da medida de Lebesgue de (tenha em mente que, pelo Lema 1.4.23, a -álgebra de Borel é gerada pelos blocos retangulares).
Em vista do Exemplo 6.2.8 e do resultado do Exercício 1.17, vemos que poderíamos definir a medida de Lebesgue em como sendo o completamento do produto de cópias da restrição a da medida de Lebesgue de . Podemos então definir a medida de Lebesgue em sem usar a teoria desenvolvida no Capítulo 1.
Uma pergunta natural agora seria: que resultado obtemos se fizermos o produto da medida de Lebesgue de pela medida de Lebesgue de (sem tomar restrições às -álgebras de Borel)? A resposta é que nesse caso obtemos a restrição da medida de Lebesgue a uma -álgebra intermediária entre e (veja Lema 6.4.1).
Vejamos agora como a medida produto pode ser escrita usando uma integral.
6.2.9 Proposição.
Sejam , espaços de medida, com e -finitas. Dado então:
Demonstração.
Recorde do Lema 6.1.15 que para todo a função é mensurável, de modo que a integral em (6.2.3) está bem definida. Defina uma aplicação fazendo:
para todo . A demonstração da proposição estará completa se verificarmos que é uma medida e que coincide com em . A demonstração de que coincide com em foi feita durante a prova do Lema 6.2.1. Vamos então provar que é uma medida. Seja uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de e seja . Para cada , temos que a fatia vertical é igual à união disjunta das fatias verticais , , e portanto:
para todo . Integrando dos dois lados e usando o resultado do Exercício 2.12 obtemos:
Isso prova que é uma medida e completa a demonstração. ∎
6.2.10 Observação.
A tese da Proposição 6.2.9 poderia ser substituída por:
para todo . Isso pode ser demonstrado fazendo as modificações óbvias na demonstração da Proposição 6.2.9 ou aplicando o resultado dessa proposição ao conjunto , onde é definida como no Exemplo 6.1.4 (veja também o resultado do Exercício 6.6).
Em particular, se e são -finitas, então para todo , temos: