2.4 Composição, contradomínio e imagem

Suponha que se queira obter o valor de sen(π2)\operatorname{sen}(\pi^{2}) com uma calculadora. Como uma calculadora possui em geral as duas funções ()2(\cdot)^{2} e sen()\operatorname{sen}(\cdot), calculemos primeiro o quadrado de π\pi, e em seguida tomemos o seno do resultado:

π=3.1415()2π2=9,8696sen()sen(π2)=0.4303\pi=3.1415...\stackrel{{\scriptstyle(\cdot)^{2}}}{{\longmapsto}}\pi^{2}=9,8696% ...\stackrel{{\scriptstyle\operatorname{sen}(\cdot)}}{{\longmapsto}}% \operatorname{sen}(\pi^{2})=-0.4303...

O que foi feito foi compor duas funções.

Sejam ff e gg duas funções reais. Definemos a composição de ff com gg como a nova função fgf\circ g definida por

(fg)(x):=f(g(x)).\boxed{(f\circ g)(x){:=}f(g(x))\,.}

Isto significa que para calcular x(fg)(x))x\mapsto(f\circ g)(x)), calculamos primeiro g(x)g(x),

xg(x),x\mapsto g(x)\,,

e em seguida aplicamos ff:

xg(x)f(g(x)).x\mapsto g(x)\mapsto f(g(x))\,.
Exercício 2.21.

Sejam f(x)=x2f(x)=x^{2}, g(x)=1x+1g(x)=\frac{1}{x+1}, h(x)=x+1h(x)=x+1. Calcule

(fg)(0),(gf)(0),(fg)(1),(gf)(1),f(g(h(1))),h(f(g(3))).(f\circ g)(0)\,,(g\circ f)(0)\,,(f\circ g)(1)\,,(g\circ f)(1)\,,f(g(h(-1)))\,,% h(f(g(3)))\,.

Como foi observado no exercício anterior, fgf\circ g é em geral diferente de gfg\circ f.

Às vezes será necessário considerar uma função complicada como sendo uma composta de funções mais elementares:

Exemplo 2.20.

A função x1+x2x\mapsto\sqrt{1+x^{2}} pode ser vista como a composta

x1+x21+x2,x\mapsto 1+x^{2}\mapsto\sqrt{1+x^{2}}\,,

que significa que 1+x2=f(g(x))\sqrt{1+x^{2}}=f(g(x)), com g(x)=1+x2g(x)=1+x^{2} e f(x)=xf(x)=\sqrt{x}. Observe que podia também escrever

xx21+x21+x2,x\mapsto x^{2}\mapsto 1+x^{2}\mapsto\sqrt{1+x^{2}}\,,

que dá a decomposição 1+x2=f(g(h(x)))\sqrt{1+x^{2}}=f(g(h(x))), onde h(x)=x2h(x)=x^{2}, g(x)=x+1g(x)=x+1, f(x)=xf(x)=\sqrt{x}.

Exercício 2.22.

Para cada função ff a seguir, dê uma decomposição de ff como composição de funções mais simples.

  1. 1.

    sen(2x)\operatorname{sen}(2x)

  2. 2.

    1senx\frac{1}{\operatorname{sen}x}

  3. 3.

    sen(1x)\operatorname{sen}(\tfrac{1}{x})

  4. 4.

    1tan(x)\sqrt{\frac{1}{\tan(x)}}

Exercício 2.23.

Considere

f(x):={x+3 se x0,x2 se x<0,g(x):={2x+1 se x3,x se x<3.f(x){:=}\begin{cases}x+3&\text{ se }x\geq 0\,,\\ x^{2}&\text{ se }x<0\,,\end{cases}\quad\quad g(x){:=}\begin{cases}2x+1&\text{ % se }x\geq 3\,,\\ x&\text{ se }x<3\,.\end{cases}

Calcule fgf\circ g e gfg\circ f.

Lembramos que uma função é sempre definida junto com o seu domínio:

f:D\displaystyle f:D \displaystyle\to\mathbb{R}
x\displaystyle x f(x).\displaystyle\mapsto f(x)\,.

Em “f:Df:D\to\mathbb{R}”, o “\mathbb{R}” foi colocado para indicar que qualquer que seja xx, f(x)f(x) é sempre um número real. Em outras palavas: a imagem de qualquer xDx\in D por ff é um número real. Vejamos em alguns exemplos que esse conjunto “\mathbb{R}” pode ser mudado por um conjunto que represente melhor a função.

