6.2. Medidas Produto

Sejam (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu), (Y,,ν)(Y,\mathcal{B},\nu) espaços de medida. Nós definimos uma aplicação μ×ν:𝒜×[0,+]\mu\times\nu:\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B}\to[0,+\infty] fazendo:

(μ×ν)(A×B)=μ(A)ν(B),(\mu\times\nu)(A\times B)=\mu(A)\nu(B), (6.2.1)

para todos A𝒜A\in\mathcal{A}, BB\in\mathcal{B}; recorde da Seção 1.1 que x0=0x=0x\cdot 0=0\cdot x=0, para todo x¯x\in\overline{\mathds{R}} (mesmo para x=±x=\pm\infty). Observamos que a aplicação μ×ν\mu\times\nu está de fato bem definida, pois todo elemento não vazio de 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B} escreve-se de modo único na forma A×BA\times B com A𝒜A\in\mathcal{A}, BB\in\mathcal{B} e μ(A)ν(B)=0\mu(A)\nu(B)=0, se A=∅︀A=\emptyset ou B=∅︀B=\emptyset.

Temos o seguinte:

6.2.1 Lema.

Sejam (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu), (Y,,ν)(Y,\mathcal{B},\nu) espaços de medida. A aplicação μ×ν:𝒜×[0,+]\mu\times\nu:\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B}\to[0,+\infty] definida em (6.2.1) é uma medida em 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B}.

Demonstração.

Evidentemente (μ×ν)(∅︀)=0(\mu\times\nu)(\emptyset)=0. Seja (Ek)k1(E^{k})_{k\geq 1} uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B} tal que E=k=1EkE=\bigcup_{k=1}^{\infty}E^{k} está em 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B}. Temos que a aplicação (recorde (6.1.4)):

Xxν(Ex)[0,+]X\ni x\longmapsto\nu(E_{x})\in[0,+\infty]

é mensurável e:

Xν(Ex)dμ(x)=(μ×ν)(E);\int_{X}\nu(E_{x})\,\mathrm{d}\mu(x)=(\mu\times\nu)(E);

de fato, basta observar que se E=A×BE=A\times B com A𝒜A\in\mathcal{A}, BB\in\mathcal{B} então

ν(Ex)=ν(B)χA(x),\nu(E_{x})=\nu(B)\,\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$\scriptstyle A$}}(x),

para todo xXx\in X e:

Xν(Ex)dμ(x)=Xν(B)χA(x)dμ(x)=μ(A)ν(B)=(μ×ν)(E).\int_{X}\nu(E_{x})\,\mathrm{d}\mu(x)=\int_{X}\nu(B)\,\chi_{\lower 2.0pt\hbox{$% \scriptstyle A$}}(x)\,\mathrm{d}\mu(x)=\mu(A)\nu(B)=(\mu\times\nu)(E).

Similarmente, para todo k1k\geq 1 a função xν(Exk)x\mapsto\nu(E^{k}_{x}) é mensurável e sua integral é igual a (μ×ν)(Ek)(\mu\times\nu)(E^{k}). Como para todo xXx\in X a fatia vertical ExE_{x} é igual à união disjunta das fatias verticais ExkE^{k}_{x}, temos:

ν(Ex)=k=1ν(Exk).\nu(E_{x})=\sum_{k=1}^{\infty}\nu(E^{k}_{x}).

Integrando dos dois lados e usando o resultado do Exercício 2.12 obtemos:

(μ×ν)(E)=Xν(Ex)dμ(x)=k=1Xν(Exk)dμ(x)=k=1(μ×ν)(Ek).(\mu\times\nu)(E)=\int_{X}\nu(E_{x})\,\mathrm{d}\mu(x)=\sum_{k=1}^{\infty}\int% _{X}\nu(E^{k}_{x})\,\mathrm{d}\mu(x)=\sum_{k=1}^{\infty}(\mu\times\nu)(E^{k}).

