6.2 Reta tangente e derivada

O procedimento descrito no Exemplo 6.3 acima pode ser generalizado, e fornece um método para calcular a reta tangente ao gráfico de uma função ff num ponto P=(a,f(a))P=(a,f(a)). Escolhamos um ponto vizinho de PP, também no gráfico de ff, denotado Q=(x,f(x))Q=(x,f(x)), e consideremos a reta rr que passa por PP e QQ.

A inclinação da reta rr é dada por

f(x)f(a)xa,\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\,,

e a inclinação da reta tangente em PP é obtida pegando QPQ\to P, isto é, xax\to a.

Definição 6.1.

Considere uma função ff definida num ponto aa e na sua vizinhança. Se o limite

f(a):=limxaf(x)f(a)xa,\boxed{f^{\prime}(a){:=}\lim_{x\to a}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\,,} (6.1)

existir e for finito, diremos que ff é derivável (ou diferenciável) em aa. O valor de f(a)f^{\prime}(a) é chamado de derivada de ff no ponto aa, e representa a inclinação da reta tangente ao gráfico de ff no ponto P=(a,f(a))P=(a,f(a)).

Veremos mais tarde que a derivada deve ser interpretada como taxa local de crescimento da função: f(a)f^{\prime}(a) dá a taxa com a qual f(x)f(x) cresce em relação a xx, na vizinhança de aa. Considerando o gráfico na forma de uma curva y=f(x)y=f(x), e chamando Δx:=xa\Delta x{:=}x-a e Δf:=f(x)f(a)\Delta f{:=}f(x)-f(a), vemos que uma notação natural para a derivada, bastante usada na literatura é:

dfdx=limΔx0ΔfΔx{\frac{df}{dx}=\lim_{\Delta x\to 0}\frac{\Delta f}{\Delta x}}
Observação 6.1.

Em geral, f(a)f^{\prime}(a) é um limite indeterminado da forma 00\frac{0}{0}. De fato, se ff é contínua em aa então quando xax\to a, o numerador f(x)f(a)0f(x)-f(a)\to 0 e o denominador xa0x-a\to 0. Por isso, os métodos estudados no último capítulo serão usados constantemente para calcular derivadas.

Observação 6.2.

Observe que com a mudança de variável h:=xah{:=}x-a, xax\to a implica h0h\to 0, logo a derivada pode ser escrita também como

f(a):=limh0f(a+h)f(a)h,\boxed{f^{\prime}(a){:=}\lim_{h\to 0}\frac{f(a+h)-f(a)}{h}\,,} (6.2)
Exercício 6.2.

Considere f(x):=x2xf(x){:=}x^{2}-x. Esboce o gráfico de ff. Usando a definição de derivada, calcule a derivada de ff nos pontos a=0a=0, a=12a=\frac{1}{2}, a=1a=1. Interprete o seu resultado graficamente.

Exercício 6.3.

Usando a definição, calcule a derivada de ff no ponto dado.

  1. 1.

    f(x)=xf(x)=\sqrt{x}, a=1a=1

  2. 2.

    f(x)=1+xf(x)=\sqrt{1+x}, a=0a=0

  3. 3.

    f(x)=xx+1f(x)=\frac{x}{x+1}, a=0a=0

  4. 4.

    f(x)=x4f(x)=x^{4}, a=1a=-1

  5. 5.

    f(x)=1xf(x)=\frac{1}{x}, a=2a=2.

Exercício 6.4.

Dê a equação da reta tangente ao gráfico da função no(s) ponto(s) dado(s):

  1. 1.

    3x+93x+9, (4,21)(4,21)

  2. 2.

    xx2x-x^{2}, (12,14)(\frac{1}{2},\frac{1}{4})

  3. 3.

    1+x\sqrt{1+x}, (0,1)(0,1)

  4. 4.

    1x\frac{1}{x}, (1,1)(-1,-1), (1,1)(1,1)

  5. 5.

    1x2\sqrt{1-x^{2}}, (1,0)(-1,0), (1,1)(1,-1) (0,1)(0,1), (1,0)(1,0)

  6. 6.

    senx\operatorname{sen}x, (0,0)(0,0), (π2,1)(\frac{\pi}{2},1)

Exercício 6.5.

Calcule a equação da reta tangente ao círculo x2+y2=25x^{2}+y^{2}=25 nos pontos P1=(3,4)P_{1}=(3,4), P2=(3,4)P_{2}=(3,-4), P3=(5,0)P_{3}=(5,0).

Exercício 6.6.

Determine o ponto PP da curva y=xy=\sqrt{x}, x0x\geq 0, no qual a reta tangente rPr_{P} à curva é paralela à reta rr de equação 8xy1=08x-y-1=0. Esboce a curva e as duas retas rPr_{P}, rr.

Exercício 6.7.

Calcule o valor do parâmetro β\beta para que a reta y=x1y=x-1 seja tangente ao gráfico da função f(x)=x22x+βf(x)=x^{2}-2x+\beta. Em seguida, faça o esboço de ff e da reta.

Exercício 6.8.

Considere o gráfico de f(x)=1xf(x)=\frac{1}{x}. Existe um ponto PP do gráfico de ff no qual a reta tangente ao gráfico passa pelo ponto (0,3)(0,3)?

