6.7 Velocidade, aceleração, taxa de variação

Sabemos que o sinal da derivada (quando ela existe) permite caracterizar o crescimento de uma função. Mais especificamente, a derivada deve ser entendida como taxa de variação. O exemplo mais importante do significado da derivada como taxa de variação é em mecânica, estudando o movimento de uma partícula.

Considere uma partícula que evolui na reta, durante um intervalo de tempo [t1,t2][t_{1},t_{2}]. Suponha que a sua posição no tempo t1t_{1} seja x(t1)x(t_{1}), que no tempo t2t_{2} a sua posição seja x(t2)x(t_{2}), e que para t[t1,t2]t\in[t_{1},t_{2}], a posição seja dada por uma função x(t)x(t).

A função tx(t)t\mapsto x(t), para t0t\geq 0, representa a trajetória da partícula.

Uma informação útil pode ser extraida da trajetória, olhando somente para o deslocamento entre o ponto inicial e o ponto final: definimos a velocidade média ao longo de [t1,t2][t_{1},t_{2}],

v¯=x(t2)x(t1)t2t1.\overline{v}=\frac{x(t_{2})-x(t_{1})}{t_{2}-t_{1}}\,.

A interpretação de v¯\overline{v} é a seguinte: se uma segunda partícula sair de x(t1)x(t_{1}) no tempo t1t_{1}, se movendo a velocidade constante v¯\overline{v}, então ela chegará em x(t1)x(t_{1}) no tempo t2t_{2}, junto com a primeira partícula. A trajetória dessa segunda partícula de velocidade constante v¯\overline{v} é representada pela linha pontilhada do desenho acima.

Mas a primeira partícula não anda necessariamente com uma velocidade constante. Podemos então perguntar: como calcular a sua velocidade instantânea num determinado instante t1<t<t2t_{1}<t<t_{2}? Para isso, é necessário olhar as posições em dois instantes próximos. Se a partícula se encontra na posição x(t)x(t) no tempo tt, então logo depois, no instante t+Δt>tt+\Delta t>t, ela se encontrará na posição x(t+Δt)x(t+\Delta t). Logo, a sua velocidade média no intervalo [t,t+Δt][t,t+\Delta t] é dada por x(t+Δt)x(t)Δt\frac{x(t+\Delta t)-x(t)}{\Delta t}. Calcular a velocidade instantânea significa calcular a velocidade média em intervalos de tempo [t,t+Δt][t,t+\Delta t] infinitesimais:

v(t)=limΔt0x(t+Δt)x(t)Δtx(t),v(t)=\lim_{\Delta t\to 0}\frac{x(t+\Delta t)-x(t)}{\Delta t}\equiv x^{\prime}(% t)\,,

isto é, a derivada de x(t)x(t) com respeito a tt.

Vemos assim como a derivada aparece no estudo da cinemática: se x(t)x(t) (em metros) é a posição da partícula no tempo tt (em segundos), então a sua velocidade instantânea neste instante é v(t)=x(t)v(t)=x^{\prime}(t) metros/segundo.

Observação 6.6.

Existe uma relação interessante entre velocidade instantânea e média. Como consequência do Teorema de Rolle (e o seu Corolário 6.1), se x(t)x(t) for contínua e derivável num intervalo [t1,t2][t_{1},t_{2}], então deve existir um instante t(t1,t2)t_{*}\in(t_{1},t_{2}) tal que

v¯=x(t2)x(t1)t2t1=x(t)=v(t).\overline{v}=\frac{x(t_{2})-x(t_{1})}{t_{2}-t_{1}}=x^{\prime}(t_{*})=v(t_{*})\,.

Isso implica que ao longo da sua trajetória entre t1t_{1} e t2t_{2}, existe pelo menos um instante t1<t<t2t_{1}<t_{*}<t_{2} em que a velocidade instantânea é igual à velocidade média.

Exemplo 6.20.

Considere uma partícula cuja trajetória é dada por

x(t)=v0t+x0,t0x(t)=v_{0}t+x_{0}\,,\quad t\geq 0 (6.18)

em que x0x_{0} e v0v_{0} são constantes. Como x(0)=x0x(0)=x_{0}, x0x_{0} é a posição inicial da partícula. A velocidade instantânea é dada por

x(t)=v0,x^{\prime}(t)=v_{0}\,,

o que significa que a partícula se move com uma velocidade constante v0v_{0} ao longo da sua trajetória. Diz-se que apartícula segue um movimento retilíneo uniforme.

Observe que nesse caso, a velocidade média ao longo de um intervalo é igual à velocidade instantânea: v¯=v0\overline{v}=v_{0}.

