4.1 Limites
A primeira informação que será extraída sobre uma função será o seu comportamento no infinito. Portanto, começaremos estudando os valores de uma função , quando fica arbitrariamente grande e positivo, ou arbitrariamente grande e negativo.
4.1.1 Introdução
Apesar de elementar, o nosso primeiro exemplo será um dos mais importantes, pois ele nós permite introduzir pela primeira vez a ideia de tender a zero.
Exemplo 4.1.
Já montamos o gráfico da função no Capítulo 2. Consideremos aqui o que acontece com quando toma valores grandes, positivos ou negativos:
Quando se afasta da origem, tomando valores grandes e positivos, o que será denotado , vemos que os valores de tendem a zero. Para ilustrar isso podemos observar os valores da função quando a variável toma por exemplo os valores , , , …:
10 | 100 | 1000 | 10’000 | |
Na verdade, pegando uma outra seqüência de números, por exemplo , , , , …, observaríamos também que os valores se aproximam de zero. O fato de se aproximar de zero à medida que aumenta é obviamente devido ao fato da divisão de por um número grande resultar em um número pequeno.
Vamos ser agora um pouco mais precisos, e render quantitativa a seguinte afirmação: tomar grande o suficiente permite tornar arbitrariamente pequeno. Vamos proceder da seguinte maneira. Primeiro escolhamos um número positivo arbitrário, pequeno, que chamaremos de tolerância. Por exemplo: . Em seguida, façamos a pergunta: quão grande precisa ser tomado para tornar menor que a tolerância escolhida, isto é
Para responder, basta resolver a desigualdade acima. Multiplicando ambos lados por (pode ser feito sem mudar o sentido da desigualdade, já que é positivo), e dividindo ambos lados por ,
Como , isso significa que qualquer número que satisfaz
também satisfaz (4.1). Isto é, tomar um número qualquer maior ou igual a garante que a sua imagem (pela função ) será contida entre e (a tolerância que fixamos).
O importante é que o mesmo raciocíno pode ser feito com qualquer tolerância, mesmo muito pequena. Por exemplo, podemos escolher uma tolerância igual a , e verificar que todos os grandes, dessa vez , satisfazem
Vemos que o mesmo argumento funcionará com qualquer tolerância. Logo, em vez de tomar valores particulares para a tolerância, podemos simplesmente dar um nome a ela: . Seja então uma tolerância qualquer (subentendido: tão pequena quanto quisermos, mas fixa). Podemos então procurar os que satisfazem
Resolvendo essa desigualdade obtemos:
O fato de ser possível mostrar que para uma tolerância arbitrariamente pequena, existe sempre um intervalo infinito de valores de para os quais a desigualdade é verdadeira é o que define rigorosamente o limite. A seguinte notação costuma ser usada:
Leia-se: o limite de , quando tende a , é
igual a , ou
tende a zero quando tende a .
Enfatizemos que isso não significa, de forma alguma,
que é igual a zero quando é grande, mas somente que
se aproxima arbitrariamente perto de zero à medida que vai
crescendo.
Consideremos agora o que acontece com quando . Dessa vez a função tende a zero também mas com valores negativos, já que se (dê uma olhada na figura do início do exemplo). Logo, gostaríamos de fixar uma tolerância , e achar os que satisfazem
Desta vez, essa desigualdade é satisfeita para qualquer . Escreveremos também:
Poderiamos ter calculado os dois limites de uma vez, e , observando simplesmente que para um fixo, é possivel garantir
para todo a distância maior que da origem, isto é .
O Exemplo 4.1 levou a definir precisamente o que significa tender a zero quando . Podemos agora considerar o caso geral:
Definição 4.1.
Diremos que tende a zero quando se para qualquer tolerância , é possível garantir que
Escreve-se:
O valor absoluto foi usado em (4.2), pois pode tender a zero sem que o seu sinal seja sempre ou (como foi visto no caso de ). Para ver um caso que em uma função tende a zero com o seu sinal oscilando, veja a figura do Exemplo 4.15 na página 4.15.
Exercício 4.1.
Usando a definição acima, mostre que
Exemplo 4.2.
Consideremos em seguida o comportamento de
Para ver o que está acontecendo, calculemos primeiro a função para alguns valores de , grandes e positivos:
10 | 100 | 1000 | 10’000 | |
Isso parece indicar que se aproxima de quando . Esse fato pode ser observado no traço do gráfico da função (feito com um computador):
Gostaríamos então de dar um sentido ao seguinte símbolo:
A dificuldade, aqui, é que quando toma valores grandes, é uma divisão de dois números grandes, o que representa uma forma de indeterminação (falaremos mais sobre isso depois). No entanto, mostraremos que tende a , mostrando que tende a zero no sentido da Definição 4.2.
