6.10 Convexidade, concavidade

Vimos na Seção 6.7 que a segunda derivada de uma função aparece naturalmente ao estudar a aceleração (taxa de variação instantânea da velocidade) de uma partícula. Nesta seção veremos qual é a interpretação geométrica da segunda derivada. Comecemos com uma definição.

Definição 6.2.

Seja II\subset\mathbb{R} um intervalo, f:If:I\to\mathbb{R} uma função.

  1. 1.

    ff é convexa em II se para todo x,yIx,y\in I, xyx\leq y,

    f(x+y2)f(x)+f(y)2.f\bigl{(}\frac{x+y}{2}\bigr{)}\leq\frac{f(x)+f(y)}{2}\,. (6.26)
  2. 2.

    ff é côncava em II se f-f é convexa em II, isto é, se para todo x,yIx,y\in I, xyx\leq y,

    f(x+y2)f(x)+f(y)2.f\bigl{(}\frac{x+y}{2}\bigr{)}\geq\frac{f(x)+f(y)}{2}\,. (6.27)
Observação 6.8.

Observe que ff é concava se e somente se f-f é convexa.

Estudar a convexidade 22 2 A terminologia a respeito da convexidade pode variar, dependendo dos livros. Às vezes, uma função côncava é chamada de “convexa para baixo”, e uma função convexa é chamada de “côncava para cima”… de uma função ff será entendido como determinar os intervalos em que ff é convexa/côncava.

Exemplo 6.30.

A função f(x)=x2f(x)=x^{2} é convexa em \mathbb{R}, isto é: (x+y2)2x2+y22(\frac{x+y}{2})^{2}\leq\frac{x^{2}+y^{2}}{2}. De fato, desenvolvendo o quadrado (x+y2)2=x2+2xy+y24(\frac{x+y}{2})^{2}=\frac{x^{2}+2xy+y^{2}}{4}, assim a desigualdade pode ser reescrita 0x22xy+y240\leq\frac{x^{2}-2xy+y^{2}}{4}, que é equivalente a 0(xy)240\leq\frac{(x-y)^{2}}{4}. Mas essa desigualdade é sempre satisfeita, já que (xy)20(x-y)^{2}\geq 0 para qualquer par x,yx,y.

Exercício 6.47.

Usando as definições acima, mostre que

  1. 1.

    g(x)=xg(x)=\sqrt{x} é côncava em +\mathbb{R}_{+},

  2. 2.

    h(x)=1xh(x)=\frac{1}{x} é convexa em +\mathbb{R}_{+}, côncava em \mathbb{R}_{-}.

Geometricamente, (6.26) pode ser interpretado da seguinte maneira: ff é convexa se o gráfico de ff entre dois pontos quaisquer A=(x,f(x))A=(x,f(x)), B=(y,f(y))B=(y,f(y)), fica abaixo do segmento ABAB:

Por exemplo,

Figura 6.1: Exemplos de funções convexas.

Por outro lado, ff é côncava se o gráfico de ff entre dois pontos quaisquer AA e BB fica acima do segmento ABAB. Por exemplo,

Figura 6.2: Exemplos de funções côncavas.

Façamos agora uma observação importante a respeito do comportamento da derivada em relação a convexidade. Primeiro, vemos na Figura 6.1 que para qualquer uma das funções, se x<yx<y são dois pontos que pertencem a um intervalo em que a derivada existe, então f(x)f(y)f^{\prime}(x)\leq f^{\prime}(y). Isto é, a derivada de cada uma das funções convexas da Figura 6.1 é crescente. Do mesmo jeito, vemos que a derivada de cada uma das funções côncavas da Figura 6.2 é decrescente. Como a variação de ff^{\prime} é determinada a partir do estudo do sinal da derivada de ff^{\prime} (quando ela existe), isto é, (f)(f^{\prime})^{\prime}, vemos que a concavidade/convexidade de ff pode ser obtida a partir do estudo do sinal da segunda derivada de ff, f′′:=(f)f^{\prime\prime}{:=}(f^{\prime})^{\prime}:

Teorema 6.3.

Seja ff tal que f(x)f^{\prime}(x) e f′′(x)f^{\prime\prime}(x) ambas existam em todo ponto xIx\in I (II um intervalo).

  1. 1.

    Se f′′(x)0f^{\prime\prime}(x)\geq 0 para todo xIx\in I, então ff é convexa em II.

  2. 2.