Exemplo 2.21.

Considere

f:\displaystyle f:\mathbb{R} \displaystyle\to\mathbb{R}
x\displaystyle x x2.\displaystyle\mapsto x^{2}\,.

Como x20x^{2}\geq 0 qualquer que seja xx\in\mathbb{R}, vemos que a imagem de qualquer xx\in\mathbb{R} por ff é positiva. Logo, podemos rescrever a função da seguinte maneira:

f:\displaystyle f:\mathbb{R} [0,)\displaystyle\to[0,\infty)
x\displaystyle x x2.\displaystyle\mapsto x^{2}\,.

Quando uma função for escrita na forma

f:D\displaystyle f:D C\displaystyle\to C
x\displaystyle x f(x),\displaystyle\mapsto f(x)\,,

para indicar que qualquer xx em DD tem a sua imagem em CC, diremos que um contradomínio foi escolhido para ff. Em geral, não existe uma escolha única para o contradomínio.

Exemplo 2.22.

Como, xsenxx\mapsto\operatorname{sen}x é uma função limitada, podemos escrever

sen:\displaystyle\operatorname{sen}:\mathbb{R} [10,+10]\displaystyle\to[-10,+10] (2.2)
x\displaystyle x senx.\displaystyle\mapsto\operatorname{sen}x\,.

Mas podemos também escolher um contradomínio menor:

sen:\displaystyle\operatorname{sen}:\mathbb{R} [1,+1]\displaystyle\to[-1,+1] (2.3)
x\displaystyle x senx.\displaystyle\mapsto\operatorname{sen}x\,.

Acontece que [1,+1][-1,+1] é o menor contradomínio possível (ver abaixo).

Seja f:DCf:D\to C. Para cada xDx\in D, lembremos que f(x)Cf(x)\in C é chamado de imagem de xx, e o conjunto imagem de ff é definido como

Im(f):={f(x):xD}.\boxed{\operatorname{Im}(f){:=}\{f(x):x\in D\}\,.}

Por definição, Im(f)C\operatorname{Im}(f)\subset C é um contradomínio, e é também o menor possível. Para cada yIm(f)y\in\operatorname{Im}(f), existe pelo menos um xDx\in D tal que f(x)=yf(x)=y, cada xx com essa propriedade é chamado de preimagem de yy. Cada ponto xDx\in D possui uma única imagem em CC, um yCy\in C pode possuir uma preimagem, mais de uma preimagem, ou nenhuma preimagem.

Exemplo 2.23.

Considere a função seno na reta. Ao xx percorrer a reta real, senx\operatorname{sen}x atinge todos os pontos do intervalo [1,1][-1,1]. Logo, Im(sen)=[1,1]\operatorname{Im}(\operatorname{sen})=[-1,1]. Qualquer y[1,1]y\in[-1,1] possui infinitas preimagens, por exemplo, todos os pontos de {kπ,k}\{k\pi,k\in\mathbb{Z}\} são preimagens de y=0y=0. O ponto y=2y=2, por sua vez, não possui nenhuma preimagem (não existe xx\in\mathbb{R} tal que senx=2\operatorname{sen}x=2).

Exercício 2.24.

Calcule o conjunto imagem das seguintes funções:

  1. 1.

    2x+1-2x+1, D=D=\mathbb{R}

  2. 2.

    2x+1-2x+1, D=[1,1]D=[-1,1]

  3. 3.

    xpx^{p} (pp ímpar)

  4. 4.

    xpx^{p} (pp par)

  5. 5.

    1x\tfrac{1}{x}, D={0}D=\mathbb{R}\setminus\{0\}

  6. 6.

    1x\tfrac{1}{x}, D=(0,)D=(0,\infty)

  7. 7.

    x2+1x^{2}+1, D=D=\mathbb{R}

  8. 8.

    1x21-x^{2}, D=D=\mathbb{R}

  9. 9.

    x2+2xx^{2}+2x, D=(,0)D=(-\infty,0)

  10. 10.

    tanx\tan x,

  11. 11.

    senx\operatorname{sen}x, D=[π2,π2]D=[-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2}]

  12. 12.

    cosx\cos x, D=(π2,π2)D=(-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2})

  13. 13.