Fixemos uma tolerância , e procuremos saber se dá para garantir que
para todo suficientemente grande. Comecemos explicitando a diferença:
Os valores absolutos foram removidos na última igualdade, já que será tomado grande, positivo, o que implica . Agora, (4.4) será satisfeita se saber se dá para garantir que
Resolvendo a desigualdade obtemos:
Como isso pode ser feito com qualquer tolerância, conseguimos provar (4.3).
Vejamos agora um exemplo em que o comportamento quando pode ser diferente do comportamento quando .
Exemplo 4.3.
Considere . Usando a definição do valor absoluto, vemos que essa função é dada por
Logo,
e é fácil mostrar que esse limite vale . Por outro lado,
e esse limite se calcula facilmente, e é igual a .
Observação 4.1.
Podemos ver, graças aos gráficos montados acima com um computador, que a existência dos limites implica que o gráfico da função se aproxima, longe da origem, de uma reta horizontal (que será chamada de assíntota horizontal). Mas é claro que aprender a esboçar gráficos é um dos objetivos desse curso, então o uso de gráficos até agora deve ser considerado somente como uma ajuda para entender a definição de limite.
Observação 4.2.
Em geral, um limite nem sempre existe. Por exemplo, “” não existe, pois à medida que cresce, oscila em torno de , sem tender a nenhum valor. Um limite pode também ser infinito, como veremos mais adiante.
Exercício 4.2.
Explique porque que não tende a zero quando no sentido da Definição 4.1. Dica: distinguir os casos e .
4.1.2 A definição de limite
Mostramos no Exemplo 4.2 que tende a quando , provando que a diferença se torna sempre menor a medida que cresce. Em geral, dizer que os valores de uma função se aproximam arbitrariamente perto de um valor quando é grande, é equivalente a dizer que se torna arbitrariamente pequeno desde que seja grande o suficiente. Em outras palavras,
Definição 4.2.
Diz-se que tende a quando , e escreve-se
(ou às vezes se não tiver ambiguidade) se tende a zero, isto é se para todo (subentendito: arbitrariamente pequeno, mas fixo) existir um tal que se , então
A definição de é parecida, mas “” é trocado por “”.
Observação 4.3.
É sempre subentendido, ao escrever “”, que é bem definida para todo suficientemente grande.
Observação 4.4.
Em geral, o número associado a um não é único. De fato, suponha que foi mostrado que para um certo , existe um tal que para todos os . Então, definindo por exemplo , a desigualdade vale também se , obviamente. O que importa é ser capaz achar pelo menos um , não importa quão grande for.
Exercício 4.3.
Usando o método acima, mostre que
Em termos do gráfico de , deve ser interpretado dizendo que a medida que aumenta, a distância entre o gráfico de e a reta de equação tende a zero:
Se pelo menos um dos limites , , existe e vale , diz-se então que a reta é assíntota horizontal de . Por exemplo, a função do Exemplo 4.2 tem uma assíntota horizontal , que descreve o comportamento quando e . A função do Exemplo 4.3, por sua vez, tem a assíntota que descreve o comportamento quando , e a assíntota que descreve o comportamento quando .
Exercício 4.4.
Calcule os limites abaixo, usando a Definição 4.2:
-
1.
.
-
2.
, em que
-
3.
.
Mencionemos algumas propriedades básicas que decorrem da Definição 4.2:
Proposição 4.1.
Suponha que duas funções, e , possuam limites quando :
onde e são ambos finitos. Então
(4.6) | |||
(4.7) |
Além disso, se , então
As mesmas propriedades valem no caso .
Demonstração.
Provaremos somente (4.6). Seja . Definamos . Por definição, implica que existe tal que se então . Por outro lado, se , então implica, por definição, que existe tal que se então . Logo, se é maior que e ao mesmo tempo, temos
∎
A identidade (4.7) implica em particular que se é uma constante (isto é, um número que não depende de ), então
A maior parte do tempo não precisaremos passar pelo uso de tolerâncias para calcular limites. Em vez disso, usaremos as propriedades acima, e alguns limites conhecidos, para calcular outros limites mais complicados. Por exemplo, tendo feito o Exercício 4.4, podemos calcular o seguinte limite, usando somente as propriedades básicas da proposição, sem passar pela escolha de tolerâncias arbitrariamente pequenas, etc.:
4.1.3 Limites infinitos
Em geral, uma função qualquer não precisa possuir limites no infinito.
Isto é, pode não se aproximar de nenhum valor finito
quando toma valores grandes. Por exemplo, já mencionamos que as funções
trigonométricas, por serem periódicas, não possuem limites quando
.
