2.10 Espaços canônicos
Em várias áreas da matemática, existe um importante conceito de equivalência entre duas estruturas, como por exemplo: homeomorfismos, isometrias e isomorfismos. Nessa seção estudaremos o caso análogo para espaços mensuráveis, que nos trará uma grande surpresa.
Uma função entre dois espaços mensuráveis é dita bi-mensurável quando é uma bijeção mensurável, com inversa mensurável.
Vamos agora tentar classificar os espaços a menos de bi-mensurabilidade. Descobriremos que na verdade os borelianos da reta incluem praticamente tudo em que podemos estar interessados. Começamos com a seguinte definição.
Dizemos que o espaço mensurável é canônico se existe uma função bi-mensurável para algum .
Antes de mostrar que essa classe de espaços canônicos inclui muitíssimos exemplos, vamos motivar a definição acima exemplificando como esse conceito pode ser utilizado.
[Extensão de Kolmogorov Extendida]
Se são espaços mensuráveis canônicos, então o Teorema 2.6.2 (da extensão de Kolmogorov)
também é válido no espaço produto :
Se a seguinte condição de consistência for válida
então existe uma probabilidade em tal que
Demonstração.
Sejam bijeções bi-mensuráveis e defina por . Assim podemos introduzir as medidas de probabilidade
É fácil verificar que as são consistentes como em (2.58). Logo, existe em extendendo .
Vamos agora definir uma medida em . Para tanto, primeiramente fixamos para cada um elemento arbitrário de e definimos por
Como , concluimos que é mensurável.
Finalmente, consideramos o mapa dado por
Resta mostrar que a medida estende as probabilidades . Observe que
concluindo a prova do teorema. ∎
Uma ferramenta importante para construirmos espaços canônicos é a seguinte.
Seja é um espaço canônico e , então também é canônico quando dotado da -álgebra induzida por em .
Demonstração.
Seja uma função bi-mensurável que mostra que é canônico. Consideramos dada pela restrição de a e precisamos mostrar as seguintes afirmativas:
-
a)
é injetiva.
-
b)
é mensurável.
-
c)
.
-
d)
A inversa de (chamada ) de em é mensurável.
Vejamos,
-
a)
ser injetiva implica que também o é.
-
b)
Dado , which is of the form with .
-
c)
Denotando por a inversa de , temos que pois é mensurável.
-
d)
Finalmente, se , então , novamente pela mensurabilidade de .
Concluindo portanto a bi-mensurabilidade de quando o seu contra-domínio é restrito a sua imagem. ∎
A seguir daremos um exemplo de espaço canônico que será importante na seção seguinte.
O espaço produto , dotado da -álgebra produto é canônico.
Demonstração.
Primeiramente definimos em a Métrica de Hamming:
Fica como exercício mostrar que a -álgebra dos borelianos induzida por essa métrica coincide com a -álgebra produto em . Definimos agora o mapa dado por
Também deixamos a cargo do leitor mostrar que define um homeomorfismo entre e um boreliano de . ∎
2.10.1 Espaços poloneses
Nessa seção mostraremos que todos espaços chamados poloneses são canônicos.
Um espaço métrico é dito polonês se é separável e completo.
-
a)
Todo espaço enumerável pode ser feito em um espaço métrico polonês de forma que a -álgebra de Borel seja .
-
b)
e são notoriamente poloneses.
Se é uma sequencia de espaços métricos poloneses, mostre que com a métrica
também é polonês. Mostre também que a topologia induzida por essa métrica é equivalente à topologia produto em .
Outros exemplos de espaços poloneses são dados pelo seguinte lema, que também será útil para provar o resultado principal desta seção.
Seja um espaço polonês e um aberto e um fechado de respectivamente. Então, existe uma métrica em tal que
-
a)
e são equivalentes em (induzem a mesma noção de convergência),
-
b)
para todo e
-
c)
é polonês.
Demonstração.
A primeira observação que faremos é que é separável com respeito a . Isso segue do fato de separabilidade ser equivalente à existência de uma base enumerável.
Vamos definir para em ,
onde . Não é difícil ver que com a definição acima (e deixamos como exercício) que:
-
a)
As métricas e são equivalentes em .
-
b)
é separável quando dotado da métrica .
-
c)
é completo.