    13senx\tfrac{1}{3}\operatorname{sen}x, D=D=\mathbb{R}

  14. 14.

    sen(π4senx)\operatorname{sen}(\tfrac{\pi}{4}\operatorname{sen}x), D=D=\mathbb{R}

  15. 15.

    1x2+1\frac{1}{x^{2}+1}, D=D=\mathbb{R}

  16. 16.

    {x+1 se x012(x1) se x<0\begin{cases}x+1&\text{ se }x\geq 0\\ \tfrac{1}{2}(x-1)&\text{ se }x<0\end{cases}

Faça a mesma coisa com as funções do Exercício (2.4).

Exercício 2.25.

Se f(x)=2xx2+25f(x)=\frac{2x}{x^{2}+25}, calcule Im(f)\operatorname{Im}(f). Para cada yIm(f)y\in\operatorname{Im}(f), determine se yy possui uma única preimagem ou mais.

2.4.1 Bijeção, função inversa

Diremos que uma função f:DCf:D\to C é bijetiva (ou simplesmente: ff é uma bijeção) se

  1. 1.

    Im(f)=C\operatorname{Im}(f)=C (isto é, se ff atinge cada ponto do seu contradomínio), e se

  2. 2.

    qualquer yCy\in C possui uma única preimagem, i.e. existe um único xDx\in D tal que

    f(x)=y.f(x)=y\,. (2.4)

Quando uma função é bijetiva, é possivel definir a sua função inversa, f1:CDf^{-1}:C\to D, onde para todo yCy\in C, f1(y)f^{-1}(y) é definido como a única solução xx de (2.4). A função inversa tem as seguintes propriedades:

xD,(f1f)(x)=x, e yC,(ff1)(y)=y.\boxed{\forall x\in D,\,(f^{-1}\circ f)(x)=x\,,\quad\text{ e }\forall y\in C,% \,(f\circ f^{-1})(y)=y\,.}
Exemplo 2.24.

Considere a função do Exemplo 2.8: f(x)=x2+1f(x)=\tfrac{x}{2}+1 com D=[0,2)D=[0,2). Então Im(f)=[1,2)\operatorname{Im}(f)=[1,2), e f:[0,2)[1,2)f:[0,2)\to[1,2) é uma bijeção:

Como y=x2+1y=\tfrac{x}{2}+1, a função inversa obtém-se isolando xx: x=2(y1)x=2(y-1). Logo, f1:[1,2)[0,2)f^{-1}:[1,2)\to[0,2), f1(y)=2(y1)f^{-1}(y)=2(y-1). Para esboçar o gráfico da função inversa no plano cartesiano, é mais natural renomear a variável usada para representar f1f^{-1}, da seguinte maneira:

f1:[1,2)\displaystyle f^{-1}:[1,2) [0,2)\displaystyle\to[0,2)
x\displaystyle x 2(x1).\displaystyle\mapsto 2(x-1)\,.

Podemos agora esbocar f1f^{-1}:

É importante observar que o gráfico da função inversa obtém-se a partir do gráfico de ff por uma simetria através da diagonal do primeiro quadrante:

Vimos no último exemplo que o gráfico de f1f^{-1} é obtido a partir do gráfico de ff por uma simetria através da diagonal do primeiro quadrante. Isso vale em geral. De fato, se um ponto (x,y=f(x))(x,y=f(x)) pertence ao gráfico de ff, então (y,x=f1(y))(y,x=f^{-1}(y)) pertence ao gráfico de f1f^{-1}.

Exemplo 2.25.

Considere f(x)=1x2f(x)=1-x^{2}.

1) Com D=[1,1]D=[-1,1], temos Im(f)=[0,1]\operatorname{Im}(f)=[0,1]. Mas como 1(x)2=1x21-(-x)^{2}=1-x^{2}, cada ponto do contradomínio (diferente de zero) possui exatamente duas preimagens, logo f:[1,1][0,1]f:[-1,1]\to[0,1] não é bijetiva. 2) Mas, ao restringir o domínio, D=[0,1]D=[0,1], então f:[0,1][0,1]f:[0,1]\to[0,1], ff se torna bijetiva. O seu inverso se acha resolvendo y=1x2y=1-x^{2}: x=1yx=\sqrt{1-y}. Assim, a sua função inversa é dada por f1:[0,1][0,1]f^{-1}:[0,1]\to[0,1], f1(y)=1yf^{-1}(y)=\sqrt{1-y}.