Logo μ×ν\mu\times\nu é uma medida em 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B}. ∎

Se (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu), (Y,,ν)(Y,\mathcal{B},\nu) são espaços de medida então 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B} é um semi-anel (Lema 5.1.14) e o σ\sigma-anel gerado por 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B} coincide com a σ\sigma-álgebra de partes de X×YX\times Y gerada por 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B}, já que X×Y𝒜×X\times Y\in\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B} (Exercício 5.8). Segue então do Teorema 5.3.16 que a medida μ×ν\mu\times\nu em 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B} estende-se a uma medida na σ\sigma-álgebra produto 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}. Tal extensão não é única em geral. No entanto, se as medidas μ\mu e ν\nu são ambas σ\sigma-finitas então a medida μ×ν\mu\times\nu em 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B} também é σ\sigma-finita; de fato, se X=k=1XkX=\bigcup_{k=1}^{\infty}X_{k}, Y=k=1YkY=\bigcup_{k=1}^{\infty}Y_{k} com Xk𝒜X_{k}\in\mathcal{A}, YkY_{k}\in\mathcal{B}, μ(Xk)<+\mu(X_{k})<+\infty e ν(Yk)<+\nu(Y_{k})<+\infty para todo k1k\geq 1 então X×Y=k=1l=1(Xk×Yl)X\times Y=\bigcup_{k=1}^{\infty}\bigcup_{l=1}^{\infty}(X_{k}\times Y_{l}) e (μ×ν)(Xk×Yl)<+(\mu\times\nu)(X_{k}\times Y_{l})<+\infty, para todos k,l1k,l\geq 1. Nesse caso, o Teorema 5.3.16 nos diz que μ×ν\mu\times\nu estende-se de modo único a uma medida em 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} e essa extensão também é σ\sigma-finita.

6.2.2 Definição.

Sejam (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu), (Y,,ν)(Y,\mathcal{B},\nu) espaços de medida e suponha que μ\mu e ν\nu são σ\sigma-finitas. A medida produto de μ\mu por ν\nu é definida como sendo a única medida em 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} que estende μ×ν\mu\times\nu. A medida produto será também denotada por μ×ν\mu\times\nu e o espaço de medida (X×Y,𝒜,μ×ν)(X\times Y,\mathcal{A}\otimes\mathcal{B},\mu\times\nu) é chamado o produto de (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu) por (Y,,ν)(Y,\mathcal{B},\nu).

Quando as medidas μ\mu e ν\nu não são σ\sigma-finitas, apesar da extensão da medida μ×ν\mu\times\nu à σ\sigma-álgebra produto 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} não ser em geral única (veja Exemplo 6.2.3 abaixo), a teoria desenvolvida na Seção 5.3 nos dá uma extensão natural de μ×ν\mu\times\nu a 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} (obtida por restrição da medida exterior (μ×ν)(\mu\times\nu)^{*} determinada por μ×ν\mu\times\nu). No entanto, os principais teoremas da teoria das medidas produto não são válidos no caso de medidas não σ\sigma-finitas; optamos então por usar a terminologia “medida produto” apenas no caso em que μ\mu e ν\nu são σ\sigma-finitas.

6.2.3 Exemplo.

Sejam X=Y=X=Y=\mathds{R}, 𝒜=()\mathcal{A}=\mathcal{M}(\mathds{R}) a σ\sigma-álgebra de subconjuntos Lebesgue mensuráveis da reta, =()\mathcal{B}=\wp(\mathds{R}), μ=𝔪\mu=\mathfrak{m} a medida de Lebesgue e ν:()[0,+]\nu:\wp(\mathds{R})\to[0,+\infty] a medida de contagem (veja Definição 2.2). A medida μ\mu é σ\sigma-finita, mas a medida ν\nu não é. Vamos mostrar que a medida μ×ν\mu\times\nu em 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B} possui ao menos duas extensões distintas para a σ\sigma-álgebra produto 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}. Seja (μ×ν):(2)[0,+](\mu\times\nu)^{*}:\wp(\mathds{R}^{2})\to[0,+\infty] a medida exterior determinada por μ×ν\mu\times\nu; segue dos Lemas 5.1.14, 6.2.1, 5.3.15 e do Teorema 5.3.16 que a restrição de (μ×ν)(\mu\times\nu)^{*} a 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} é uma medida que estende μ×ν\mu\times\nu. Seja Δ\Delta a diagonal de 2\mathds{R}^{2}, isto é:

Δ={(x,x):x}.\Delta=\big{\{}(x,x):x\in\mathds{R}\big{\}}.

