2.9 Núcleos de transição
Já focamos bastante energia em variáveis aleatórias independentes. Por exemplo, estudamos em detalhes o que acontece com a soma de tais variáveis. Agora passaremos a estudar elementos aleatórios dependentes e o primeiro passo para isso é obter um método geral de construí-los.
Definiremos agora um núcleo de transição. Intuitivamente, ele nos dá uma maneira de usar um elemento aleatório em um espaço para induzir uma probabilidade em outro espaço. Um exemplo em que poderíamos utilizar essa construção seria o seguinte.
Digamos que estamos preocupados com a possibilidade de um deslizamento de terra em uma determinada região. A ocorrência desse deslizamento é algo aleatório, mas que certamente depende da quantidade de chuva no período, que também podemos modelar como sendo aleatória.
Após estudarmos alguns trabalhos anteriores, descobrimos uma função que nos dá a probabilidade de um deslizamento ocorrer, como função da quantidade de chuva em milímetros.
Lendo o histórico pluvial da região, podemos estimar a distribuição em correspondente à quantidade de chuva naquele período. A lei (também chamada de ) é uma lei em que nos dá a distribuição da probabilidade de deslizamento, mas como seguimos em frente para obter a probabilidade de deslizamento (um número entre zero e um)? Saberemos como fazer isso ao terminar essa seção.
Sejam e espaços mensuráveis. {definition} Um núcleo de transição entre e é uma função
tal que
-
a)
para todo , é uma probabilidade em e
-
b)
para todo , a função é -mensurável.
Daremos agora o exemplo da probabilidade de deslizamento como função de (que será possivelmente uma variável aleatória). Nesse caso, seja e com as -álgebras naturais e defina
Vamos verificar que definido acima é um núcleo de transição. De fato,
-
i)
é a distribuição Bernoulli com parâmetro , que obviamente é uma probabilidade,
-
ii)
além disso, , e , que obviamente são mensuráveis.
Isso prova que esse específico é um núcleo de transição
[Caso discreto] Sejam e espaços finitos ou enumeráveis. Se é tal que para todo temos , então
Nesse caso representa a probabilidade que a segunda coordenada seja , se a primeira é .
Mostre que se e são enumeráveis então todo núcleo entre e pode ser escrito na forma do exemplo acima.
[Caso absolutamente contínuo] Digamos que e sejam dotados de medidas e -finitas. Seja mensurável e tal que para -quase todo , tenhamos . Então
Note que está bem definido para -quase todo ponto pelo Teorema de Fubini.
Prove que os dois exemplos acima de fato definem um núcleo.
Tipicamente, definimos os núcleos de transição introduzindo como sendo uma medida que depende de . Nesse caso, uma das condições para que seja um núcleo está automaticamente satisfeita, restando apenas mostrar que é mensurável para quaisquer . Mas obviamente o conjunto pode ser muito complexo, então gostaríamos de apenas verificar que é mensurável para os conjuntos em uma classe rica o suficiente.
Seja , tal que é uma medida para todo . Se é mensurável para todo , onde é um -sistema que gera , então é um núcleo de transição.
Demonstração.
Como de costume, vamos definir
Obviamente, como é uma probabilidade, vale que
-
a)
, pois a função constante igual a um é mensurável.
-
b)
Se , então , pois é mensurável se o é.
-
c)
E se são disjuntos, então , pois a soma de funções mensuráveis também é mensurável.
A discussão acima mostra que é um -sistema que contém o -sistema . Daí, vemos pelo Teorema 1.3 que , provando a proposição. ∎
Seja dada por . Mostre que define um núcleo de transição.
Apesar de interessante, a definição acima ainda não nos permitiu definir espaços de probabilidade novos. Isso será possibilitado pelo próximo resultado, que pode ser visto como uma generalização do Teorema de Fubini.
[Fubini para Núcleos de Transição] Dado um núcleo \optde transição de para e uma probabilidade em , existe uma única probabilidade em tal que
para toda . Em particular, . Nesse caso escrevemos .
Antes de iniciar a prova do teorema, vamos ver que as integrais do lado direito de (2.96) estão bem definidas. Para isso, definimos para a função fatiadora dada por . Obviamente essa função é mensurável, pois
Dessa forma, para definirmos , introduzimos dada por , que é mensurável pois .
Assim, gostaríamos de integrar a função , que está obviamente bem definida. Porém resta a pergunta, será que essa expressão define uma função mensurável de ?
Se é um núcleo de transição, então para toda que seja mensurável, temos que dada por
é -mensurável.
Demonstração.
Se para , , então temos que , que obviamente é mensurável pois é um núcleo.
Definimos . É fácil ver que é um -sistema que contém o -sistema dos retângulos, logo .
Acabamos de ver que é mensurável para toda indicadora, donde o mesmo vale para simples por linearidade e para toda positiva pelo Teorema da Convergência Monótona (lembre que limite de funções mensuráveis é mensurável). ∎
Estamos prontos agora para fornecer a
Demonstração do Teorema 2.9.
Já sabemos que a integral do lado direito de (2.96) está bem definida (assumindo possivelmente o valor infinito). A unicidade vale obviamente pois (2.96) aplicado a funções indicadoras temos necessariamente para todos
Só temos que verificar a fórmula acima nos define uma probabilidade em .
De fato,
-
a)
obviamente e
-
b)
se e uma família finita ou enumerável de eventos disjuntos (em ) então a -aditividade de segue das propriedades básicas (linearidade e Teorema de convergência monótona) da integração.
Isto demonstra o teorema. ∎
Considere duas probabilidades em para e dado por . Mostre que é núcleo e que . Relacione esse resultado ao Teorema de Fubini clássico para produtos de medidas.
Considere o núcleo do Exemplo 2.9 e calcule:
-
a)
,
-
b)
, onde e
-
c)
encontre a distribuição de . Interprete o resultado.
Seja como acima e . Calcule
Para , definimos a probabilidade em através da seguinte fórmula . Consideramos também a função dada por , se e .
-
a)
Mostre que é um núcleo de transição.
-
b)
Calcule e , onde e são as projeções canônicas em .
-
c)
Mostre que é absolutamente contínua com respeito à medida de Lebesgue em e calcule sua densidade.
Considere dada por . Mostre que é núcleo de transição e calcule .
Se é um núcleo de transição entre e e satisfaz , mostre que
Ou em outras palavras, nos dá a distribuição condicional de dado .
Posteriormente extenderemos o resultado acima para o caso , mas isso demandará algum esforço.
Vamos introduzir uma última notação com respeito a núcleos de transição. Muitas vezes, não estamos interessados na distribuição conjunta de em , mas apenas na distribuição marginal da segunda coordenada. No nosso problema da chuva por exemplo, talvez poderíamos estar interessados apenas na probabilidade final de ocorrer um deslizamento. Nesse caso, é conveniente escrever
Seja dada pela equação .
-
a)
Prove que é um núcleo de transição.
-
b)
Seja dada por . Obtenha para todo (lembrando que denota a segunda coordenada no espaço produto onde está definida ). Compare a probabilidade acima com .
-
c)
Mostre que .