2.2 Gráfico
Um dos nossos objetivos é de entender, pelo menos de maneira
qualitativa, a dependência de uma função em relação à sua
variável . Uma jeito de
proceder é representar a função no plano cartesiano, via o seu
gráfico. O gráfico permite extrair
a informação essencial contida na função, de maneira intuitiva, pois
geométrica.
Seja uma função com domínio . Esboçar o gráfico de consiste em traçar todos os pontos do plano cartesiano da forma , onde . Por exemplo, se tem um domínio ,
Ao percorrer o seu domínio , o ponto traça o gráfico de .
Exemplo 2.8.
Retas não-verticais são gráficos de um tipo particular. Por exemplo, se é considerada com o domínio , o seu gráfico é um pedaço da reta de inclinação com ordenada na origem igual a :
Observe que uma reta vertical não define o gráfico de uma função.
Exemplo 2.9.
Façamos o esboço da função , com domínio . Lembre que pela definição de valor absoluto em (1.11), se , e se . Portanto, o gráfico de é: 1) entre e , a reta de inclinação passando pela origem, 2) entre e , a reta de inclinação passando pela origem:
Os dois gráficos acima eram compostos essencialmente de retas. Vejamos agora um exemplo um pouco diferente.
Exemplo 2.10.
Considere com . Como esboçar o gráfico? Por exemplo, os pontos , , e pertecem ao gráfico. Traçando o gráfico completo:
A curva obtida, chamada parábola, será usada inúmeras vezes nesse curso.
Observação 2.1.
Um dos objetivos desse curso é de poder entender as principais propriedades de uma função pelo estudo do seu gráfico. A noção de derivada (ver Capítulo 6) será de importância central nesse desenvolvimento.
No entanto, o gráfico da função acima foi feito com um computador. Primeiro, o computador escolhe pontos entre e , digamos , e calcula as posições . Em seguida, ele traça a linha poligonal formada pelos segmentos ligando a . Esse procedimento é chamado interpolação. Por exemplo, escolhendo , ou pontos no intervalo :
Quando o número de pontos escolhidos é grande e é pequeno, a linha poligonal dá uma idéia do que deve ser o verdadeiro esboço (o gráfico do Exemplo 2.10 foi feito com , e já não dá mais para perceber que a curva é na verdade uma linha poligonal). O mesmo método permite (em princípio, tomando às vezes um certo cuidado) usar o computador para esboçar o gráfico de qualquer função . Todos os gráficos dessa apostila foram feitos com esse método de interpolação. Enfatizemos que as ferramentas matemáticas desenvolvidas mais longe no curso permitirão extrair informações a respeito do gráfico de uma função dada, sem usar o computador. Isso será o objetivo do estudo de funções. Lá, o computador poderá ser usado somente como meio de verificação.
Um problema inverso é de procurar uma função cujo esboço tenha características específicas.
Exemplo 2.11.
Procuremos agora a função cujo gráfico é a metade superior do círculo de raio centrado na origem:
Lembre (Seção 1.2.2) que o círculo completo de raio centrado na origem, , é formado pelos pontos tais que . A função procurada será obtida isolando nessa última relação. Para ter soluções (aqui, é a incógnita), é preciso impor que , o que implica . Assim, o domínio da função procurada é (como podia se adivinhar olhando para a figura acima). Assim, quando , a equação acima possui duas soluções e . Para selecionar o semi-círculo superior, escolhamos a solução positiva. Portanto, a função cujo gráfico é dado pelo semi-círculo acima é:
Exemplo 2.12.
Como a função “valor absoluto”, funções podem ser definidas por trechos. Por exemplo, com , o gráfico da função
é formado pela reta de inclinação que passa pela origem entre e , e pela parte do semi-círculo de raio centrado na origem entre e :
Observe que essa função possui uma descontinuidade em : ao variar entre pequenos valores e pequenos valores , pula de valores perto de zero para valores perto de .
Exercício 2.3.
Dê uma função (e o seu domínio) cujo gráfico seja:
-
1.
a reta horizontal que passa pelo ponto
-
2.
a parte inferior do círculo de raio centrado em
-
3.
a parte do círculo de raio centrado na origem que fica estritamente acima da reta de equação
-
4.
a parte do círculo de raio centrado na origem contida no quarto quadrante
Exercício 2.4.