Temos (2)=()()\mathcal{B}(\mathds{R}^{2})=\mathcal{B}(\mathds{R})\otimes\mathcal{B}(\mathds{% R}) (veja Exemplo 6.1.7) e obviamente:

()()()()=𝒜.\mathcal{B}(\mathds{R})\otimes\mathcal{B}(\mathds{R})\subset\mathcal{M}(% \mathds{R})\otimes\wp(\mathds{R})=\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}.

Como Δ\Delta é (fechado e portanto) Boreleano em 2\mathds{R}^{2}, segue que Δ𝒜\Delta\in\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}. Afirmamos que (μ×ν)(Δ)=+(\mu\times\nu)^{*}(\Delta)=+\infty. De fato, seja (Ak×Bk)k1(A_{k}\times B_{k})_{k\geq 1} uma seqüência com Ak()A_{k}\in\mathcal{M}(\mathds{R}) e Bk()B_{k}\in\wp(\mathds{R}), para todo k1k\geq 1 e suponha que:

Δk=1(Ak×Bk).\Delta\subset\bigcup_{k=1}^{\infty}(A_{k}\times B_{k}).

Para todo xx\in\mathds{R}, existe k1k\geq 1 tal que (x,x)Ak×Bk(x,x)\in A_{k}\times B_{k}, i.e., tal que xAkBkx\in A_{k}\cap B_{k}; logo:

=k=1(AkBk).\mathds{R}=\bigcup_{k=1}^{\infty}(A_{k}\cap B_{k}).

Afirmamos que existe algum índice i1i\geq 1 tal que 𝔪(Ai)>0\mathfrak{m}(A_{i})>0 e tal que o conjunto BiB_{i} é infinito. De fato, caso contrário, teríamos que para todo i1i\geq 1, 𝔪(Ai)=0\mathfrak{m}(A_{i})=0 ou BiB_{i} é finito; mas isso implicaria que 𝔪(AiBi)=0\mathfrak{m}(A_{i}\cap B_{i})=0, para todo i1i\geq 1 e portanto 𝔪()=0\mathfrak{m}(\mathds{R})=0, uma contradição. Se i1i\geq 1 é tal que 𝔪(Ai)>0\mathfrak{m}(A_{i})>0 e tal que BiB_{i} é infinito então (μ×ν)(Ai×Bi)=+(\mu\times\nu)(A_{i}\times B_{i})=+\infty e a fortiori:

k=1(μ×ν)(Ak×Bk)=+.\sum_{k=1}^{\infty}(\mu\times\nu)(A_{k}\times B_{k})=+\infty.

Isso prova que (μ×ν)(Δ)=+(\mu\times\nu)^{*}(\Delta)=+\infty. Vamos agora exibir uma outra medida ρ\rho em 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} que estende μ×ν\mu\times\nu e tal que ρ(Δ)=0\rho(\Delta)=0. Dado E𝒜E\in\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} então segue da Observação 6.1.14 que para todo yy\in\mathds{R} a fatia horizontal EyE^{y}\subset\mathds{R} é Lebesgue mensurável e portanto podemos definir:

ρ(E)=y𝔪(Ey),\rho(E)=\sum_{y\in\mathds{R}}\mathfrak{m}(E^{y}),

para todo E𝒜E\in\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}. Se E=A×BE=A\times B com A𝒜A\in\mathcal{A}, BB\in\mathcal{B} então:

ρ(E)=yB𝔪(A)=μ(A)ν(B)=(μ×ν)(E),\rho(E)=\sum_{y\in B}\mathfrak{m}(A)=\mu(A)\nu(B)=(\mu\times\nu)(E),

donde ρ\rho estende μ×ν\mu\times\nu. Afirmamos que ρ\rho é uma medida; de fato, se (Ek)k1(E_{k})_{k\geq 1} é uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} e se E=k=1EkE=\bigcup_{k=1}^{\infty}E_{k} então, para todo yy\in\mathds{R}, Ey=k=1EkyE^{y}=\bigcup_{k=1}^{\infty}E^{y}_{k} e:

𝔪(Ey)=k=1𝔪(Eky).\mathfrak{m}(E^{y})=\sum_{k=1}^{\infty}\mathfrak{m}(E^{y}_{k}).