É natural considerar também a taxa de variação instantânea de velocidade, chamada aceleração:

a(t)=limΔt0v(t+Δt)v(t)Δtv(t).a(t)=\lim_{\Delta t\to 0}\frac{v(t+\Delta t)-v(t)}{\Delta t}\equiv v^{\prime}(% t)\,.

Por a(t)a(t) ser a derivada da derivada de x(t)x(t), é a derivada segunda de xx com respeito a tt, denotada: a(t)=x′′(t)a(t)=x^{\prime\prime}(t).

No exemplo anterior, em que uma partícula se movia com velocidade constante v0v_{0}, a aceleração é igual a zero:

x′′(t)=(v0t+x0)′′=(v0)=0.x^{\prime\prime}(t)=(v_{0}t+x_{0})^{\prime\prime}=(v_{0})^{\prime}=0\,.
Exemplo 6.21.

Uma partícula que sai da origem no tempo t=0t=0 com uma velocidade inicial v0>0v_{0}>0 e evolui sob o efeito de uma força constante F<0-F<0 (tende a freiar a partícula) tem uma trajetória dada por

x(t)=F2mt2+v0t+x0,t0,x(t)=-\frac{F}{2m}t^{2}+v_{0}t+x_{0}\,,\quad t\geq 0\,,

onde mm é a massa da partícula. Então a velocidade não é mais constante, e decresce com tt:

v(t)=x(t)=Fmt+v0.v(t)=x^{\prime}(t)=-\frac{F}{m}t+v_{0}\,.

A aceleração, por sua vez, é constante:

a(t)=v(t)=Fm.a(t)=v^{\prime}(t)=-\frac{F}{m}\,.
Exercício 6.33.

Considere uma partícula cuja trajetória é dada por:

Descreva qualitativamente a evolução da partícula em cada um dos intervalos [0,t1][0,t_{1}], [t2,t3][t_{2},t_{3}], etc., em termos de velocidade instantânea e aceleração.

Exercício 6.34.

Considere uma partícula se movendo ao longo da trajetória x(t)=t22tx(t)=\frac{t^{2}}{2}-t (medida em metros), t0t\geq 0. Calcule a velocidade instântânea nos instantes t0=0t_{0}=0, t1=1t_{1}=1, t2=2t_{2}=2, t3=10t_{3}=10. O que acontece com a velocidade instantânea v(t)v(t) quando tt\to\infty? Descreva o que seria visto por um observador imóvel posicionado em x=0x=0, olhando para a partícula, em particular nos instantes t0,,t3t_{0},\dots,t_{3}. Calcule a aceleração a(t)a(t).

Exercício 6.35.

O movimento oscilatório genérico é descrito por uma trajetória do tipo

x(t)=Asen(ωt),x(t)=A\operatorname{sen}(\omega t)\,,

em que AA é a amplitude máxima e ω\omega uma velocidade angular. Estude x(t)x(t), v(t)v(t) e a(t)a(t). Em particular, estude os instantes em que v(t)v(t) e a(t)a(t) são nulos ou atingem os seus valores extremos, e onde que a partícula se encontra nesses instantes.

Na prática, a derivada deve sempre ser interpretada como taxa de variação. Considere alguma quantidade N(t)N(t), por exemplo o número de indivíduos numa população, que depende de um parâmetro t0t\geq 0 que interpretaremos aqui como o tempo. A taxa de variação instantânea de N(t)N(t) é definida medindo de quanto que N(t)N(t) cresce entre dois instantes consecutivos, arbitrariamente próximos:

Taxa de variação de N no instante t=limΔt0N(t+Δt)N(t)ΔtN(t).\text{Taxa de varia\c{c}\~{a}o de $N$ no instante }t=\lim_{\Delta t\to 0}\frac{N(t+\Delta t)-N(t)}{\Delta t}\equiv N^{% \prime}(t)\,.
Exercício 6.36.

Calcula-se que, daqui a tt meses, a população de uma certa comunidade será de P(t)=t2+20t+8000P(t)=t^{2}+20t+8000 habitantes.

  1. 1.

    Qual é a taxa de variação da população da comunidade hoje?

  2. 2.

    Qual será a taxa de variação da população desta comunidade daqui a 15 meses ?

  3. 3.

    Qual será a variação real da população durante o 16o16^{o} mês?

6.7.1 Taxas relacionadas

Em vários problemas, uma quantidade XX depende de uma quantidade YY: X=f(Y)X=f(Y). Ora, se YY por sua vez depende de um parâmetro por exemplo o tempo tt, então XX depende de tt também: X(t)=f(Y(t))X(t)=f(Y(t)). A taxa de variação de XX com respeito a tt pode ser obtida usando a regra da cadeia:

X(t)=f(Y(t))Y(t).X^{\prime}(t)=f^{\prime}(Y(t))Y^{\prime}(t)\,.