Exercício 2.26.

Mostre que a função

f:(1,0)\displaystyle f:(-1,0) (0,1)\displaystyle\to(0,1)
x\displaystyle x 1x2\displaystyle\mapsto\sqrt{1-x^{2}}

é bijetiva, e calcule f1f^{-1}. Esboce o gráfico de f1f^{-1}.

Exercício 2.27.

Considere f:(1,)f:(-1,\infty)\to\mathbb{R}, f(x)=1x+1f(x)=\frac{1}{x+1}. A partir do gráfico de ff, dê o seu conjunto imagem, e mostre que f:(1,)Im(f)f:(-1,\infty)\to\operatorname{Im}(f) é uma bijeção. Em seguida, dê a sua função inversa.

Exercício 2.28.

Seja f:f:\mathbb{R}\to\mathbb{R} uma bijeção ímpar. Mostre que a sua função inversa f1:f^{-1}:\mathbb{R}\to\mathbb{R} é ímpar também.

Exercício 2.29.

Para cada um dos contradomínios CC a seguir, dê um exemplo explícito de bijeção f:(0,1)Cf:(0,1)\to C.

  1. 1.

    (0,b)(0,b), onde b>0b>0.

  2. 2.

    (a,b)(a,b), onde a<ba<b.

  3. 3.

    (0,)(0,\infty)

  4. 4.

    (,)(-\infty,\infty)

  5. 5.

    (0,1)(0,1)

Exercício 2.30.

Sejam f(x)f(x) e g(x)g(x), xx\in\mathbb{R}, definidas por

f(x):=x+(xx)2,g(x):=x+xx.f(x){:=}\lfloor x\rfloor+(x-\lfloor x\rfloor)^{2}\,,\quad g(x){:=}\lfloor x% \rfloor+\sqrt{x-\lfloor x\rfloor}\,.

Mostre que g=f1g=f^{-1}.

2.4.2 Inversos das potências

Vimos que se pp é par, então a função f(x)=xpf(x)=x^{p} é par, e Im(f)=[0,)\operatorname{Im}(f)=[0,\infty) ou (0,)(0,\infty) (dependendo de pp ser >0>0 ou <0<0). Logo, para serem invertidas, o domínio delas precisa ser restringido. Escolheremos (para pp par)

f:[0,)\displaystyle f:[0,\infty) [0,)\displaystyle\to[0,\infty)
x\displaystyle x xp.\displaystyle\mapsto x^{p}\,.

Vemos que com essa restrição, ff se torna bijetiva: para cada y[0,)y\in[0,\infty) existe um único x[0,)x\in[0,\infty) tal que xp=yx^{p}=y. Esse xx costuma ser denotado por x=y1/px=y^{1/p}:

f1:[0,)\displaystyle f^{-1}:[0,\infty) [0,)\displaystyle\to[0,\infty)
y\displaystyle y y1/p.\displaystyle\mapsto y^{1/p}\,.

No caso p=2p=2, y1/2=yy^{1/2}=\sqrt{y} é a função raiz quadrada.

Se p>0p>0 for ímpar, Im(f)=\operatorname{Im}(f)=\mathbb{R} e não é preciso restringir o seu domínio:

f:\displaystyle f:\mathbb{R} \displaystyle\to\mathbb{R}
x\displaystyle x xp\displaystyle\mapsto x^{p}

é bijetiva, e o seu inverso tem o seguinte gráfico:

Exercício 2.31.

Complete essa discussão, incluindo os valores negativos de pp.

Exercício 2.32.

Resolva:

  1. 1.

    x>x+2x>\sqrt{x+2}

  2. 2.

    (x1)21x(x-1)^{2}\leq\sqrt{1-x}

  3. 3.

    x2x+6=(x+1)\sqrt{-x^{2}-x+6}=-(x+1)

2.4.3 Funções trigonométricas inversas

Vimos que para a função sen:[1,1]\operatorname{sen}:\mathbb{R}\to[-1,1], um y[1,1]y\in[-1,1] possui infinitas preimagens, logo não é bijeção. Portanto, para inverter a função seno, é necessário restringir o seu domínio. A restringiremos ao intervalo [π2,π2][-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2}]:

De fato, com essa restrição,

sen:[π2,π2]\displaystyle\operatorname{sen}:[-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2}] [1,1]\displaystyle\to[-1,1]
x\displaystyle x senx\displaystyle\mapsto\operatorname{sen}x

é uma bijeção, pois cada y[1,1]y\in[-1,1] é atingido e possui uma única preimagem. A função inversa é chamada arcseno, e denotada

arcsen:[1,1]\displaystyle\operatorname{arcsen}:[-1,1] [π2,π2]\displaystyle\to[-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2}]
y\displaystyle y arcseny.\displaystyle\mapsto\operatorname{arcsen}y\,.