Daí:

ρ(E)=y𝔪(Ey)=yk=1𝔪(Eky)=k=1y𝔪(Eky)=k=1ρ(Ek).\rho(E)=\sum_{y\in\mathds{R}}\mathfrak{m}(E^{y})=\sum_{y\in\mathds{R}}\sum_{k=% 1}^{\infty}\mathfrak{m}(E^{y}_{k})=\sum_{k=1}^{\infty}\sum_{y\in\mathds{R}}% \mathfrak{m}(E^{y}_{k})=\sum_{k=1}^{\infty}\rho(E_{k}).

Finalmente, observe que:

ρ(Δ)=y𝔪({y})=0.\rho(\Delta)=\sum_{y\in\mathds{R}}\mathfrak{m}\big{(}\{y\}\big{)}=0.

Daí ρ\rho e (μ×ν)|𝒜(\mu\times\nu)^{*}|_{\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}} são duas medidas distintas em 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} que estendem μ×ν\mu\times\nu.

6.2.4 Lema.

Sejam (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu), (Y,,ν)(Y,\mathcal{B},\nu) espaços de medida e 𝒞𝒜\mathcal{C}\subset\mathcal{A}, 𝒟\mathcal{D}\subset\mathcal{B} coleções de conjuntos tais que:

  • (a)

    𝒞\mathcal{C} é um conjunto de geradores para a σ\sigma-álgebra 𝒜\mathcal{A} e 𝒟\mathcal{D} é um conjunto de geradores para a σ\sigma-álgebra \mathcal{B};

  • (b)

    XX é uma união enumerável de elementos de 𝒞\mathcal{C} e YY é uma união enumerável de elementos de 𝒟\mathcal{D} (esse é o caso, por exemplo, se XX está em 𝒞\mathcal{C} e YY está em 𝒟\mathcal{D});

  • (c)

    𝒞\mathcal{C} e 𝒟\mathcal{D} são fechadas por interseções finitas;

  • (d)

    ∅︀𝒞\emptyset\in\mathcal{C}, ∅︀𝒟\emptyset\in\mathcal{D} e as medidas μ|𝒞\mu|_{\mathcal{C}} e ν|𝒟\nu|_{\mathcal{D}} são σ\sigma-finitas.

Se ρ:𝒜[0,+]\rho:\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}\to[0,+\infty] é uma medida em 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} tal que ρ(A×B)=μ(A)ν(B)\rho(A\times B)=\mu(A)\nu(B), para todos A𝒞A\in\mathcal{C}, B𝒟B\in\mathcal{D} então ρ\rho é igual à medida produto μ×ν\mu\times\nu.

6.2.5 Observação.

As hipóteses (a) e (b) no Lema 6.2.4 são equivalentes à condição de que 𝒜\mathcal{A} é o σ\sigma-anel gerado por 𝒞\mathcal{C} e \mathcal{B} é o σ\sigma-anel gerado por 𝒟\mathcal{D} (veja Exercícios 5.8 e 5.21). Em vista disso, a hipótese (d) implica que as medidas μ\mu e ν\nu são σ\sigma-finitas, de modo que está bem definida a medida produto μ×ν\mu\times\nu (veja Observação 5.2.9). Sobre a hipótese ∅︀𝒞\emptyset\in\mathcal{C}, ∅︀𝒟\emptyset\in\mathcal{D}, veja a nota de rodapé na página 4.

Demonstração do Lema 6.2.4.

Vamos aplicar o Lema 5.2.12 às medidas μ×ν\mu\times\nu e ρ\rho. Como XX é uma união enumerável de elementos de 𝒞\mathcal{C} e cada elemento de 𝒞\mathcal{C} está contido numa união enumerável de elementos de 𝒞\mathcal{C} de medida finita, podemos escrever X=k=1XkX=\bigcup_{k=1}^{\infty}X_{k}, com Xk𝒞X_{k}\in\mathcal{C} e μ(Xk)<+\mu(X_{k})<+\infty, para todo k1k\geq 1; similarmente, escrevemos Y=k=1YkY=\bigcup_{k=1}^{\infty}Y_{k}, com Yk𝒟Y_{k}\in\mathcal{D} e ν(Yk)<+\nu(Y_{k})<+\infty, para todo k1k\geq 1. Temos que todo elemento de 𝒞×𝒟\mathcal{C}\boldsymbol{\times}\mathcal{D} está contido em X×YX\times Y e:

