9.2 A integral de Riemann

De modo geral, a área da região RR delimitada pelo gráfico de uma função f:[a,b]f:[a,b]\to\mathbb{R} pode ser definida via um processo de limite, como visto acima no caso de f(x)=1x2f(x)=1-x^{2}.

Primeiro, escolhemos um inteiro nn, e escolhemos pontos distintos em (a,b)(a,b): x0a<x1<x2<<xn1<xnbx_{0}\equiv a<x_{1}<x_{2}<\dots<x_{n-1}<x_{n}\equiv b. Esses pontos formam uma partição de [a,b][a,b]. Em seguida, escolhemos um ponto xjx_{j}^{*} em cada intervalo [xj1,xj][x_{j-1},x_{j}], e definimos a soma de Riemann 44 4 Georg Friedrich Bernhard Riemann, 1826 – 1866. InI_{n} por:

InI_{n} aproxima a área debaixo do gráfico pela soma das áreas dos retângulos, em que o jj-ésimo retângulo tem como base Δxj:=xjxj1\Delta x_{j}{:=}x_{j}-x_{j-1}, e como altura o valor da função no ponto xjx_{j}^{*}: f(xj)f(x_{j}^{*}). (Na imagem acima os pontos xix_{i} foram escolhidos equidistantes, Δxj=ban\Delta x_{j}=\tfrac{b-a}{n}.)

A integral de ff é obtida considerando InI_{n} para uma sequência de partições em que o tamanho dos intervalos Δxj\Delta x_{j} tendem a zero:

Definição 9.1.

A função f:[a,b]f:[a,b]\to\mathbb{R} é integrável se o limite limnIn\lim_{n\to\infty}I_{n} existir, qualquer que seja a sequência de partições em que maxjΔxj0\max_{j}\Delta x_{j}\to 0, e qualquer que seja a escolha de xj[xj1,xj]x_{j}^{*}\in[x_{j-1},x_{j}]. Quando ff é integrável, o limite limnIn\lim_{n\to\infty}I_{n} é chamado de integral (de Riemann) de ff, ou integral definida de ff, e denotado

limnInabf(x)𝑑x.\lim_{n\to\infty}I_{n}\equiv\int_{a}^{b}f(x)dx\,. (9.4)

Os números aa e bb são chamados de limites de integração.

Inventada por Newton, a notação “abf(x)𝑑x\int_{a}^{b}f(x)dx” lembra que a integral é definida a partir de uma soma (o “\int” é parecido com um “s”) de retângulos contidos entre aa e bb, de áreas f(xj)Δxjf(x^{*}_{j})\Delta x_{j} (o “f(x)dxf(x)dx”).

Observação 9.2.

É importante lembrar que abf(x)𝑑x\int_{a}^{b}f(x)dx é um número, não uma função: a variável “xx” que aparece em abf(x)𝑑x\int_{a}^{b}f(x)dx é usada somente para indicar que ff está sendo integrada, com a sua variável varrendo o intervalo [a,b][a,b]. Logo, seria equivalente escrever essa integral abf(t)𝑑t\int_{a}^{b}f(t)dt, abf(z)𝑑z\int_{a}^{b}f(z)dz, etc., ou simplesmente abf𝑑x\int_{a}^{b}f\,dx. Por isso, a variável xx que aparece em (9.4) é chamada de muda.

Observação 9.3.

A definição de integrabilidade faz sentido mesmo se ff não é positiva. Neste caso, o termo f(xj)Δxjf(x_{j}^{*})\Delta x_{j} da soma de Riemann não pode ser mais interpretado como a área do jj-ésimo retângulo, e abf𝑑x\int_{a}^{b}f\,dx não possui necessariamente uma interpretação geométrica. O Exercício 9.8 abaixo esclarece esse ponto.

Enunciemos algumas propriedades básicas da integral, que podem ser provadas a partir da definição.

Proposição 9.1.

Seja f:[a,b]f:[a,b]\to\mathbb{R} integrável.

  1. 1.

    Se λ\lambda\in\mathbb{R} é uma constante, então λf\lambda f é integrável, e abλf𝑑x=λabf𝑑x\int_{a}^{b}\lambda f\,dx=\lambda\int_{a}^{b}f\,dx.

  2. 2.

    Se g:[a,b]g:[a,b]\to\mathbb{R} também é integrável, então f+gf+g é integrável e ab(f+g)𝑑x=abf𝑑x+abg𝑑x\int_{a}^{b}(f+g)dx=\int_{a}^{b}f\,dx+\int_{a}^{b}g\,dx.

  3. 3.

    Se a<c<ba<c<b, então acf𝑑x+cbf𝑑x=abf𝑑x\int_{a}^{c}f\,dx+\int_{c}^{b}f\,dx=\int_{a}^{b}f\,dx.

Observe que se ff é uma constante, f(x)=cf(x)=c, então qualquer soma de Riemann pode ser calculada via um retângulo só, e

abf(x)𝑑x=c(ba).\int_{a}^{b}f(x)\,dx=c(b-a)\,. (9.5)

Mais tarde precisaremos da seguinte propriedade:

Proposição 9.2.

Se ff e g:[a,b]g:[a,b]\to\mathbb{R} são integráveis, e se fgf\leq g, então

abf𝑑xabg𝑑x.\int_{a}^{b}f\,dx\leq\int_{a}^{b}g\,dx\,. (9.6)

Em particular, se ff é limitada, Mf(x)M+M_{-}\leq f(x)\leq M_{+} para todo x[a,b]x\in[a,b], então

M(ba)abf𝑑xM+(ba).M_{-}(b-a)\leq\int_{a}^{b}f\,dx\leq M_{+}(b-a)\,. (9.7)

Para funções positivas, a interpretação de (9.6) em termos de áreas é imediata: se o gráfico de ff está sempre abaixo do gráfico de gg, então a área debaixo de ff é menor do que a área abaixo de gg.

Exercício 9.4.

Justifique as seguintes afirmações:

  1. 1.

    Se ff é par, aaf(x)𝑑x=20af(x)𝑑x\int_{-a}^{a}f(x)\,dx=2\int_{0}^{a}f(x)\,dx.

  2. 2.

    Se ff é ímpar, aaf(x)𝑑x=0\int_{-a}^{a}f(x)\,dx=0.

Em geral, verificar se uma função é integrável pode ser difícil. O seguinte resultado garante que as maioria das funções consideradas no restante do curso são integráveis.

Teorema 9.1.

Se f:[a,b]f:[a,b]\to\mathbb{R} é contínua, então ela é integrável.

Por exemplo, f(x)=1x2f(x)=1-x^{2} é contínua, logo integrável, e vimos na introdução que

01(1x2)𝑑x=23.\int_{0}^{1}(1-x^{2})dx=\tfrac{2}{3}\,.

Sabendo que uma função contínua é integrável, queremos um jeito de calcular a sua integral. Mas como já foi dito, o procedimento de limite descrito acima (calcular a soma de Riemann, tomar o limite nn\to\infty, etc.) é díficil de se implementar, mesmo se ff é simples.