Isso termina a prova do lema. ∎
Um importante exemplo é dado por espaços produto. Seja uma sequência de espaços poloneses e introduza em a métrica definida em (2.109). Então, se , , forem abertos, o retângulo é aberto. Dessa forma vemos que tanto como podem ser dotados de métricas com as quais se tornam espaços poloneses. Além disso tais métricas podem ser escolhidas satisfazendo as hipóteses do Lema 2.10.1
O próximo lema é o ingrediente chave para provarmos o resultado principal dessa seção. Ele nos dá uma maneira de fatiar um espaço polonês em uma partição de espaços poloneses pequenos.
Seja um espaço polonês e . Então existe uma partição finita ou enumerável de e métricas nesses respectivos subconjuntos de forma que para todo ,
-
a)
são espaços poloneses disjuntos.
-
b)
e são equivalentes em e .
-
c)
O diâmetro de (com respeito a ) é menor ou igual a .
Observe que podemos sempre escolher mas nesse caso os podem ser vazios.
Demonstração.
Obtemos através da separabilidade de , uma coleção de bolas com diâmetros limitados por e cobrindo . Então definimos
Agora podemos dotar cada um dos com a métrica obtida através do Lema 2.10.1 (observe para tanto que os são dados por interseções de um aberto com um fechado). As propriedades enunciadas no lema são trivialmente satisfeitas. ∎
Terminamos essa seção com esse importante resultado, que confirma nossa afirmação de que quase todos os espaços mensuráveis que podemos nos interessar são canônicos.
Todo sub-conjunto boreliano de espaço polonês é canônico.
Demonstração.
Primeiramente, pelo Lema 2.10, basta mostrar que todo espaço polonês é canônico. Pelo Lema 2.10 e novamente o Lema 2.10, {display} basta construir uma função bi-mensurável e depois compô-la com uma função bi-mensurável .
Para começar, construiremos uma partição encaixada de . Mais precisamente, defina os conjuntos que serão utilizados como índices
Vamos definir borelianos de e métricas em para cada . Faremos isso da seguinte forma:
-
a)
se , então definimos e como no Lema 2.10.1 com ,
-
b)
se já foi definido para algum , então utilizamos também o Lema 2.10.1 com para particionar o conjunto (com a métrica ) em com suas respectivas métricas
Obviamente suporemos que são válidas as propriedades de tais métricas garantidas pelo Lema 2.10.1.
Podemos desde já definir e para tanto, considere . Indutivamente
-
a)
como formam uma partição de , definimos como o único índice tal que ,
-
b)
se já encontramos tal que , então o fato que particionamos o último conjunto na definição de , nos garante que podemos definir unicamente de forma a continuar a indução.
Da maneira acima já obtivemos . Para terminar, devemos mostrar que é bi-mensurável quando seu contra-domínio é restrito à sua imagem.
Isso começa com a prova de que é injetiva. Se , então existe uma sequência tal que para todo . Mas isso não é possível dado que o diâmetro de é menor ou igual a na métrica . Isso mostra que .
Vejamos agora que é mensurável. Seja tal que e tome com (esses conjuntos geram a -álgebra canônica em ). Claramente, , de forma que mostramos que é mensurável.
Para mostrar que sua inversa é mensurável, veremos que ela é de fato contínua com respeito à Métrica de Hamming definida em (2.107). Dado , tomamos . Se são tais que em , então para todo , de forma que e pertencem a . A continuidade de segue do fato que o diâmetro de é no máximo (com respeito a e portanto com respeito a ).
Mas atenção, apesar de que parece que provamos o teorema, ainda falta mostrar que é mensurável. Para tanto, afirmamos que
onde
A igualdade acima será mostrada no que segue.
Dado existe tal que . Como para todo , esses conjuntos não são vazios. Logo não pertence à união em (2.113), mostrando o lado () da equalidade. Finalmente, suponha que é tal que para todo , . Tomamos portanto para todo um ponto .
Afirmamos que
o que segue logo do fato que por , cujo -diâmetro é menor que .
Consideramos o limite de em . É fácil de mostrar que (o limite da sequência em ) para todo valor de . É suficiente ver que , para todo , o que implica que é o limite em .
Como consequência podemos concluir que para todo e então que , o que conclui a prova do teorema. ∎