X×Y=k=1l=1(Xk×Yl),X\times Y=\bigcup_{k=1}^{\infty}\bigcup_{l=1}^{\infty}(X_{k}\times Y_{l}), (6.2.2)

com (μ×ν)(Xk×Yl)=μ(Xk)ν(Yl)<+(\mu\times\nu)(X_{k}\times Y_{l})=\mu(X_{k})\nu(Y_{l})<+\infty, para todos k,l1k,l\geq 1; isso prova que a medida (μ×ν)|𝒞×𝒟(\mu\times\nu)|_{\mathcal{C}\boldsymbol{\times}\mathcal{D}} é σ\sigma-finita. A igualdade (6.2.2) mostra também que o σ\sigma-anel gerado por 𝒞×𝒟\mathcal{C}\boldsymbol{\times}\mathcal{D} coincide com a σ\sigma-álgebra gerada por 𝒞×𝒟\mathcal{C}\boldsymbol{\times}\mathcal{D} (veja Exercício 5.8); mas, pelo Lema 6.1.10, a σ\sigma-álgebra gerada por 𝒞×𝒟\mathcal{C}\boldsymbol{\times}\mathcal{D} é 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}. Como a classe de conjuntos 𝒞×𝒟\mathcal{C}\boldsymbol{\times}\mathcal{D} é fechada por interseções finitas, o Lema 5.2.12 implica que μ×ν=ρ\mu\times\nu=\rho. ∎

6.2.6 Corolário.

Dados espaços de medida (X1,𝒜1,μ1)(X_{1},\mathcal{A}_{1},\mu_{1}), (X2,𝒜2,μ2)(X_{2},\mathcal{A}_{2},\mu_{2}) e (X3,𝒜3,μ3)(X_{3},\mathcal{A}_{3},\mu_{3}) com μ1\mu_{1}, μ2\mu_{2} e μ3\mu_{3} σ\sigma-finitas então:

(μ1×μ2)×μ3=μ1×(μ2×μ3).(\mu_{1}\times\mu_{2})\times\mu_{3}=\mu_{1}\times(\mu_{2}\times\mu_{3}).
Demonstração.

Aplique o Lema 6.2.4 com X=X1×X2X=X_{1}\times X_{2}, 𝒜=𝒜1𝒜2\mathcal{A}=\mathcal{A}_{1}\otimes\mathcal{A}_{2}, μ=μ1×μ2\mu=\mu_{1}\times\mu_{2}, 𝒞=𝒜1×𝒜2\mathcal{C}=\mathcal{A}_{1}\boldsymbol{\times}\mathcal{A}_{2}, Y=X3Y=X_{3}, =𝒜3\mathcal{B}=\mathcal{A}_{3}, ν=μ3\nu=\mu_{3}, 𝒟=𝒜3\mathcal{D}=\mathcal{A}_{3} e

ρ=μ1×(μ2×μ3),\rho=\mu_{1}\times(\mu_{2}\times\mu_{3}),

notando que (𝒜1𝒜2)𝒜3=𝒜1(𝒜2𝒜3)(\mathcal{A}_{1}\otimes\mathcal{A}_{2})\otimes\mathcal{A}_{3}=\mathcal{A}_{1}% \otimes(\mathcal{A}_{2}\otimes\mathcal{A}_{3}) (Corolário 6.1.11) e que:

ρ((A1×A2)×A3)=ρ(A1×(A2×A3))=μ1(A1)(μ2×μ3)(A2×A3)=μ1(A1)μ2(A2)μ3(A3)=(μ1×μ2)(A1×A2)μ3(A3)=((μ1×μ2)×μ3)((A1×A2)×A3),\rho\big{(}(A_{1}\times A_{2})\times A_{3}\big{)}=\rho\big{(}A_{1}\times(A_{2}% \times A_{3})\big{)}=\mu_{1}(A_{1})\,(\mu_{2}\times\mu_{3})(A_{2}\times A_{3})% \\ =\mu_{1}(A_{1})\mu_{2}(A_{2})\mu_{3}(A_{3})=(\mu_{1}\times\mu_{2})(A_{1}\times A% _{2})\,\mu_{3}(A_{3})\\ =\big{(}(\mu_{1}\times\mu_{2})\times\mu_{3}\big{)}\big{(}(A_{1}\times A_{2})% \times A_{3}\big{)},

para todos A1𝒜1A_{1}\in\mathcal{A}_{1}, A2𝒜2A_{2}\in\mathcal{A}_{2}, A3𝒜3A_{3}\in\mathcal{A}_{3}. ∎

Em vista do Corolário 6.2.6, podemos escrever expressões como:

μ1××μn\mu_{1}\times\cdots\times\mu_{n}

sem nos preocupar com a colocação de parênteses. No Exercício 6.5 nós pedimos ao leitor para demonstrar uma versão do Lema 6.2.4 para o caso de um produto de um número finito arbitrário de medidas.

