Tópico: Percolação

Imagine que gostaríamos de modelar o movimento de um líquido em um meio poroso, como uma rocha ou uma esponja. A primeira tarefa nesse estudo seria modelar esse meio poroso de maneira matematicamente rigorosa, que é o que faremos a seguir.

Fixamos uma dimensão d1d\geq 1 e consideramos o seguinte grafo (d,E)(\mathbb{Z}^{d},E), onde a rede quadrada d\mathbb{Z}^{d} é o conjunto de vértices e o conjunto de elos é dado por

E={{x,y}d:|xy|=1},E=\big{\{}\{x,y\}\subset\mathbb{Z}^{d}\,:\,|x-y|=1\},

onde |||\cdot| representa a distância euclideana em d\mathbb{R}^{d}.

No nosso modelo, esse grafo pode ser entendido como um cristal periódico onde cada vértice representa uma cavidade do material poroso e os elos são potenciais conexões entre poros vizinhos.

Até agora nosso grafo é apenas uma rede periódica, mas as coisas começam a ficar interessantes à partir de agora. Imaginamos que nosso material poroso está sujeito a variações durante sua formação. Isso se reflete no fato que alguns elos de EE podem estar abertos ou não aleatoriamente.

Para o nosso modelo, o espaço amostral vai ser Ω:={0,1}E\Omega:=\{0,1\}^{E} considerado com a σ\sigma-algebra produto. Fixamos um p[0,1]p\in[0,1] e definimos uma coleção de variáveis aleatórias ωe\omega_{e}, para eEe\in E, que sejam \iide com distribuição \Ber(p)\Ber(p). Chamamos PpP_{p} a probabilidade correspondente. Essas variáveis aleatórias induzem um grafo aleatório G(ω)=(d,(ω))G(\omega)=(\mathbb{Z}^{d},\mathcal{E}(\omega)), subgrafo do grafo original, que corresponde a incluir apenas os elos ee com ωe=1\omega_{e}=1. Mais precisamente

(ω)={eE:ωe=1}.\mathcal{E}(\omega)=\big{\{}e\in E\,:\,\omega_{e}=1\big{\}}. (2.71)

Podemos ver na Figura 2.2 algumas simulações desse grafo aleatório.

Figura 2.2: Três simulações do grafo aleatório (d,)(\mathbb{Z}^{d},\mathcal{E}), para valores de p=0,4p=0,4 (esquerda), p=0,5p=0,5 (centro) e p=0,6p=0,6 (direita). Tente imaginar como seria caminhar nesse grafo como se ele fosse um labirinto.

Agora que temos um modelo de meio poroso bem definido, precisamos pensar em quais perguntas nos interessam sobre 𝒢=(d,)\mathcal{G}=(\mathbb{Z}^{d},\mathcal{E}). Sendo esse um modelo para passagem de fluidos, as primeiras perguntas que faremos concerne a conectividade de 𝒢\mathcal{G}.

{exercise}

Mostre que quase certamente G(ω)G(\omega) é desconexo. Mais precisamente, mostre que existem quase certamente infinitos vértices isolados em G(ω)G(\omega).

Como não podemos esperar que G(ω)G(\omega) seja conexo, podemos nos perguntar algo mais fraco, como por exemplo se a componente conexa da origem 0d0\in\mathbb{Z}^{d} em G(ω)G(\omega) é infinita.

Voltando à Figura 2.2 vemos que, dependendo do valor de p[0,1]p\in[0,1], pode ser bem difícil ou bem fácil encontrar um caminho longo à partir da origem. Isso é o que estudaremos em mais detalhes no que segue.

Mais precisamente estamos interessados em:

A={ωΩ: a componente conexa de 0d em G(ω) é infinita}.A=\big{\{}\omega\in\Omega\,:\,\text{ a componente conexa de $0\in\mathbb{Z}^{d% }$ em $G(\omega)$ \'{e} infinita}\big{\}}. (2.72)

Para estudar AA, vamos fazer uma aproximação de AA por eventos mais simples

An={ωΩ: a componente conexa de 0 sai da caixa [n,n]d},A_{n}=\big{\{}\omega\in\Omega\,:\,\text{ a componente conexa de $0$ sai da % caixa $[-n,n]^{d}$}\}, (2.73)

para n1n\geq 1.

{exercise}

Mostre que A=n=1nAnA=\cap_{n=1}^{n}A_{n} e consequentemente que AA é de fato mensurável e P(A)=limnP(An)P(A)=\lim_{n\to\infty}P(A_{n}).

Definimos portanto a função θ:[0,1][0,1]\theta:[0,1]\to[0,1] por

θ(p)=Pp(A),\theta(p)=P_{p}(A), (2.74)

onde PpP_{p} denota a probabilidade correspondente ao valor escolhido de p[0,1]p\in[0,1].

{exercise}

Mostre que θ(p)1(1p)2d\theta(p)\leq 1-(1-p)^{2d}.

Nosso objetivo é entender algumas das propriedades de θ\theta. A nossa intuição diz que quanto maior o valor de pp, mais elos serão abertos em 𝒢\mathcal{G} e portanto maior será o valor de θ\theta, ou em outras palavras, θ\theta deve ser monótona não decrescente.