Exercício 6.9.

Determine o ponto PP do gráfico da função f(x)=x32x+1f(x)=x^{3}-2x+1 no qual a equação da tangente é y=x+3y=x+3.

6.2.1 Pontos de não-diferenciabilidade

A derivada nem sempre existe, por razões geométricas particulares: a reta tangente não é sempre bem definida. Vejamos alguns exemplos:

Exemplo 6.4.

Considere f(x):=x1/3f(x){:=}x^{1/3}, definida para todo xx\in\mathbb{R} (veja Seção 2.4.2). Para um a0a\neq 0 qualquer, calculemos (com a mudança t=x1/3t=x^{1/3})

f(a)=limxax1/3a1/3xa=limta1/3ta1/3t3a=limta1/31t2+a1/3t+a2/3=13a2/3.f^{\prime}(a)=\lim_{x\to a}\frac{x^{1/3}-a^{1/3}}{x-a}=\lim_{t\to a^{1/3}}% \frac{t-a^{1/3}}{t^{3}-a}=\lim_{t\to a^{1/3}}\frac{1}{t^{2}+a^{1/3}t+a^{2/3}}=% \frac{1}{3a^{2/3}}\,.

Se a=0a=0, é preciso calcular:

f(0)=limx0x1/301/3x0=limx01x2/3=+.f^{\prime}(0)=\lim_{x\to 0}\frac{x^{1/3}-0^{1/3}}{x-0}=\lim_{x\to 0}\frac{1}{x% ^{2/3}}=+\infty\,.

De fato, a reta tangente ao gráfico em (0,0)(0,0) é vertical:

Assim, x1/3x^{1/3} é derivável em qualquer a0a\neq 0, mas não em a=0a=0.

Exemplo 6.5.

Considere agora f(x)=|x|f(x)=|x|, também definida para todo xx\in\mathbb{R}. Se a>0a>0, então

f(a)=limxa|x||a|xa=limxaxaxa=+1.f^{\prime}(a)=\lim_{x\to a}\frac{|x|-|a|}{x-a}=\lim_{x\to a}\frac{x-a}{x-a}=+1\,.

Por outro lado, se a<0a<0,

f(a)=limxa|x||a|xa=limxax(a)xa=1.f^{\prime}(a)=\lim_{x\to a}\frac{|x|-|a|}{x-a}=\lim_{x\to a}\frac{-x-(-a)}{x-a% }=-1\,.

Então |x||x| é derivável em qualquer a0a\neq 0. Mas observe que em a=0a=0,

limx0+|x||0|x0=+1,limx0|x||0|x0=1.\lim_{x\to 0^{+}}\frac{|x|-|0|}{x-0}=+1\,,\quad\quad\lim_{x\to 0^{-}}\frac{|x|% -|0|}{x-0}=-1\,.

Como os limites laterais não coincidem, o limite bilateral não existe, o que significa que f(x)=|x|f(x)=|x| não é derivável (apesar de ser contínua) em a=0a=0. De fato, o gráfico mostra que na origem (0,0)(0,0), a reta tangente não é bem definida:

Exercício 6.10.

Dê um exemplo de uma função contínua f:f:\mathbb{R}\to\mathbb{R} que seja derivável em qualquer ponto da reta, menos em 1,0,1-1,0,1.

Apesar da função |x||x| não ser derivável em a=0a=0, vimos que é possível “derivar pela esquerda ou pela direita”, usando limites laterais. Para uma função ff, as derivadas laterais em aa, f+(a)f^{\prime}_{+}(a) e f(a)f^{\prime}_{-}(a), são definidas pelos limites (quando eles existem)

f±(a):=limxa±f(x)f(a)xa=limh0±f(a+h)f(a)h.f^{\prime}_{\pm}(a){:=}\lim_{x\to a^{\pm}}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}=\lim_{h\to 0^{% \pm}}\frac{f(a+h)-f(a)}{h}\,. (6.3)

6.2.2 Derivabilidade e continuidade

Vimos casos (como |x||x| ou x1/3x^{1/3} em a=0a=0) em que uma função pode ser contínua num ponto sem ser derivável nesse ponto. Mas o contrário sempre vale:

Teorema 6.1.

Se ff é derivável em aa, então ela é contínua em aa.

Demonstração.

De fato, dizer que ff é derivável em aa implica que o limite f(a)=limxaf(x)f(a)xaf^{\prime}(a)=\lim_{x\to a}\frac{f(x)-f(a)}{x-a} existe e é finito. Logo,

limxa(f(x)f(a))\displaystyle\lim_{x\to a}(f(x)-f(a)) =limxa{f(x)f(a)xa(xa)}\displaystyle=\lim_{x\to a}\Bigl{\{}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}(x-a)\Bigr{\}}
={limxaf(x)f(a)xa}{limxa(xa)}=0,\displaystyle=\Bigl{\{}\lim_{x\to a}\frac{f(x)-f(a)}{x-a}\Bigr{\}}\cdot\{\lim_% {x\to a}(x-a)\}=0\,,

o que implica f(x)f(a)f(x)\to f(a) quando xax\to a. Isto é: ff é contínua em aa. ∎