6.2.7 Observação.

Sejam (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu), (Y,,ν)(Y,\mathcal{B},\nu) espaços de medida com μ\mu e ν\nu σ\sigma-finitas e sejam X0𝒜X_{0}\in\mathcal{A}, Y0Y_{0}\in\mathcal{B}. As medidas μ|𝒜|X0\mu|_{\mathcal{A}|_{X_{0}}} e ν||Y0\nu|_{\mathcal{B}|_{Y_{0}}} também são σ\sigma-finitas (veja Exercício 5.19) e a medida produto (μ|𝒜|X0)×(ν||Y0)(\mu|_{\mathcal{A}|_{X_{0}}})\times(\nu|_{\mathcal{B}|_{Y_{0}}}) coincide com a restrição a (𝒜)|X0×Y0(\mathcal{A}\otimes\mathcal{B})|_{X_{0}\times Y_{0}} de μ×ν\mu\times\nu. De fato, o Lema 6.1.8 nos diz que:

(𝒜|X0)(|Y0)=(𝒜)|X0×Y0(\mathcal{A}|_{X_{0}})\otimes(\mathcal{B}|_{Y_{0}})=(\mathcal{A}\otimes% \mathcal{B})|_{X_{0}\times Y_{0}}

e obviamente a restrição de μ×ν\mu\times\nu a (𝒜)|X0×Y0(\mathcal{A}\otimes\mathcal{B})|_{X_{0}\times Y_{0}} é uma medida que avaliada em A×BA\times Bμ(A)ν(B)\mu(A)\nu(B), para todo A𝒜|X0A\in\mathcal{A}|_{X_{0}} e todo B|Y0B\in\mathcal{B}|_{Y_{0}}.

6.2.8 Exemplo.

Se μ\mu denota a restrição à (m)\mathcal{B}(\mathds{R}^{m}) da medida de Lebesgue de m\mathds{R}^{m} e ν\nu denota a restrição à (n)\mathcal{B}(\mathds{R}^{n}) da medida de Lebesgue de n\mathds{R}^{n} então μ×ν\mu\times\nu é igual à restrição à (m+n)\mathcal{B}(\mathds{R}^{m+n}) da medida de Lebesgue de m+n\mathds{R}^{m+n}. De fato, vimos no Exemplo 6.1.7 que (m+n)=(m)(n)\mathcal{B}(\mathds{R}^{m+n})=\mathcal{B}(\mathds{R}^{m})\otimes\mathcal{B}(% \mathds{R}^{n}); o fato que μ×ν\mu\times\nu é exatamente a restrição da medida de Lebesgue segue do Lema 6.2.4, tomando X=mX=\mathds{R}^{m}, 𝒜=(m)\mathcal{A}=\mathcal{B}(\mathds{R}^{m}), Y=nY=\mathds{R}^{n}, =(n)\mathcal{B}=\mathcal{B}(\mathds{R}^{n}), 𝒞\mathcal{C} como sendo a classe dos blocos retangulares mm-dimensionais, 𝒟\mathcal{D} como sendo a classe dos blocos retangulares nn-dimensionais e ρ\rho como sendo a restrição a (m+n)\mathcal{B}(\mathds{R}^{m+n}) da medida de Lebesgue de m+n\mathds{R}^{m+n} (tenha em mente que, pelo Lema 1.4.23, a σ\sigma-álgebra de Borel é gerada pelos blocos retangulares).

Em vista do Exemplo 6.2.8 e do resultado do Exercício 1.17, vemos que poderíamos definir a medida de Lebesgue em n\mathds{R}^{n} como sendo o completamento do produto de nn cópias da restrição a ()\mathcal{B}(\mathds{R}) da medida de Lebesgue de \mathds{R}. Podemos então definir a medida de Lebesgue em n\mathds{R}^{n} sem usar a teoria desenvolvida no Capítulo 1.