Esboce os gráficos das seguintes funções (todas com ):
-
1.
se , caso contrário,
-
2.
,
-
3.
,
-
4.
,
-
5.
.
Exercício 2.5.
Determine quais curvas abaixo são (ou não são) gráficos de funções. Quando for um gráfico, dê a função associada.
2.2.1 Potências inteiras:
Já esboçamos o gráfico da função no Exemplo 2.10. Vejamos agora o caso mais geral de uma potência , onde (excluiremos o caso , que corresponde a ).
Potências positivas
Para potências positivas inteiras, , temos ( vezes), logo o domínio de é sempre . Quando é positiva e par, isto é, , então para todo , e os gráficos são da forma:
Observe que todos os gráficos passam pela origem e pelos pontos
e , e que as funções correspondentes não são
limitadas superiormente: tomam
valores arbitrariamente grandes longe da
origem (no entanto, todas são limitadas inferiormente por ).
Vemos
também que quanto maior o , mais rápido cresce quando
cresce.
Quando a potência é positiva e ímpar, isto é, , então há uma mudança de sinal: para , para . Os gráficos são da forma:
Observe que nenhuma dessas funções é limitada em , nem inferiormente nem superiormente.
Potências negativas
A potência negativa já foi encontrada no Exemplo 2.2. Se , escreveremos com . Assim, , que não é definida em :
Quando a potência é par, isto é, , então para todo , e os gráficos são da forma:
Observe que para cada uma dessas funções, ao se aproximar de , cresce e
toma valores arbitrariamente grandes: é não-limitada. Diremos (mais tarde) que
há uma assíntota vertical em .
Também, quando toma valores grandes, decresce e toma
valores arbitrariamente pertos de zero. Diremos (mais tarde) que a função
tende a zero no infinito, e que a reta horizontal
é assíntota horizontal.
Quando a potência é ímpar, a mesma mudança de sinal acontece, e os gráficos têm propriedades parecidas:
2.2.2 Paridade
Observemos algumas simetrias nos gráficos das funções da seção anterior.
Primeiro, para os valores de pares, o gráfico de é simétrico com
respeito ao eixo , o que segue do seguinte fato: .
Por outro lado, para os valores de ímpares, o gráfico de é
simétrico com respeito à origem (por uma rotação de ), o que segue do fato
seguinte: .
Esses fatos levam a introduzir duas noções gerais. Por um lado, diremos que
Por outro lado,
Exemplo 2.13.
A função é par. De fato, como as potências envolvidas são pares, , , assim:
Exemplo 2.14.
Considere . Vimos que o seno é uma função ímpar: . Como consequência, a função é ímpar, já que
Mas uma função, em geral, não precisa ser par ou ímpar. Para mostrar que uma função não é par, basta achar um ponto em que . Do mesmo jeito, para mostrar que não é ímpar, basta achar um ponto em que .
Exemplo 2.15.
Mostremos que não é par. De fato, olhando para o ponto , temos , e . Logo, . Mas como , também não é ímpar.
Exercício 2.6.
Determine quais das funções abaixo são pares ou ímpares (justificando a sua resposta). Quando não for nem par nem ímpar, dê um contra-exemplo.
-
1.
-
2.
-
3.
-
4.
-
5.
-
6.
-
7.
-
8.
2.2.3 Crescimento e decrescimento
O que mais nos interessará, no estudo de uma função dada, será distinguir as regiões em que ela cresce/decresce:
Definição 2.1.
Seja um intervalo. Uma função é
-
•
crescente em se para todo , .
-
•
estritamente crescente em se para todo , .
-
•
decrescente em se para todo , .
-
•
estritamente decrescente em se para todo , .
Por exemplo, o gráfico de uma função estritamente crescente:
Pela definição acima, uma função constante é ao mesmo tempo crescente e decrescente.
Estudar a variação de uma função será entendido como procurar os intervalos em que cresce ou decresce.
Exercício 2.7.
Estude a variação das funções abaixo.
-
1.
-
2.
-
3.
-
4.
-
5.
-
6.
-
7.
-
8.
Mais tarde introduziremos uma ferramenta fundamental (a derivada) para o estudo da variação.