Essa expressão mostra como as taxas de variação de X(t)X(t) e Y(t)Y(t), isto é X(t)X^{\prime}(t) e Y)(t)Y^{\prime})(t), são relacionadas.

Exemplo 6.22.

Considere um quadrado de comprimento linear LL, medido em metros. Outras quantidades associadas ao quadrado podem ser expressas em função de LL. Por exemplo, o comprimento da sua diagonal, o seu perímetro (ambos em metros), e a sua área (em metros quadrados):

D=2L,P=4L,A=L2.D=\sqrt{2}L\,,\quad P=4L\,,\quad A=L^{2}\,.

Suponha agora que LL depende do tempo: L=L(t)L=L(t) (tt é medido em segundos). Então DD, PP e AA também dependem do tempo

D(t)=2L(t),P(t)=4L(t),A(t)=L(t)2,D(t)=\sqrt{2}L(t)\,,\quad P(t)=4L(t)\,,\quad A(t)=L(t)^{2}\,,

e como a taxa de variação de L(t)L(t) é L(t)L^{\prime}(t) metros/segundo, as taxas de variação de DD, PP e AA são obtidas derivando com respeito a tt:

D(t)=2L(t),P(t)=4L(t),A(t)=2L(t)L(t).D^{\prime}(t)=\sqrt{2}L^{\prime}(t)\,,\quad P^{\prime}(t)=4L^{\prime}(t)\,,% \quad A^{\prime}(t)=2L(t)L^{\prime}(t)\,.

(Para A(t)A^{\prime}(t) usamos a regra da cadeia.) Suponhamos, por exemplo, que o quadrado se expande de modo tal que o seu lado cresça a razão constante de 66 m/sm/s, isto é: L(t)=6L^{\prime}(t)=6. Logo,

D(t)=62,P(t)=24,A(t)=12L(t).D^{\prime}(t)=6\sqrt{2}\,,\quad P^{\prime}(t)=24\,,\quad A^{\prime}(t)=12L(t)\,.

Isto é, a diagonal e o perímetro crescem com uma taxa constante, mas a taxa de variação da área depende do tamanho do quadrado: quanto maior o quadrado, maior a taxa A(t)A^{\prime}(t). Por exemplo, no instante t1t_{1} em que L(t1)=1L(t_{1})=1, A(t1)=12A^{\prime}(t_{1})=12 m2/sm^{2}/s, e no instante t2t_{2} em que L(t2)=10L(t_{2})=10, A(t2)=120A^{\prime}(t_{2})=120 m2/sm^{2}/s.

Exercício 6.37.

Os lados de um cubo crescem a uma taxa de 0.50.5 metros por segundo. Determine a taxa de variação do volume do cubo no instante em que os lados medem 1) 1010 metro 2) 2020 metros.

Exercício 6.38.

(Segunda prova, 27 de maio de 2011) Um balão esférico se enche de ar a uma taxa de 22 metros cúbicos por segundo. Calcule a taxa com a qual o raio do balão cresce no instante em que o seu volume atingiu 4π3\frac{4\pi}{3} metros cúbicos.

Exercício 6.39.

Uma vassoura de 22 metros está apoiada numa parede. Seja II seu ponto de contato com o chão, SS seu ponto de contato com a parede. A vassoura começa a escorregar, II se afastando da parede a uma velocidade de 0.8m/s0.8\,m/s. 1) Com qual velocidade SS se aproxima do chão no instante em que II está a 1m1\,m da parede? 2) O que acontece com a velocidade de SS quando a distância de II à parede se aproxima de 22?

Exercício 6.40.

Um laser em rotação (0.50.5 rad/s.) está a 1010 metros de uma parede reta. Seja PP a posição da marca do laser na parede, AA o ponto da parede mais perto do laser. Calcule a velocidade do ponto PP no instante em que PP está 1) em AA 2) a 1010 metros de AA, 3) a 100100 metros de AA.

Exercício 6.41.

Um balão cheio de hidrogênio é soltado, e sobe verticalmente a uma velocidade de 5m/s5m/s. Um observador está a 50m50m do ponto de onde o balão foi largado. calcule a taxa de variação do ângulo sob o qual o observador vê o balão subir, no instante em que este se encontra a 1) 3030 metros de altura, 2) 10001000 metros de altura.

Exercício 6.42.

A pressão PP de um gás ideal de temperatura fixa TT contido num container de volume VV satisfaz à equação PV=nkTPV=nkT, em que nn e kk são constantes (que dependem do gás). Suponha que, mantendo TT fixo, o gás tenha um volume inicial de V1V_{1}, e que ele comece a diminuir com uma taxa de 0.010.01 m3/sm^{3}/s. Calcule a taxa de variação da pressão no instante em que o volume vale V0<V1V_{0}<V_{1}.