Uma pergunta natural agora seria: que resultado obtemos se fizermos o produto da medida de Lebesgue de m\mathds{R}^{m} pela medida de Lebesgue de n\mathds{R}^{n} (sem tomar restrições às σ\sigma-álgebras de Borel)? A resposta é que nesse caso obtemos a restrição da medida de Lebesgue a uma σ\sigma-álgebra intermediária entre (m+n)\mathcal{B}(\mathds{R}^{m+n}) e (m+n)\mathcal{M}(\mathds{R}^{m+n}) (veja Lema 6.4.1).

Vejamos agora como a medida produto μ×ν\mu\times\nu pode ser escrita usando uma integral.

6.2.9 Proposição.

Sejam (X,𝒜,μ)(X,\mathcal{A},\mu), (Y,,ν)(Y,\mathcal{B},\nu) espaços de medida, com μ\mu e ν\nu σ\sigma-finitas. Dado U𝒜U\in\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} então:

(μ×ν)(U)=Xν(Ux)dμ(x).(\mu\times\nu)(U)=\int_{X}\nu(U_{x})\,\mathrm{d}\mu(x). (6.2.3)
Demonstração.

Recorde do Lema 6.1.15 que para todo U𝒜U\in\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} a função Xxν(Ux)[0,+]X\ni x\mapsto\nu(U_{x})\in[0,+\infty] é mensurável, de modo que a integral em (6.2.3) está bem definida. Defina uma aplicação ρ:𝒜[0,+]\rho:\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}\to[0,+\infty] fazendo:

ρ(U)=Xν(Ux)dμ(x),\rho(U)=\int_{X}\nu(U_{x})\,\mathrm{d}\mu(x),

para todo U𝒜U\in\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}. A demonstração da proposição estará completa se verificarmos que ρ\rho é uma medida e que ρ\rho coincide com μ×ν\mu\times\nu em 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B}. A demonstração de que ρ\rho coincide com μ×ν\mu\times\nu em 𝒜×\mathcal{A}\boldsymbol{\times}\mathcal{B} foi feita durante a prova do Lema 6.2.1. Vamos então provar que ρ\rho é uma medida. Seja (Uk)k1(U^{k})_{k\geq 1} uma seqüência de elementos dois a dois disjuntos de 𝒜\mathcal{A}\otimes\mathcal{B} e seja U=k=1UkU=\bigcup_{k=1}^{\infty}U^{k}. Para cada xXx\in X, temos que a fatia vertical UxU_{x} é igual à união disjunta das fatias verticais UxkU^{k}_{x}, k1k\geq 1, e portanto:

ν(Ux)=k=1ν(Uxk),\nu(U_{x})=\sum_{k=1}^{\infty}\nu(U^{k}_{x}),

para todo xXx\in X. Integrando dos dois lados e usando o resultado do Exercício 2.12 obtemos:

ρ(E)=Xν(Ex)dμ(x)=k=1Xν(Exk)dμ(x)=k=1ρ(Ek).\rho(E)=\int_{X}\nu(E_{x})\,\mathrm{d}\mu(x)=\sum_{k=1}^{\infty}\int_{X}\nu(E^% {k}_{x})\,\mathrm{d}\mu(x)=\sum_{k=1}^{\infty}\rho(E^{k}).

Isso prova que ρ\rho é uma medida e completa a demonstração. ∎

6.2.10 Observação.

A tese da Proposição 6.2.9 poderia ser substituída por:

(μ×ν)(U)=Yμ(Uy)dν(y),(\mu\times\nu)(U)=\int_{Y}\mu(U^{y})\,\mathrm{d}\nu(y),

para todo U𝒜U\in\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}. Isso pode ser demonstrado fazendo as modificações óbvias na demonstração da Proposição 6.2.9 ou aplicando o resultado dessa proposição ao conjunto σ(U)𝒜\sigma(U)\in\mathcal{B}\otimes\mathcal{A}, onde σ\sigma é definida como no Exemplo 6.1.4 (veja também o resultado do Exercício 6.6).

Em particular, se μ\mu e ν\nu são σ\sigma-finitas, então para todo U𝒜U\in\mathcal{A}\otimes\mathcal{B}, temos:

Xν(Ux)dμ(x)=Yμ(Uy)dν(y).\int_{X}\nu(U_{x})\,\mathrm{d}\mu(x)=\int_{Y}\mu(U^{y})\,\mathrm{d}\nu(y).