2.2.4 Funções Trigonométricas
Começemos com o gráfico de , para :
Se o seno for considerado na reta real toda, obtemos:
Observemos que esse gráfico é simétrico em torno da origem (por uma rotação de ), o que reflete o fato do seno ser uma função ímpar. Vemos também que é periódica, de período :
Geometricamente: o gráfico completo (para )
é obtido usando translações do gráfico da figura anterior (hachurado, feito para ).
Essa propriedade pode ser provada analiticamente, usando (1.21):
.
Considerações análogas se aplicam ao cosseno:
Quando considerado na reta real, o cosseno é par, e também tem período :
O esboço da função tangente é um pouco mais delicado. Como foi visto no início do capítulo, é bem definida somente se é diferente de . Isso implica a presença de assíntotas verticais no gráfico:
Quando considerado na reta real,
Observemos que o período da tangente é (e não !), como foi visto em (1.21):
2.2.5 Transformações
O gráfico de uma função permite obter os gráficos de outras funções, via transformações elementares. Para simplificar, nesta seção consideraremos somente funções cujo domínio é a reta toda.
Exemplo 2.16.
Considere o gráfico da função , a parábola do Exemplo 2.10. Qual é a função cujo gráfico é o gráfico de transladado de unidades para a direita?
Vemos que o valor tomado por em deve ser o mesmo que o valor tomado por em : . Como , . Logo, a função procurada é .
De modo geral, suponha definida para todo , e um número fixo. Defina a função por
Então o gráfico de é obtido transladando horizontalmente o gráfico de de
unidades. Apesar do sinal “”,
a translação é para a direita se , e para a esquerda se .
Por outro lado, se ,
é uma função cujo gráfico é o gráfico de transladado verticalmente de unidades. A translação é para cima se , para baixo se .
Exemplo 2.17.
Esbocemos o gráfico da função . Completando o quadrado, . Portanto, o gráfico de é obtido a partir da parábola pela composição de uma translação horizontal de uma unidade para a esquerda, e em seguida uma translação vertical de uma unidade para baixo:
É claro que o gráfico de é obtido fazendo a reflexão do gráfico em relação ao eixo , e que o gráfico de é obtido fazendo a reflexão do gráfico em relação ao eixo . Portanto, se é par, e têm o mesmo gráfico.
Exercício 2.8.
Considere uma função definida na reta toda, e a reta vertical . Dê a função cujo gráfico é obtido pelo gráfico de por reflexão em relação à reta . Faça a mesma coisa com uma reta horizontal.
Finalmente, estudemos o que acontece com . Sabemos que o gráfico de é o mesmo que o de em todos os pontos onde . Por outro lado, quando , então , isto é, o gráfico de em é o de refletido em relação ao eixo . Em outras palavras: o gráfico de é obtido refletindo todas as partes do gráfico de negativas, tornando-as positivas.
Exemplo 2.18.
Como é a parábola transladada de uma unidade para baixo, o gráfico de é dado por:
Exercício 2.9.
Interprete todas as identidades trigonométricas do Exercício 1.23 como tranformações dos gráficos de , e .
Exercício 2.10.
Esboce os gráficos das seguintes funções:
-
1.
-
2.
-
3.
-
4.
-
5.
-
6.
Exercício 2.11.
Uma partícula de massa é lançada da origem com uma velocidade . A resolução da segunda equação de Newton mostra que a sua trajetória é dada pela função
onde é o campo de gravitação. Descreva essa trajetória. Em particular, calcule 1) a qual distância a partícula vai cair no chão, e compare essa distância quando é a constante de gravitação na superfície da terra (), ou na superfície da lua (, seis vezes menor do que na terra), 2) as coordenadas do ponto mais alto da trajetória.
Um gráfico permite (em princípio) resolver uma inequação graficamente.
Exemplo 2.19.
Considere a inequação do Exemplo 1.2 (último capítulo),
Com e , o conjunto das soluções da inequação, , pode ser interpretado como o conjunto dos pontos onde o gráfico de fica estritamente acima do gráfico de : . Como o gráfico de é uma reta horizontal e o de é o gráfico de transladado de duas unidades para a direita,
vemos que todos os pontos em satisfazem a essa condição, que é o que tinha sido encontrado anteriormente.
Exercício 2.12.
Resolva graficamente:
-
1.
-
2.
-
3.