Pela sua definição, ela satisfaz:

y[1,1]:sen(arcseny)=y, e x[π2,π2]:arcsen(senx)=x.\boxed{\forall y\in[-1,1]:\,\operatorname{sen}(\operatorname{arcsen}y)=y\,\,,% \quad\text{ e }\quad\forall x\in[-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2}]:\,% \operatorname{arcsen}(\operatorname{sen}x)=x\,\,.} (2.5)

O gráfico de arcsen\operatorname{arcsen} pode ser obtido por uma reflexão do gráfico de sen\operatorname{sen} pela diagonal do primeiro quadrante:

Observação 2.2.

(Já fizemos esse comentário no Exemplo 2.24.) Como arcsen\operatorname{arcsen} é definida como a função inversa de xsenxx\mapsto\operatorname{sen}x (no intervalo [π2,π2][-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2}]), o mais correto é escrevê-la yarcsenyy\mapsto\operatorname{arcsen}y. Mas para esboçar o seu gráfico, faz mais sentido usar a notação habitual, em que o eixo das abscissas é chamado de “xx”. Por isso, esse último gráfico representa o gráfico da função arcsen\operatorname{arcsen}, mas chamando a sua variável xx (em vez de yy): xarcsenxx\mapsto\operatorname{arcsen}x. Faremos a mesma modificação nos próximos gráficos.

Exercício 2.33.

Seja y(0,π2)y\in(0,\tfrac{\pi}{2}) tal que y=arcsen35y=\operatorname{arcsen}\tfrac{3}{5}. Calcule seny\operatorname{sen}y, cosy\cos y, e tany\tan y.

O cosseno pode ser invertido também, uma vez que o seu domínio é bem escolhido:

cos:[0,π]\displaystyle\cos:[0,\pi] [1,1]\displaystyle\to[-1,1]
x\displaystyle x cosx\displaystyle\mapsto\cos x

A função inversa é chamada arcosseno, e denotada

arcos:[1,1]\displaystyle\operatorname{arcos}:[-1,1] [0,π]\displaystyle\to[0,\pi]
y\displaystyle y arcosy.\displaystyle\mapsto\operatorname{arcos}y\,.

Ela possui as propriedades:

y[1,1]:cos(arcosy)=y, e x[0,π]:arcos(cosx)=x.\boxed{\forall y\in[-1,1]:\,\cos(\operatorname{arcos}y)=y\,\,,\quad\text{ e }% \quad\forall x\in[0,\pi]:\,\operatorname{arcos}(\cos x)=x\,\,.} (2.6)

O gráfico de arcos\operatorname{arcos} pode ser obtido por uma reflexão pela diagonal do primeiro quadrante:

Para inverter a tangente, faremos a restrição

tan:(π2,π2)\displaystyle\tan:(-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2}) \displaystyle\to\mathbb{R}
x\displaystyle x tanx,\displaystyle\mapsto\tan x\,,

obtendo assim uma bijeção.

A função inversa é chamada de arctangente:

arctan:\displaystyle\arctan:\mathbb{R} (π2,π2)\displaystyle\to(-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2})
y\displaystyle y arctany.\displaystyle\mapsto\arctan y\,.

Como antes,

x(π2,π2):arctan(tanx)=x, e y:tan(arctany)=y.\boxed{\forall x\in(-\tfrac{\pi}{2},\tfrac{\pi}{2}):\,\arctan(\tan x)=x\,\,,% \quad\text{ e }\quad\forall y\in\mathbb{R}:\,\tan(\arctan y)=y\,\,.} (2.7)

O seu gráfico possui duas assíntotas horizontais: quando xx é positivo e grande, o gráfico de arctanx\arctan x se aproxima da reta de equação y=π2y=\tfrac{\pi}{2}, e quando xx é negativo e grande, ele se aproxima da reta de equação y=π2y=-\tfrac{\pi}{2}:

Observemos também que arctan\arctan é uma função ímpar, limitada por π2\tfrac{\pi}{2}.