Mas já sabemos que várias funções não-limitadas, como , tomam valores arbitrariamente grandes ao se afastar da origem. Neste caso, o limite não existe no sentido de ser finito. No entanto, gostaríamos de poder escrever:
Aqui não se trata de usar tolerâncias, mas de definir precisamente o que significa ultrapassar qualquer valor finito a medida que cresce. Por exemplos, ultrapassa o valor , a partir de em diante, isto é para todos os . Mas ela também ultrapassa o valor , para todos os , etc.
Definição 4.3.
Diz-se que tende a quando se para qualquer (subentendido: arbitrariamente grande, fixo) existe um tal que para todo . Diz-se que tende a quando se para qualquer existe um tal que para todo . (Limites infinitos no caso se definem de maneira parecida, trocando “” por “”.)
Vejamos primeiro alguns exemplos de funções fundamentais que tem limites infinitos.
Começaremos com potências inteiras, , ,
Exemplo 4.4.
Calculemos o limite
Sabemos que tende a , mas que o não tem limite. No entanto, o é limitado por em valor absoluto. Logo, parece que a soma acima deve também tender a . Para provar isso, fixemos um qualquer. Para mostrar que para todos os suficientemente grandes, comecemos observando que , o que permite escrever (veja a figura abaixo):
Mas, observe que quando , onde . Agora, é claro que por (4.11) temos também quando . Como o era arbitrário, isso mostra que
Vimos que, dependendo da base, as exponenciais e os logaritmos possuem comportamentos diferentes no infinito. Se a base for ,
Em particular,
Por outro lado, se a base for ,
Os logaritmos, por sua vez,
Observe que “” não faz sentido, já que o domínio de é !
Exercício 4.5.
Mostre que se , então
A propriedade provada no último exercício permite obter o comportamento no infinito para as potências negativas: , com . Como , temos
O limite se calcula da mesma maneira.
Exercício 4.6.
Mostre que
É importante notar que em geral, as propriedades descritas na Proposição 4.1 não se aplicam quando os limites envolvidos são infinitos. Aparece frequentemente de ter que lidar com quocientes ou diferenças , em que ambos e . Neste caso, as identidades da Proposição 4.1 não se aplicam, e um estudo caso a caso é preciso.
Produtos de números grandes
Na propriedade (4.7), insistimos sobre o fato dos dois limites e existirem e serem finitos para poder escrever
É importante entender que existem casos em que essa relação não
pode ser usada.
Considere , . Neste caso, , portanto o lado esquerdo de (4.16) é igual a
Mas o lado direito é igual a
Portanto, se (4.16) fosse verdadeira, teríamos
o que já mostra que há um problema: zero multiplicado por outra coisa dificilmente pode dar … Mas, se agora , , então , e o mesmo raciocíno leva a
Ou, com e ,
Sabemos que qualquer número multiplicado por zero dá zero, mesmo se o número for grande:
Mas os exemplos acima mostram que há um problema com “”, e lembram que “” não pode ser manuseado como os outros números reais: em geral “” não vale zero, e pode valer qualquer coisa. É por isso que será sempre escrito usando aspas. A gente chama “” (ou “”) de forma indeterminada.
Em termos de limites, o exemplo acima mostra que não se pode aplicar (4.16) quando um dos limites é infinito e o outro zero. No entanto,
Proposição 4.2.
Se e , , então
Exemplo 4.5.
Por exemplo, já que e ,
Quocientes de números grandes
No Exemplo 4.3 calculamos . Observe que este limite é da forma
em que e . Portanto, podemos dizer que é uma forma indeterminada
Em geral, ter uma indeterminação (qualquer que seja) não significa que o limite considerado não existe ou que ele não pode ser calculado, mas que um estudo mais minucioso é necessário. De fato, os exemplos a seguir são todos limites da forma “”, mas todos podem ser calculados explicitamente e dar valores diferentes:
Observação 4.5.
Na verdade as indeterminações da forma “” são equivalentes às indeterminações da forma “”. De fato, se é “”, podemos escrever
Como e , o limite acima é também da forma “”.
No próximos exemplos mostraremos várias técnicas que permitem resolver indeterminações do tipo “”. Começaremos com razões de polinômios, em que os polinômios têm o mesmo grau.
Exemplo 4.6.