    Se f′′(x)0f^{\prime\prime}(x)\leq 0 para todo xIx\in I, então ff é côncava em II.

Demonstração.

Provemos a primeira afirmação (pela Observação 6.8, a segunda segue por uma simples mudança de sinal). Para mostrar que ff é convexa, é preciso mostrar que

f(z)f(x)+f(y)2,f(z)\leq\frac{f(x)+f(y)}{2}\,, (6.28)

em que x<yx<y são dois pontos quaisquer de II, e z:=x+y2z{:=}\frac{x+y}{2} é o ponto médio entre xx e yy.

Aplicaremos três vezes o Teorema do valor intermediário para a derivada (Corolário 6.1): 1) Para ff no intervalo [x,z][x,z]: existe c1[x,z]c_{1}\in[x,z] tal que

f(z)f(x)=f(c1)(zx).f(z)-f(x)=f^{\prime}(c_{1})(z-x)\,.

2) Para ff no intervalo [z,y][z,y]: existe c2[z,y]c_{2}\in[z,y] tal que

f(y)f(z)=f(c2)(yz)f(c2)(zx).f(y)-f(z)=f^{\prime}(c_{2})(y-z)\equiv f^{\prime}(c_{2})(z-x)\,.

Subtraindo as duas expressões acima, obtemos 2f(z)(f(x)+f(y))=(f(c2)f(c1))(zx)2f(z)-(f(x)+f(y))=-(f^{\prime}(c_{2})-f^{\prime}(c_{1}))(z-x). 3) Para ff^{\prime} no intervalo [c1,c2][c_{1},c_{2}]: existe α[c1,c2]\alpha\in[c_{1},c_{2}] tal que

f(c2)f(c1)=f′′(α)(c2c1).f^{\prime}(c_{2})-f^{\prime}(c_{1})=f^{\prime\prime}(\alpha)(c_{2}-c_{1})\,.

Como f′′(α)0f^{\prime\prime}(\alpha)\geq 0 por hipótese, temos f(c2)f(c1)0f^{\prime}(c_{2})-f^{\prime}(c_{1})\geq 0, o que implica 2f(z)(f(x)+f(y))02f(z)-(f(x)+f(y))\leq 0, e prova (6.28). ∎

Exemplo 6.31.

Considere f(x)=x2f(x)=x^{2}. Como f(x)=(x2)=2xf^{\prime}(x)=(x^{2})^{\prime}=2x, e como f′′(x)=(2x)=2>0f^{\prime\prime}(x)=(2x)^{\prime}=2>0 para todo xx, o Teorema 6.3 garante que ff é convexa em \mathbb{R}, como já tinha sido provado no Exemplo 6.30.

Por outro lado, se g(x)=x3g(x)=x^{3}, então g′′(x)=6xg^{\prime\prime}(x)=6x:

Logo, (confere no gráfico visto no Capítulo 2) x3x^{3} é côncava em ],0]]-\infty,0], convexa em [0,)[0,\infty). O ponto x=0x=0, em que a função passa de côncava para convexa, é chamado de ponto de inflexão.

Exemplo 6.32.

Considere f(x)=lnxf(x)=\ln x para x>0x>0. Como f(x)=1xf^{\prime}(x)=\frac{1}{x}, f′′(x)=1x2f^{\prime\prime}(x)=-\frac{1}{x^{2}}, temos f′′(x)<0f^{\prime\prime}(x)<0 para todo xx. Isto é, lnx\ln x é uma função côncava, como já foi observado na Figura (6.2).

Exercício 6.48.

Estude a convexidade das funções a seguir. Quando for possível, monte o gráfico.

  1. 1.

    x33x\frac{x^{3}}{3}-x

  2. 2.

    x3+5x26x-x^{3}+5x^{2}-6x

  3. 3.

    3x410x312x2+10x\scriptstyle{3x^{4}-10x^{3}-12x^{2}+10x}

  4. 4.

    1x\frac{1}{x}

  5. 5.

    xexxe^{x}

  6. 6.

    x2+9(x3)2\frac{x^{2}+9}{(x-3)^{2}}

  7. 7.

    xe3xxe^{-3x}

  8. 8.

    |x|x|x|-x

  9. 9.

    arctanx\arctan x

  10. 10.

    ex22e^{-\frac{x^{2}}{2}}

  11. 11.

    1x2+1\frac{1}{x^{2}+1}

  12. 12.

    x+1xx+\frac{1}{x}