{exercise}

Construiremos nosso modelo de uma maneira alternativa num espaço de probabilidade maior. Definimos Ω0:=[0,1]E\Omega_{0}:=[0,1]^{E} (com a σ\sigma-álgebra produto correspondente), e (Ue)eE(U_{e})_{e\in E} uma coleção de variáveis aleatórias \iidcom distribuição U[0,1]U[0,1], e \mathbb{P} a probabilidade corespondente. Definimos para cada p[0,1]p\in[0,1], Xp:Ω0ΩX^{p}:\Omega_{0}\to\Omega do jeito seguinte

Xep=\1[ωep].X^{p}_{e}=\1_{[\omega_{e}\leq p]}. (2.75)

Mostre que para todo p[0,1]p\in[0,1] (Xp)=Pp(X^{p})_{*}\mathbb{P}=P_{p}. Use isso para concluir que θ\theta é monótona não decrescente.

Iremos agora mostrar a existência de um regime para o qual a componente conexa da origem não é infinita.

{theorem}

Para p<1/(2d)p<1/(2d), temos que θ(p)=0\theta(p)=0.

Antes da prova, alguns exercícios.

{exercise}

Definimos um caminho como sendo uma sequência x1x_{1}, \dots, xkx_{k} (kk\in\mathbb{N}), tal que {xi,xi+1}E\{x_{i},x_{i+1}\}\in E para todo i=1,,k1i=1,\dots,k-1. Tal caminho é dito aberto se ω{xi,xi+1}=1\omega_{\{x_{i},x_{i+1}\}}=1 para todo ik1i\leq k-1. E dizemos que ele é auto-evitante se xixjx_{i}\neq x_{j} para todo 1i<j<k1\leq i<j<k. Mostre que

An={ωΩ: existe um caminho aberto (xi)i=1k com x1=0 e xk[n,n]d}An={ωΩ: existe um caminho auto-evitante como acima}.\begin{split}&A_{n}=\Big{\{}\omega\in\Omega\,:\,\text{ existe um caminho % aberto $(x_{i})_{i=1}^{k}$ com $x_{1}=0$ e $x_{k}\not\in[-n,n]^{d}$}\Big{\}}\\ &A_{n}=\big{\{}\omega\in\Omega\,:\,\text{ existe um caminho auto-evitante como% acima}\big{\}}.\end{split}
Demonstração.

Dado p<1/(2d)p<1/(2d) e nn\in\mathbb{N}, lembramos que

θ(p)Pp(An)=Pp[existe k e um caminho auto-evitante (xi)i=1k aberto e com x1=0 e xk[n,n]d]kn(xi)i=1k auto-evit.Pp[(xi)i=1k aberto]=kn(xi)i=1k auto-evit.pkkn(xi)i=1k caminhoPp[(xi)i=1k aberto]=kn(2d)kpk.\begin{split}\theta(p)&\leq P_{p}(A_{n})=P_{p}\Big{[}\begin{array}[]{c}\text{% existe $k\in\mathbb{N}$ e um caminho auto-evitante $(x_{i})_{i=1}^{k}$ }\\ \text{aberto e com $x_{1}=0$ e $x_{k}\not\in[-n,n]^{d}$}\end{array}\Big{]}\\[5% .69054pt] &\leq\sum_{k\geq n}\;\;\sum_{(x_{i})_{i=1}^{k}\text{ auto-evit.}}P_{p}[(x_{i})% _{i=1}^{k}\text{ aberto}]=\sum_{k\geq n}\;\;\sum_{(x_{i})_{i=1}^{k}\text{ auto% -evit.}}p^{k}\\ &\leq\sum_{k\geq n}\;\;\sum_{(x_{i})_{i=1}^{k}\text{ caminho}}P_{p}[(x_{i})_{i% =1}^{k}\text{ aberto}]=\sum_{k\geq n}(2d)^{k}p^{k}.\end{split}

Como p<1/(2d)p<1/(2d), a soma acima é finita e converge a zero quando nn diverge, provando o teorema. ∎

Notas - O teorema acima ajuda a compreender o comportamento que observamos no lado esquerdo da Figura 2.2. Mais precisamente, ele nos diz que para valores de pp baixos (na verdade 0,40,4 não é baixo o suficiente para podermos aplicar esse teorema) é difícil encontrar um caminho aberto do centro à borda da caixa.

Na verdade, é possível mostrar que para d=2d=2,

θ(p)=0 para todo p1/2 eθ(p)>0 para todo p>1/2,\begin{split}&\text{$\theta(p)=0$ para todo $p\leq 1/2$ e}\\ &\text{$\theta(p)>0$ para todo $p>1/2$,}\end{split} (2.76)

como foi mostrado por Harris e Kesten, veja por exemplo [2] e [1]. De fato, algo bastante interessante está acontecendo nesse modelo para p=1/2p=1/2, como nos mostrou o trabalho de grandes matemáticos, como: Oded Schramm, Wendelin Werner, Stanislav Smirnov, entre outros.

\todosec

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