Calcularemos um limite parecido com o do Exemplo 4.2:
É fácil mostrar que esse limite é igual a , mas paremos para pensar de uma maneira diferente. Na fração acima, quando é grande, o numerador e o denominador são ambos grandes. No entanto quando for grande, no numerador o “” se torna desprezível comparado com o “3x”, e no denominador o “” se torna desprezível comparado com o “”. Portanto, para grande, gostaríamos de pensar que
Esse argumento não é perfeitamente rigoroso, mas sugere que o limite é . Para tornar ele mais rigoroso, colocamos em evidência no denominador, e simplificamos por :
Isso é só um outro jeito de reescrever a fração, mas agora observe que quando , o limite desta última fração não é mais da forma “”! Assim, usando (4.17), (4.6) e (4.8):
Neste último exemplo aprendemos a extrair, em uma fração, as partes mais importantes. Vejamos mais um exemplo.
Exemplo 4.7.
Considere
Vemos que tem dois termos de grau , um termo de grau e um termo de grau (aquele ). O que importa, aqui, é que no limite , os termos de grau vão ser os mais importantes. De fato, quando for grande, sendo , será muito maior que . Logo, vamos extrair os termos de grau no numerador e denominador, simplificar, e usar (4.6)-(4.8):
Extrair os termos de grau maior no numerador e denominador pode ser feito em outras situações, com potências que não são inteiras.
Exemplo 4.8.
Considere
O limite é da forma “”, e a fração contem termos de grau , , e . Extraindo o termo de grau maior,
o limite do novo quociente não é mais indeterminado. De fato, o novo numerador satisfaz , e o denominador , que é diferente de zero. Logo, por (4.8),
Vejamos agora dois exemplos em que o denominador e o numerador tem graus diferentes.
Exemplo 4.9.
Considere o seguinte limite, da forma “”:
Extraindo os termos de grau maior em cima e em baixo,
Logo, como e , (4.7) implica
Exemplo 4.10.
Estudemos agora
que representa também uma indeterminação do tipo “”. Mas, pondo os termos de grau em evidência,
Observe agora que o primeiro fator, , tende a , e que o segundo fator, , tende a . Logo, pela Proposição 4.2,
Exercício 4.7.
Calcule os limites abaixo, evitando o uso da definição formal. Abaixo, significa que são dois limites para calcular: e .
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1.
-
2.
-
3.
-
4.
-
5.
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6.
-
7.
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8.
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9.
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10.
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11.
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12.
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13.
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14.
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15.
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16.
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17.
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18.
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19.
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20.
-
21.
-
22.
Exercício 4.8.
Um tempo depois de ter pulado do avião, a velocidade vertical de um paraquedista em queda livre é dada por:
onde é a massa do paraquedista, , e é um coeficiente de resistência (atrito) do ar (em ). Esboce , e calcule o limite de velocidade (que ele nunca atingirá). Dê uma estimativa de quando , .
Somas e diferenças de números grandes
Na propriedade (4.6), insistimos sobre o fato dos dois limites e serem finitos para poder escrever
Quando os dois limites são infinitos, com o mesmo sinal, então o limite da soma pode também ser calculado:
Exemplo 4.11.
Considere . Como e (aqui, ambos tem o sinal “”), temos .
Agora, para estudar , com e , leva a um caso de indeterminação do tipo “”. Vejamos exemplos que ilustram que de fato, “” pode tomar qualquer valor.
Exemplo 4.12.
Considere , em que e . Como o termo de grau maior deve ser mais importante, escrevamos . Como e , a Proposição 4.2 garante que
O que aconteceu aqui se resume assim: e ambos tendem a , mas cresce mais rápido que , e isso implica que a diferença é regida (quando é grande) pelo termo .
Exemplo 4.13.
A diferença no limite pode ser estudada da mesma maneira: , e como , , temos que . Aqui, é o termo que rege o comportamento para grande.
Exemplo 4.14.
Considere . Quando , os dois termos e tendem a , mas eles são do mesmo grau. Como calcular o limite dessa diferênça? O método usado aqui consiste em multiplicar e dividir pelo conjugado, isto é, escrever “” como
Lembrando que ,
Mas como , temos
Exercício 4.9.
Calcule os limites quando das seguintes funções.
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1.
-
2.
-
3.
-
4.
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5.
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6.
-
7.
-
8.
-
9.
-
10.
-
11.
-
12.
-
13.
-
14.
O “sanduiche”
Exemplo 4.15.
Considere o limite . Sabemos que o denominador tende a , mas não possui limite quando . Apesar de tudo, sabemos que é uma função limitada: para todo , . Portanto, quando ,
Mas como a cota superior tende a zero, e que a cota inferior também tende a zero, a função também deve tender a zero:
Esse método vale em geral:
Teorema 4.1.
Suponha que , e seja três funções que satisfazem
Suponha também que . Então .
Exercício 4.10.
Calcule:
-
1.
-
2.
-
3.
-
4.
-
5.
-
6.
Observação 4.6.
Alguns limites no infinito, tais como ou , não podem ser calculados com os métodos desenvolvidos até agora; serão estudados mais tarde.