Observação 2.3.

É importante notar que as três funções trigonométricas inversas, arcsen\operatorname{arcsen} arcos\operatorname{arcos} e arctan\arctan, foram definidas a partir de uma escolha de uma restrição para cada uma das funções sen\operatorname{sen}, cos\cos e tan\tan. Essa escolha pode parecer arbitrária, mas é a mais comum usada nos livros de matemática. Continuaremos usando as funções inversas assim definidas, até o fim do curso.

Exercício 2.34.

Determine os domínios das seguintes funções.

  1. 1.

    arcosxarcsenx\operatorname{arcos}x-\operatorname{arcsen}x

  2. 2.

    arcos(2x)\operatorname{arcos}(2x)

  3. 3.

    tan(arcsenx)\tan(\operatorname{arcsen}x)

  4. 4.

    arcos(2x21+x2)\operatorname{arcos}(\tfrac{2-x^{2}}{1+x^{2}})

Exercício 2.35.

Uma tela de cinema de 55 metros de altura está pregada numa parede, 33 metros acima do chão. a) Se PP é um ponto no chão a distância xx da parede, calcule o ângulo θ\theta sob o qual PP vê a tela, em função de xx. b) Mesma coisa se PP é a 22 metros do chão. (Obs: no Exercício 7.15 calcularemos onde colocar o ponto PP de modo tal que o ângulo seja máximo.)

Exercício 2.36.

Resolva:

  1. 1.

    3arcsenx=π23\operatorname{arcsen}x=\tfrac{\pi}{2}

  2. 2.

    arctan(x1)=π3\arctan(x-1)=\tfrac{\pi}{3}

  3. 3.

    2sen(arcsenx)=132\operatorname{sen}(\operatorname{arcsen}x)=\tfrac{1}{3}

  4. 4.

    arctan(tan(x2))=π9\arctan(\tan(x^{2}))=\tfrac{\pi}{9}

As funções trigonométricas inversas têm identidades associadas. Somente consideraremos algumas:

Exemplo 2.26.

Provemos, por exemplo, a identidade

cos(arcsenx)=1x2,x[1,1].\cos(\operatorname{arcsen}x)=\sqrt{1-x^{2}}\,,\quad\forall x\in[-1,1]\,. (2.8)

Primeiro, como sen2α+cos2α=1\operatorname{sen}^{2}\alpha+\cos^{2}\alpha=1, temos, usando (2.6),

cos2(arcsenx)=1sen2(arcsenx)=1x2.\cos^{2}(\operatorname{arcsen}x)=1-\operatorname{sen}^{2}(\operatorname{arcsen% }x)=1-x^{2}\,.

Mas como π2arcsenxπ2-\tfrac{\pi}{2}\leq\operatorname{arcsen}x\leq\tfrac{\pi}{2}, vale cos(arcsenx)[0,1]\cos(\operatorname{arcsen}x)\in[0,1], logo, tomando a raiz quadrada dá a idendidade desejada. Um outro jeito de entender a identidade é de escrevê-la como cos(arcsenx)=cosα\cos(\operatorname{arcsen}x)=\cos\alpha, onde α=arcsenx\alpha=\operatorname{arcsen}x. Logo, senα=x\operatorname{sen}\alpha=x, o que pode ser representado num triângulo:

Nesse triângulo vemos que cosα=1x21=1x2\cos\alpha=\tfrac{\sqrt{1-x^{2}}}{1}=\sqrt{1-x^{2}}.

Exercício 2.37.

Simplifique:

  1. 1.

    cos(2arcosx)\cos(2\operatorname{arcos}x)

  2. 2.

    cos(2arcsinx)\cos(2\arcsin x)

  3. 3.

    sen(2arcosx)\operatorname{sen}(2\operatorname{arcos}x)

  4. 4.

    cos(2arctanx)\cos(2\arctan x)

  5. 5.

    sen(2arctanx)\operatorname{sen}(2\arctan x)

  6. 6.

    tan(2arcsenx)\tan(2\operatorname{arcsen}x)

Exercício 2.38.

Mostre que para todo x[1,1]x\in[-1,1],

arcsenx+arcosx=π2.\operatorname{arcsen}x+\operatorname{arcos}x=\tfrac{\pi}{2}\,.